Folhas usadas em cerimônias de candomblé são plantadas em Salvador

Espaço foi inaugurado dentro de terreiro no Subúrbio Ferroviário, e é a quarta unidade desse tipo na capital

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  • Gil Santos

Publicado em 13 de janeiro de 2021 às 15:02

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marcelo Gandra/ Secis

Alecrim, manjericão, hortelã, e erva-doce. Essas são especiarias que fazem parte da culinária de muita gente no dia a dia, mas para os fiéis do candomblé essas folhas têm um significado mais amplo. Elas são usadas em banhos, rituais e outras cerimônias feitas nos terreiros, por isso, quem pode, cultiva a própria horta com as espécies, e quem não pode tem recebido uma ajudinha da prefeitura.

Nesta quarta-feira (13), integrante do terreiro Jussara Kondire se reuniram para plantar a primeira horta do espaço, que fica no bairro de Paripe, no Subúrbio Ferroviário de Salvador. A ação é uma iniciativa da Secretaria Municipal de Sustentabilidade e Resiliência (Secis) e da Secretaria Municipal de Reparação (Semur). Na prática, o Município monta as estruturas e doa as mudas para que os terreiros façam o cultivo. Crianças vão aprender na prática a cuidar de cada espécie (Foto: Marcelo Gandra/ Secis) As espécies plantadas foram alecrim, arruda, manjericão, alfazema, hortelã miúdo, hortelã grosso, tomilho, lavanda, erva-doce, e água de alevante. Foram 140 mudas, distribuídas em 12 canteiros, e protegidas por uma estrutura que permite a entrada do sol e da chuva, mas mantém o espaço reservado no terreno.

Pai Nido, responsável pelo terreiro, contou que muitas plantas também são usadas pelo povo de santo na culinária, mas que algumas delas têm funções dentro da religião que vão além de atribuir tempero e sabor aos alimentos. Esse é o caso do manjericão, arruda, e água de alevante que são usadas em banho e questões medicinais.

“A maioria das espécies que plantamos na horta são folhas frias, como nós chamamos dentro da religião, são folhas usadas no axé. Essa ação [plantio da horta] é muito importante porque estamos tendo dificuldade para encontrar muitas dessas espécies, e nós do candomblé fazemos tudo com as folhas. Elas são de estrema importância. Sem folhas não tem axé, não existe candomblé”, contou. Pai Nido contou que tem diversos voluntários para cuidar do espaço (Foto: Marcelo Gandra/ Secis) A religião exige também cuidado especial com o cultivo dessas ervas. Elas precisam ser bem tratadas, regadas com atenção, sem excessos e protegidas de pragas. A colheita deve ser feita por pessoas que estejam com o corpo limpo, é preciso pedir licença para retirar cada galho, e existe um momento adequado para recolher cada planta. Essas são regras que não são cumpridas quando os vegetais são comprados já colhidos nas feiras.

Dificuldade Mas nem mesmo nas feiras essas folhas estão sendo encontradas em abundância. Os fiéis reclamaram que muitas espécies estão ficando escassas, e que os preços têm dificultado a compra dessas ervas em muitos terreiros. Horta vai se juntar a Árvore do Caboclo Rei de Guiné e outras plantas sagradas (Foto: Marcelo Gandra/ Secis) O presidente do Conselho Municipal das Comunidades Negras (CMCN), Evilásio Bolças, afirmou que com o crescimento da cidade, as matas estão ficando cada vez menores, essas plantas cada vez mais raras, e a violência cada vez maior. Esse conjunto de fatores tem tornado a colheita diretamente nas florestas inviável e aumentado os riscos para os pais e mães de santo que se aventuram nessa busca.

“A natureza em si é de extrema importância para as religiões de matriz africana, e as folhas sagradas principalmente. Elas são usadas nos rituais e, por isso, têm muita significância. Sem folhas e sem água não temos nada. Esse espaço é importante porque acaba com o custo para ter essas folhas, é possível cultivar da maneira certa, e sabemos a procedência sobre de que forma elas foram colhidas”, disse.

Ele contou que o cultivo da horta nos terreiros ajuda também na passagem de conhecimentos. As crianças aprendem na prática a importância de cada planta e as funções de cada erva. Nesta quarta-feira, uma dezena delas se reuniu para participar do plantio da horta. Algumas com pás, outras cavando com as próprias mãos, mas todas animadas. Evilásio Bolças destacou a dificuldade para encontrar algumas espécies (Foto: Marcelo Gandra/ Secis) Hortas urbanas A titular da Secis, Edna França, contou que foram entregues 56 hortas desde que o programa começou, há cerca de dois anos. São 34 hortas comunitárias, 17 escolares, quatro em terreiros e um pomar. Ela disse também que a iniciativa de levar essa ação para os espaços de candomblé foi fruto de uma parceria com a Semur.

“O projeto Hortas de Folhas Sagradas faz parte do Programa Hortas Urbanas, da Secis. Começamos entregando hortas nas comunidades e nas escolas, até que surgiu a ideia de fazer isso também nos terreiros pela relação que eles têm com a natureza. Nessa primeira etapa foram sete hortas. Essa é a quarta. No ano passado, em virtude da pandemia tivemos que suspender a ação, não só nos terreiros, mas também nas escolas e nas comunidades. Esse já estava sendo concluído, então, estamos fazendo a entrega”, contou. Secretária Edna França (blusa amarela) participou do plantio (Foto: Marcelo Gandra/ Secis) A intenção é ampliar o projeto para outros terreiros depois que as próximas três unidades forem inauguradas. A seleção é feita através da Semur, e os técnicos da Secis realizam a montagem das hortas e oferecem treinamento, ensinando as pessoas que vão cuidar das plantas sobre as necessidades de cada erva. O local precisa ter ponto de água, e é oferecida assistência com insumos e ações de combate às pragas.

O projeto já está em operação em outros três terreiros na Avenida Aliomar Baleeiro, em Cajazeiras, e em Alto de Coutos. A horta do terreiro Jussara Kondire vai se juntar a Árvore Sagrada Caboclo Rei de Guiné, a principal estrutura do espaço, além de outras dezenas de plantas que são reverenciadas pelos fiéis. É o sagrado ganhando formas e cheiros diversos.

Confira dicas de como cuidar de uma horta:Escolha um local que seja ensolarado e iluminado a maior parte do dia para construir a horta; Evite espaços muito próximos de árvores porque as plantas disputam nutrientes; Escolha terrenos planos ou com pouca inclinação; Em dias de sol as plantas devem ser regadas duas vezes por dia; Priorize regar sempre entre às 5h às 9h, e entre 16h30 às 17h30; Em dias de chuva é preciso verificar se a terra está úmida. Caso sim, não é preciso regar; Se ligue! A terra precisa ficar úmida, e não encharcada, pegue leve com a água; Adube e sempre que possível revire a terra; Fique atendo às pragas, e faça um cercado para isolar as plantas dos animais domésticos e outros bichos; Dê distanciamento de um palmo entre uma muda e outra; Combine plantios. Exemplo, o cheiro do manjericão afugenta algumas pragas que acometem o tomate, como o primeiro cresce em forma de rama e o segundo cresce na vertical é possível alternar as duas mudas no mesmo canteiro. Pesquise sobre as especificidades de cada planta. Elas têm períodos específicos para serem colhidas e se passar do tempo a erva morre. Veja mais dicas listadas pela Secis;