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Da Redação
Publicado em 19 de novembro de 2022 às 11:00
- Atualizado há 2 anos
Eu sei que meus cuidados com a pandemia me deixaram quase três anos sem voar e que, nesse período, muito de civilidade pode ter se perdido também em aeroportos e aeronaves. Porém, "jamais visto" é a expressão que posso usar, talvez por não ter me acostumado, aos pouquinhos, com a involução humana nesse específico setor que voltei a encontrar. Se não tô esquecida, nunca tinha visto nada parecido com o que me aconteceu na semana passada, em dois voos nacionais.>
Fala aqui quem viveu, intensamente, o apagão aéreo de 2006. Quem já dormiu em chão de aeroporto e não foi apenas uma vez. Nessa época, eu levava muda de roupa e itens de higiene pessoal na bagagem de mão, justamente pra não me irritar. Fala aqui quem já viajou como produtora de banda de Norte a Sul do país. Quem foi cliente assídua da finada VASP, na época apelidada de "Viação Aérea Sem Pressa", por motivos que você sabe ou pode imaginar. Quem já embarcou, algumas vezes, com carga viva - meus dois cães de médio porte - no bagageiro de aeronaves e ficava monitorando a temperatura lá de baixo com piloto, a cada escala.>
Mais cinco parágrafos não bastariam pra contar todas as histórias que incluem um voo desesperador entre Londres e Madrid (com direito a pouso não programado, no meio do caminho, para reabastecer), diversas viagens em diferentes estágios de gravidez, outras tantas com filho bebê (na primeira, ele tinha 40 dias) e embarque com cenário de teatro, algumas vezes. Sou da época em que se fumava em avião, tinha comida gostosa e podia visitar a cabine, pense. Descobri, na prática, que o efeito do álcool é potencializado nas alturas. Percebe que não sou iniciante? O lugar de fala não é pouco, não. Pois é dele que eu lhe digo: evite a empresa aérea com nome de cor, se não quiser se estressar.>
Eu não sei se todas estão assim, só posso falar do que aconteceu comigo. Precisamente, nos voos 2917 (10 de novembro, SSA/REC) e 4429 (17 de novembro, REC/SSA). Além de um atendimento para remarcação das passagens de um amigo. No primeiro voo, fui forçada a gritar com um aerohomem porque foi ele quem começou e ninguém grita comigo pra ficar por isso mesmo. No segundo voo, fui apenas espectadora passiva de várias loucurinhas. Na remarcação da passagem fui coadjuvante e sou testemunha, pois deve dar processo por vários absurdos cometidos pelo atendente da empresa. Explico tudinho.>
Espie o primeiro caso. Aeronave parada há vários minutos, já chegada ao destino, minha mala de mão lá na frente (porque eles não se organizam para que cada passageiro utilize o bagageiro acima do próprio assento, não sei por qual motivo) e eu precisando pegar um medicamento. Levanto, pego a bagagem PEQUENA e me dirijo de volta à minha poltrona. Nisso, escuto os gritos de lá do fundo do aeroplano: "SENHORA!!! SENHORA!!! RESPEITE A ORDEM DO DESEMBARQUE, NÃO PODE DESEMBARCAR, SENHORA!!!", parecendo que o homem estava em surto ou então era incêndio.>
Diante da ausência de chamas e fumaça, gritei mais alto de volta porque, pra um maluco, outra. Mandando ele me respeitar que, evidentemente, eu não estava desembarcando, que nem pressa eu tinha, que ele parasse de histeria imediatamente, que ele estava vendo que eu já me dirigia de volta ao meu lugar, bem antes de ele começar o chilique. Aí, ele entupiu. Não tem mais aquele formulário impresso pra dar queixa, vou fazer nos canais digitais. Não sei se há uma situação em que algum componente da tripulação de uma aeronave esteja autorizado a gritar com uma cliente, mas, se houver, com certeza não é o momento em que essa cliente busca um medicamento na própria bagagem com a aeronave em solo e motores desligados. Apeei do bendito avião na minha vez (como sempre) e fui lá tomar minha caipirinha de caju com limão.>
