Foi o sexo convencional que matou o MC Kevin

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 22 de maio de 2021 às 10:59

- Atualizado há um ano

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Passei a semana intrigada com a quantidade de "culpados" pela morte do rapaz que, pelo que dizem nas matérias, se jogou pela janela do hotel, com medo de ser flagrado pela esposa enquanto transava com uma prostituta e um bróder. Pelo que eu entendi, era suruba (se tava todo mundo junto né, gente, e mesmo que alguém estivesse só assistindo, isso faz parte e o nome que chama é voyeur) e ele e o amigo pagaram mil contos, cada, à moça que chamam de "modelo" pelo preconceito contra profissionais do sexo e também porque ela é branca. Se fosse negra, já era "garota de programa" em tudo que é canto, compare com casos similares e perceba essa dose de racismo, um oferecimento da alma brasileira. Enfim, se cobrou pra fazer ousadia, é puta. E eu não tenho problemas com a palavra nem nada contra quem vende (ou aluga) o que é seu. Vamos evoluindo e em frente, portanto.

(Simmm, há todo um contexto de violência, miséria e tal, mas há outras profissões nas quais isso também acontece. E eu não entendo sexo pago, mas o que é de gosto é regalo da vida. Passemos por essa parte.)

O que eu sei é que tem "culpado" que não acaba mais, nesse caso. Amigos solteiros que são "maus influencers", o MD, a monogamia, a cachaça, o virote e o resumo dos que dizem que a culpa é dele mesmo homem adulto que fez escolhas e se lenhou. Sou dessa linha de raciocínio aí porque a pessoa que já fez qualquer terapia na vida sabe que cada adulto funcional é responsável por seus próprios atos. Mas o que nos constitui apita, define e, muitas vezes, mata.

Pra mim, as drogas, a suruba e o virote são só detalhes do caso. Do tipo lícito e do tipo ilícito, sabemos, e leis devem ser cumpridas, mas a farra já vinha clandestina desde a véspera e quase ninguém comenta o show que ele fez, na noite anterior, por exemplo. Lotado, em plena pandemia. Ah, esse nosso sentido de justiça, do que é certo e errado... então, vamos esquecer o conceito de legalidade, nesse caso específico. Que eu não sou da polícia nem nada e quero tratar de outro tema: no fim das contas, foi o sexo convencional que matou o MC Kevin. Doidão ou careta, ele não fugiu do bróder nem da prostituta. Foi o anúncio da chegada da mulher dele mesmo, da criatura com quem ele havia casado há duas semanas, que fez o finado despencar pela janela. Isso, de acordo com a versão divulgada até aqui. E que, surpreendentemente, não espanta ninguém. Fugir da mulher é quase uma justificativa legítima para o ato extremo. Percebe a loucura disso? Desse sentimento, desse pensamento, dessa lógica? A pessoa MORREU pra não ser vista transando com outras pessoas pela pessoa que ele escolheu pra casar. Não tem nada errado nisso não, gente?

O MC morreu de normose, de convencionalidade. O nosso convencionado é doente e não há previsão de saúde em horizonte próximo, infelizmente. Está combinado viver de jeito "aceitável", proferir moralismos e gozar escondido, quando possível. Travestis que trabalham com sexo sabem bem do que digo e afirmam, pra quem quiser ouvir, que são os homens heteros tradicionais seus maiores clientes. Passivos, inclusive. Homofóbicos, provavelmente, todos eles. Porque, né? Quando o assunto é sexo, é necessário performar, em "casa", o oposto do que se é, quase sempre. Foi, exatamente, o caso.

Não resolvemos sexo, ainda. Sexo, pessoal! O básico, o início, o que há de mais primitivo. Não sabemos onde colocar sexo, coletivamente. Empacamos no tema "o que fazer com o desejo de friccionar mucosas por puro prazer". Percebem o ridículo? Nem masturbação a gente tem como coisa resolvida. Tipo, a mão na xoxota ou no pinto é problema, ainda. Pracabá com tudo, as pessoas que dizem (e vivem) "tô de boas com isso" é que, por comparação com a média, são as esquisitas.

Nem a juventude, nem a cara toda tatuada, nem a música, nem a loucura gerando em alta conseguiram subverter o socialmente combinado de performar o que não se é e viver, nas encolhas, o que se tem vontade. Não há nada de esperto nisso, saiba. Pelo contrário, é um troço babaca e que mata. Simbolicamente, sempre e, desta vez, num choque de literalidade. Pra mim, pelo menos, que não deixei de estar chocada um minuto com a causa da morte desse cara. É só sexo. Uma coisa que complicamos a ponto de gerar múltiplas patologias, muitas delas coletivas e sociais. Porque transformamos sexo em muita coisa e não vivemos o que é pra ser: diversão, leveza, alegria, comunhão, prazer. Aí é o seguinte: se, coletivamente, convencionamos que sexo é segredo, drama, coisa suja, instrumento de afirmação e poder, é que estamos muito, infinitamente, completamente doentes, sim. De algum jeito, é também disso que vamos morrer.