Eu acredito no luxo do essencial

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  • Da Redação

Publicado em 6 de junho de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Quando vou a um restaurante pela primeira vez não espero nem um tostão a mais do que o mínimo: uma comida que me diga alguma coisa. 

Não sei você, mas eu, para ouvi-la, preciso de silêncio. Portanto não me venha com ruídos estéticos demais, que eu desconfio de qualquer movimento que distraia a minha atenção do essencial. Telões, decor muito carregada e, bem... música ao vivo, me fazem sair correndo até a cidade mais próxima para nunca mais. Uma vez fui a uma comemoração num restaurante temático (confesso que tenho medo deles) que para remeter a um clima de praia tinha o chão coberto de areia (!) como se não bastassem os 50kg de extensão de orla marítima lá fora. Ô ódio! Ô gastura daquela areia fake garrando no meu pé e afundando o salto da minha sandalinha pelo longo caminho até o toalete. A comida teria que ser muito boa para compensar aquele desprazer e, obviamente, não era, pois mero detalhe ali.

Por essas e outras, seo garçom, o meu é sem acrobacia, por favor! A salada não precisa vir no abacaxi e o drink não precisa atravessar o salão soltando fumaça azul até a minha mesa, que Gastronomia não é circo. Aliás, quem foi mesmo que disse que garçons são melhores do que pessoas – elevando, os bons, naturalmente, a uma espécie superior - no que devo concordar? Eu prefiro o mimetismo do branco-louça sobre o branco-linho; o frescor minimalista de uma flor solitária e um quase silêncio de bossa, praticamente uma reza. É por isso que comer sozinha me leva para um lugar de paz, nostalgia, e com sorte algum deslumbramento silencioso.

No lindo Ratatouille, o icônico, severo e arrogante crítico de gastronomia questiona o excesso de ruído no prato, se nega a engolir qualquer coisa que não o convença, e chega a levar restaurantes à falência com suas críticas. Mas Anton Ego não era de todo mau; ele só estava cansado de tanta alegoria gastronômica, exibicionismo e afetação de almas incultas; de tanta pretensão para pouca dignidade. Aquilo tudo era enfadonho demais para um homem tão distinto, inteligente, de muito bom gosto, e que no fundo, por trás de toda aquela suposta maldade de aspecto vampiresco, era um homem imensamente emotivo e capaz de derreter-se em lágrimas ao provar da mais simples receita camponesa, um ratatouille, que o levasse de volta ao essencial: a comida de sua mãe.  Como não entendê-lo e até amá-lo? Sou capaz, afinal é sabido, menos é mais, e restaurantes só precisam ser restaurantes.  Nas fotos, a mesa essencial do quintal de mainha e o meu ratatouille rústico, que fica ainda melhor no fogo de chão. Anton Ego, te dedico. Ratatouille é berinjela, abobrinha, cebola, pimentões, tomates + alecrim, folha de louro e tomilho + azeite de oliva (foto/Kátia Najara) UM RATATOUILLE PARA ANTON EGO Se quiser arrumar em espiral, corte os vegetais em rodelas. Aquele corte folha, bem fininho, todo mundo na mesma espessura, fica lindo nos filmes e revistas, mas como cada ingrediente tem um tempo de cocção diferente - os pimentões, por exemplo, tendem a murchar muito mais - e como não tenho problema algum com meus vegetais graúdos (ao contrário), vou cortando cada um conforme eles me pedem e resistem melhor. É por isso e pelo fogo de chão que os chamo de rústicos - sem saber se Anton Ego, em sua finesse me perdoaria, mas é o que temos para hoje. 

De todo modo, o ratatouille em cubos na caçarola também fica delicioso e já encurta essa conversa. Neste caso, o ideal é ir somando à panela cada ingrediente no seu tempo, dos mais firmes aos mais frágeis: berinjela, abobrinha, cebola, pimentões, tomates.

Disponha berinjela (não salgo antes para tirar-lhes o amargor próprio de sua natureza, até porque penso que é preciso abrir igualmente o nosso paladar para os cinco sabores), abobrinha, pimentões coloridos e cebola roxa sobre uma base de molho de tomate sincero (tomates maduros para molho refogados em alho poró e azeite de oliva com uma folha de louro fresco e um pequeno punhado de manjericão fresco cozidos já me bastam).

Agora é encaixar algumas folhas de alecrim OU tomilho E louro fresco por ali, uns dois dentes de alhos levemente amassados acolá, regar com azeite de oliva extravirgem, e chover pimenta do reino moída na hora. Já o sal, como tende a desidratar os vegetais e formar água, prefiro temperar no prato, de preferência com cristaizinhos de flor de sal.

Abafe com uma tampa ou assadeira (que nem papel manteiga é biodegradável) e leve ao forno para cozinhar atenta ao ponto que te apeteça (ao dente, pode ser?) e descubra no final para tostar a superfície (um forno com grill é bom amigo nessa hora). Beijo. Fim.