Fogos de planta: sobre a 'esquisitice' de soltar fogos de dia

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  • Nelson Cadena

Publicado em 8 de março de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Foi um visitante ilustre que alertou o mundo sobre uma peculiaridade dos baianos, o estranho hábito de soltar fogos de artifício em plena luz do dia, um “absurdo”, considerando que a essência da pirotecnia são as luzes que realçam à noite. Os baianos ignoravam essa regra básica  elementar e soltavam foguetes para reverenciar seus santos nos dias de festa, a Lavagem do Senhor do Bonfim era um desses momentos de euforia, manifesta através da explosão de “luzes” no céu. O que o referido visitante ignorava, ele e outros que também estranharam a prática, é que o baiano soltava fogos de dia, não para apreciar, mas para sinalizar um ritual. Importava o barulho e não os efeitos luminosos.

Em janeiro de 1860, o príncipe Maximiliano de Habsburgo compareceu ao Bonfim no dia da Lavagem montado numa carruagem, em estilo rococó, conduzida por quatro cavalos brancos com arreios de luxo e na boleia dois negros vestindo casacos verdes, luvas e calções de veludo ornados com galões e alamares de prata. O príncipe enfatizou no seu diário a ignorância dos baianos ao soltarem fogos de dia, em direção ao sol. Estranhou outras práticas como o hábito de beber cachaça das mulheres que portando vassouras -  chamou de troféus da festa - lavavam o templo. O herdeiro do trono austríaco tornou-se, mais tarde, Imperador do México e foi fuzilado em 1867 pela guerrilha de Benito Juarez.

Maximiliano não foi o único estrangeiro a reparar na esquisitice de soltar fogos de dia, outros visitantes menos famosos repararam nessa prática, desnecessária, já que a salva de tiros de canhão cumpria a mesma finalidade de sinalizar a alvorada e outros momentos rituais das festas populares. A vaidade era a principal motivação. A importância das festas se media pela quantidade e qualidade dos fogos exibidos. Os de dia faziam barulho, os da noite tinham que ser diferenciados e, por isso, a preferência dos baianos pelos chamados fogos de planta.

Maria Graham observou no seu diário de viagem (1821), a propósito da Festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia, que a despesa anual com foguetes e outros fogos era enorme, anotou que eram procedentes da China e das Índias Orientais. No final do século XIX, o comércio importava os fogos de artifício e de planta de Paris, mas eram fabricados na China, assim informavam as lojas nos seus anúncios, um diferencial de qualidade. Os fogos de planta constituíam a principal atração dos festejos noturnos e quem melhor descreveu - para não afirmar que foi o único -    essa performance foi o oficial holandês Maurice Ver Huell que assistiu uma exibição na Festa do Bonfim de 1810.

Seu relato: “Na Praça em frente à igreja já encontramos reunida uma enorme multidão. Entre dois postes de aproximadamente 40 pés de altura, uma corda fora tencionada e nela pendurava-se agora uma caixa chata e circular de apenas quatro pés de diâmetro. Do fundo dessa caixa pendia um pequeno pavio que foi aceso. Com uma pancada, o fundo caiu, e, ao mesmo tempo, surgiu uma torre chinesa muito elegante, rodeada de inúmeros ornamentos. Produzida em papel fino e pintada com cores vivas, esta leve construção era iluminada por uma profusão de centelhas coloridas que se projetavam para todos os lados, dando ao todo um efeito encantador”.

“Jamais tinha visto um fogo que produzisse uma impressão tão viva... A torre ora ficava verde, ora vermelha, azul, amarela, ou ainda branco cintilante, de acordo com a natureza do combustível que brilhava atrás do papel fino sem danificá-lo. Isto durou algum tempo, até que, ao final, toda a construção lançou-se ao chão, dando lugar a um pássaro produzido com muita arte... este fogo não produzia a menor fumaça ou cheiro... uma prova contundente de que os chineses atingiram um elevado nível nessa arte”.