Caldinhos de camarão (melhor é o de D. Edith), cervejinhas e dengos mil. Aí, meu amigo, que pegaria o 4429 de volta, comigo, precisou trocar o dia. Como só soube da mudança de planos já perto da hora do voo, foi obrigado a fazer por telefone que pelo aplicativo não podia mais. Só esse telefonema já custa cem reais, sabia? Aí não sei se é só a empresa com nome de cor ou em todas, até três anos atrás não tinha isso. Pois bem (ou pois mal), o homem que atendeu era um cruzamento de jumento com cavalo de sotaque sudestino. A ligação em viva voz (temos o número do protocolo) eu escutava do quarto e não sei em que momento o atendimento ao cliente passou a ser lugar de ironia, sarcasmo e abuso psicológico. Meu amigo é advogado e identificou vários problemas ali, mas nem precisava ser pra saber que algo errado não estava certo.>
Na gravação - que podemos solicitar a qualquer momento - tem a minha voz dizendo "oxente, que maluquice é essa?" diante dos desaforos do tal atendente que não suportou ver questionado o protocolo abusivo de reembolso/remarcação das passagens. Tudo tão absurdo que apenas inviabilizou a viagem do meu amigo, coisa que também não me lembro de já ter visto. Mas posso estar enganada. Saberemos no tribunal, provavelmente. Por falar em enganos e gravações, na ida e na volta teve um negócio tragicômico. Os áudios nos aviões aconselham, veementemente, o uso de máscaras, explicando direitinho que é por causa de várias doenças respiratórias, "inclusive covid-19". Mas sabe quem não usa máscaras, não se vê tocar em alquigél e fala em cima da gente, sem nenhum pudor? Isso mesmo, a tripulação. É moleza? Né não.>
Calma que ainda falta o voo de volta. Avião pequeno, daqueles de duas poltronas de cada lado. Eu entrei pela frente e não consegui ver nenhuma diferença entre os assentos, tudo apertado do mesmo jeito, se tiver diferença é mínima que não dá inveja do conforto alheio nem em mim, que adoro upgrade de cabine. Olhei, não valia a pena tentar. Porém, nunca vi tanto apego. Assim que acabou o embarque, a criatura avisou logo que ninguém podia mudar de lugar em "respeito aos clientes que compraram" a tal classe melhor que não deu pra perceber qual era a vantagem. Seguimos.>
Aterrissamos e já começou o aviso de que o desembarque seria por fileiras, sendo a palavra "fileiras" dita quase com raiva dos passageiros mais agitados. Eu, quieta. Na ida, só levantei mesmo por causa do medicamento, lembra? Minha pressa é zero, nessas horas. Pois. Evém o desembarque por fileiras. Pode descer a primeira, depois a segunda, depois a terceira. Quando chegou na quinta, podia descer da quinta até a trigésima, tudo junto. Descobri a vantagem da primeira classe deles e dei uma gargalhada. Nunca vi nada mais tabaréu neste mundo.>
Exercício de pequeno poder, mau humor, grosseria, não cumprimento do protocolo básico (já sinalizado pelo Ministério da Saúde) em relação à covid. Despreparo. Eu só fiquei rezando pro pessoal que pilota não ser do mesmo nível porque, se fosse, o avião caía. Felizmente, cheguei sã, salva e ainda com um artigo pronto na cabeça. Todinho. Escrevo como uma obrigação. Porque a gente não pode achar normal ser maltratado por ninguém, em nenhuma situação. Tem que questionar o tom, inclusive. Somos clientes, consumidores, não é? Liberdade de escolha, concorrência e todos os outros conceitos do livre mercado estão aí. Só a mais absoluta ignorância pode fazer alguém achar normal comprar um serviço e, na utilização dele, sofrer. Não tá tudo bem, não. Não tá azul de jeito nenhum. Pense nisso na hora de planejar suas viagens. O poder é nosso. A visão é essa, pega quem quer.>