Festa de São João celebra, também, a agricultura nordestina

Milho, mandioca, laranja, amendoim e jenipapo reinam neste período do ano; veja receitas

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  • Georgina Maynart

Publicado em 17 de junho de 2018 às 06:03

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Georgina Maynart

Os sapatos manchados de terra e o friozinho com neblina nem de longe desanimam quem pega o caminho da roça nesta época para celebrar a maior festa do nordeste brasileiro. É São João.

Seja noite estrelada no sertão, ou céu nublado no litoral, o cheirinho das comidas típicas se espalha por todos os cantos. Alimenta, acolhe e aconchega. Os sabores servem de convite para se sentar ao redor da fogueira, travar uma boa prosa, desfrutar o inverno, rever família e amigos.

As festas juninas são uma forma de renovar a vida, mas, sobretudo, uma maneira de exaltar a diversidade da agricultura brasileira. É o trabalho do homem do campo que preenche a mesa durante os festejos.

Mandioca

A mandioca reina soberana. Desde os tempos pré-coloniais é o ingrediente básico que dá forma à farinha, beijus, gomas, polvilhos, bolos. É Herança indígena que sobrevive por séculos no miscigenado cardápio brasileiro. Nestes trópicos, ela é fonte de renda para milhares de pequenos produtores rurais.

Este ano estima-se que sairão das lavouras baianas 1,8 milhão de toneladas de mandioca. Na casa da professora aposentada Marluce Silva, a raiz vai virar um saboroso bolo de carimã ou puba. “Vou fazer a receita que aprendi com minha avô, não abro mão”, diz ela. Moradora de Salvador, ela foi até a feira de São Joaquim, na cidade baixa, comprar o produto.

A maior parte da mandioca vendida na capital baiana vem de agricultores familiares como Edmilson Brasil e Alan Costa, do município de Maragogipe. Eles comercializam a produção diretamente em feiras de Salvador. De acordo com o Ministério da Agricultura, 80% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros são produzidos pela agricultura familiar.

Milho

Se a mandioca é a rainha, o milho é o rei das mesas juninas e está presente em quase todas as receitas típicas: bolos, canjicas, munguzás, pamonhas, broas, ou simplesmente in natura, cozido ou assado. Espera-se que não falte espigas este ano nas feiras e mercados, afinal, o último Levantamento da Produção Agrícola do IBGE indica que os agricultores baianos produzirão 6,4% a mais de milho este ano em relação ao ano passado. Serão 1,6 milhão de toneladas do cereal na primeira safra.

Muitos produtores rurais cultivam milho para fornecer às agroindústrias fabricantes de biodiesel, ração, farelo e derivados. Segundo a Confederação Nacional da Agricultura, 75% do milho produzido no Brasil tem como destino a alimentação animal, principalmente de aves e suínos; 8% vai para pecuária e indústria de sementes.

Mas há quem plante apenas para abastecer a farta mesa junina. É o caso de muitos agricultores baianos.

Na Fazenda Ferrão, em São Sebastião do Passé, há 58 quilômetros de Salvador, os agricultores Raimundo dos Santos Miranda e José Abelardo reservam duas tarefas de terra, o equivalente a um hectare, para a lavoura de milho. Como manda a tradição, o plantio é feito sempre depois do dia 19 de março, Dia do Santo Carpinteiro. Diz a crença que quem planta no São José, colhe no São João. Este ano, a chuva não veio na hora certa, e o plantio foi realizado duas semanas depois. Mas os agricultores garantem que vão ter milho para dar e vender. “Os pés cresceram muito, estão altos e vão dar trabalho para colher. Mas vai ter para comer, para vender e separar para semente”, diz José Abelardo, que nas outras épocas do ano cultiva banana e mandioca. Na sua região a espiga está sendo vendida por R$ 0,80.

Amendoim

O amendoim não exibe a mesma “majestade” dos outros ingredientes, mas sempre é um convidado de honra da festa e se impõe com um preço ilustre neste período. Na Feira de São Joaquim, o saco de 20 quilos do amendoim cru está sendo vendido por R$ 50, e com tendência de alta, apesar do aumento da produção este ano.

Segundo o IBGE, os agricultores da Bahia devem produzir 111,8% mais amendoim do que no ano passado. Genivaldo vem do Recôncavo todos os dias para vender o amendoim que planta em sua propriedade Para quem teme levar o produto e perder antes de consumir, Lourival Cardoso, feirante há 40 anos, dá uma dica: “para o amendoim não ficar úmido, grudento, pegajoso e durar mais tempo, basta cozinhar com limão”.

Boa parte da produção vem de cidades do Recôncavo, e é trazida diretamente pelos produtores rurais, como Genivaldo Sena, do povoado Guapira, em Cruz das Almas. “Toda semana tô aqui. Nos próximos dias deve aumentar a procura, por isso a tendência é subir o preço semana que vem”, avisa ele.

Laranja

Para muita gente, a laranja também não pode faltar na ceia junina. Usada para decorar as mesas ou como ingrediente de bolos, a fruta está 50% mais cara do que na semana passada. A laranja de umbigo, a variedade mais procurada nas festas juninas, chega a ser encontrada a R$ 60 o cento. Consequências de problemas na safra enfrentados pelos produtores nas regiões do Recôncavo e no Nordeste do estado.

Segundo Manuel dos Santos, conhecido como “Benê do Limão”, feirante há 22 anos, “as lavouras foram afetadas por uma praga que está deixando o fruto com a casca escura. Não influencia no sabor, mas deixa a laranja manchada e tem vindo pouca”.

Jenipapo

A ceia das festas de Santo Antônio, São João e São Pedro também tem sua bebida títpica. De sabor e fragrância marcantes, o jenipapo se destaca como ingrediente principal do mais procurado licor da época, ou de sucos e doces típicos. Uma das versões mais populares é o jenipapo em forma de bala cristalizada, aquela bolinha de jenipapo com açúcar que desmancha na boca, e costumar agradar crianças e adultos.

O jenipapo era usado antigamente pelos índios como tintura para o corpo ou para decorar cerâmica e palha. Ainda na fase de maturação, ele solta um sumo de cor roxo-azulado que gruda facilmente. Não por acaso o nome vem do tupi-guarani e quer dizer “fruta que mancha”.

Não existe um cultivo em escala intensiva do Jenipapo na Bahia. Os pés são encontrados com facilidade em toda a Mata Atlântica. A árvore pode alcançar até 20 metros de altura.

Para quem não tem tempo de preparar as balinhas de jenipapo, a dica é fazer uma Jenipapada, uma espécie de doce à frio. Basta retirar os caroços, cortar a fruta em cubinhos, misturar com leite de coco, acrescentar sal e açúcar à gosto. Não precisa ir ao fogo. Depois de alguns minutos em repouso, a jenipapada está pronta. Há quem adicione canela em pó. Na Feira de São Joaquim, aqui em Salvador, 3 unidades de Jenipapo custam R$ 2. (veja mais receitas de São João abaixo)

Aipim “customizado”

Há 30 anos dona Jaíra Alves Conceição, 68, vende aipim ralado na Feira de São Joaquim. É uma opção para quem não quer gastar tempo descascando e ralando a raiz na hora de preparar o tradicional bolo. Segundo ela, nesta época do ano as vendas chegam a aumentar em “1000%”. “Congelado ele dura até 1 ano, mas se descongelar tem que consumir na hora”, diz ela, que trabalha com outras cinco pessoas da família, entre filhos e netas. Um quilo de aipim ralado, embalado em saquinho, é vendido por R$ 4. A versão inteira - com casca - sai pela metade do preço.

Palha dá lucro

Uma curiosidade que mostra a fartura do São João e sua relação íntima com a agricultura é que nesta época, até a palha da bananeira se transforma em fonte de renda para o produtor rural. Geralmente é usada para decorar mesas, embalar pamonhas ou assar beijus. O pacote com 10 folhas de bananeira custa em média R$ 10 na Feira de São Joaquim.

Veja mais receitas juninas típicas: Bolo de Carimã ou Puba

Ingredientes: 1 kg de carimã (puba fresca); 200 g de manteiga; 4 ovos; 1 xícara de chá de açúcar; 1 colher pequena de sal; 1 lata de leite condensado; 200 ml de leite de coco (uma caixinha); 1 xícara de chá de leite.

Modo de Preparo: Junte a manteiga e o sal e bata até obter uma mistura homogênea. Depois acrescente os outros ingredientes, um a um. Deixe a carimã por último. Bata por alguns minutos e leve ao forno numa forma untada por 1 hora. Dica: Quando começar a corar nas bordas (depois de cerca de 50 minutos), gire a parte de trás da assadeira para frente. Deixe por 15 minutos no forno. Estará pronto quando o palito enfiado no meio do bolo sair limpo. Canjica

Ingredientes: 800 gramas de grãos de milho verde; 500 ml de leite de vaca; 200 ml de leite de coco; 1 xícara (chá) de açúcar; 50 g de coco ralado; 1/2 xícara (chá) de leite condensado; 1 colher (sopa) rasa de manteiga; 1 pitada de sal; canela em pó a gosto

Modo de Preparo: Passe o milho no liquidificador com o leite. Peneire, espremendo bem. Leve ao fogo numa panela com o leite de coco, o açúcar, o coco ralado, o leite condensado, a manteiga e o sal, mexendo sempre. Deixe cozinhar até engrossar e soltar do fundo da panela, mexendo por uns 40 minutos. Coloque numa travessa, polvilhe com canela e sirva. Uma alternativa é servir em copinhos individuais