Gil lamenta morte de Moa do Katendê: 'Devastadora onda de ódio'

Gil lembrou que Moa era um nome de destaque entre as comunidades populares

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  • Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2018 às 18:23

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução

O cantor Gilberto Gil usou seu Instagram para homenagear Moa do Katendê, artista e capoeirista morto depois de uma briga política em Salvador, na madrugada de segunda, no Engenho Velho de Brotas. Ele criticou o momento vivido pelo Brasil: "Torna-se uma das primeiras vítimas fatais dessa devastadora onda de ódio e intolerância que nos assalta nesses dias de hoje", escreveu o cantor. 

Gil lembrou que Moa era um nome de destaque entre as comunidades da cultura popular de Salvador e disse que espera que sua morte sirva para que o país encontre logo uma "pacificação". 

Leia o texto: 

"Mestre Moa do Katendê foi morto ontem, em Salvador, por um homem tomado de fúria assassina em meio a uma discussão sobre as eleições que acabavam de acontecer.

Com ele um sobrinho seu que se encontra num hospital em estado grave. Ele, homem de dedicada atuação entre as comunidades da cultura popular da cidade, foi o idealizador do bloco Afoxé Badauê que encantou os carnavais de rua da Bahia, alguns anos atrás. Torna-se uma das primeiras vítimas fatais dessa devastadora onda de ódio e intolerância que nos assalta nesses dias de hoje.

Nosso luto e nossa esperança de que a sua imolação não tenho sido em vão e que nos ajude a encontrar a pacificação logo ali adiante!" #GilbertoGil"

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Caetano Veloso também voltou a comentar o caso. O assassinato de #MoaDoKatende é um sinal de que a gente não deve seguir com força no caminho que as pessoas ilusoriamente pensam que é a superação, quando é atraso. É volta. É medo da responsabilidade e da civilização", diz ele em vídeo enviado ao jornal O Globo.

Intolerante Com 1,80 m de altura, voz firme, careca e de cavanhaque, o barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana, 36 anos, tinha se mudado do bairro do Nordeste de Amaralina para a localidade do Dique Pequeno, no Engenho Velho de Brotas, há cerca de dois meses.

Pai de dois filhos, foi morar em uma casa alugada ao lado da companheira, que já residia no bairro. Ele disse que não conhecia o homem que matou com 12 facadas pelas costas, o mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, o Moa de Katendê, após uma discussão política

A delegada Milena Calmon, do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), que investiga o crime, descreve o perfil do barbeiro como sendo de uma pessoa intolerante e agressiva. Por ser novo na região, nenhum morador mais velho o conhecia. Em depoimento à polícia, Paulo Sérgio disse que nunca tinha ouvido falar sobre o capoeirista que exercia forte influência cultural no bairro, promovendo atividades e sendo, inclusive, uma das principais lideranças do bloco de afoxé Badauê. 

Mas essa não foi a primeira vez que ele foi parar na delegacia. Depois de ser detido, a delegada Milena Calmon encontrou duas ocorrências envolvendo o nome do barbeiro. A primeira, de 2009, quando ele foi vítima de agressão por parte de quatro homens após uma discussão. De acordo com a delegada, à época, ele deu entrada no Hospital Geral Roberto Santos para cuidar de ferimentos. Não se sabe, no entanto, o motivo da briga, nem se ele teria provocado a confusão.

Já em 2014, o barbeiro foi acusado por um adolescente de 14 anos de ameaçá-lo com uma tesoura depois do menor pedir R$ 0,50. A vítima procurou a Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Criança e o Adolescente (Dercca) para formalizar a denúncia. Mesmo depois do caso ser registrado, Paulo Sérgio não foi preso. O registro, explica a delegada, não apresenta muitos detalhes sobre o caso.

“No registro temos apenas: o garoto de 14 anos teria sido vítima de agressão física e verbal por parte de Paulo Sérgio. O adolescente teria pedido a quantia de R$ 0,50 para completar o valor do corte de cabelo e que isso teria irritado o autor, que passou a agredir verbalmente. O mesmo teria quebrado o seu relógio dizendo ser uma ‘peça barata’ e que ainda teria colocado uma tesoura no seu pescoço. No entanto, não diz o local onde ocorreu”, explica Milena. 

Já sobre a morte de Moa, Paulo Sérgio disse para a polícia que, antes de cometer o crime, começou a beber os primeiros copos de cerveja durante a tarde, por volta das 15h, quando o cenário político do segundo turno ainda estava sendo decidido nas urnas. Mestre Moa estava em bar na localidade onde sempre viveu (Foto: Reprodução) A bebedeira foi até a noite, quando resolveu ir ao Bar do João, estabelecimento que fica nas proximidades do Dique do Tororó, no bairro de Engenho Velho de Brotas. Lá, em um determinado momento, já por volta da meia-noite, o barbeiro resolveu pôr em discussão com o dono do estabelecimento as propostas do candidato do PSL, Jair Bolsonaro, segundo testemunhas que estavam no local. 

De acordo com a delegada, o barbeiro argumentava com o dono do estabelecimento que era preciso haver mudanças no Brasil, quando o capoeirista interrompeu a conversa se mostrando contrário as suas ideais.“O que se sabe é que o crime tem relação política. A vítima teria se intrometido e, após uma rápida confusão, Paulo Sérgio foi em casa e retornou golpeando o capoeirista. Ele disse, em depoimento, que apoiava o candidato de direita”, conta Milena. Paulo Sérgio chegou por volta das 11h30 de segunda-feira (8) na sede do DHPP, no bairro da Pituba, ao lado de dois policiais. Ao avistar a presença da imprensa, cabisbaixo, tentou esconder o rosto utilizando uma das mãos ferida por uma faca tipo peixeira usada para cortar carne em sua casa. Barbeiro chega escoltado por policiais na sede do DHPP, na Pituba (Foto: Marina Silva/CORREIO) A mesma arma branca foi usada para desferir 12 golpes no Mestre Moa. Durante a sua apresentação à imprensa, o barbeiro negou as acusações. Disse não se lembrar de quantos golpes desferiu contra a vítima que, de acordo com a família, era eleitor e simpatizante do Partido dos Trabalhadores (PT).

Negou também que a motivação do crime tenha sido por política – entrando em contradição já que, durante interrogação policial, minutos antes de ser apresentado a jornalistas, ele confessou o verdadeiro motivo do homicídio à delegada.

“Eu estava conversando com o dono do bar sobre futebol quando esse senhor aí, o que veio a óbito, levantou e me chamou de negro e ‘viado’. O dono do bar viu e separou. Ele (dono do bar) viu tudo, outros (clientes) também. Já pedi desculpas à família e peço mais uma vez, momento nenhum foi a minha intenção (de matar). Me entreguei”, conta.

Ao chegar na sede do DHPP, além de apresentar a mão esquerda enfaixada com gases, o acusado estava sem camisa, vestindo um short - ainda ensanguentado - e calçando apenas uma única sandália. 

O dono do bar, conhecido como João, foi procurado pelo CORREIO. Ele mora logo em cima do estabelecimento, mas, abalado, resolveu não receber a imprensa. Ele foi intimado no final da manhã desta segunda a prestar depoimento na sede do DHPP. 

Fuga e apreensão Após esfaquear a vítima até morte, o barbeiro, durante a confusão, acabou esfaqueando também o primo do capoeirista. Germínio do Amor Divino Pereira, 51, foi atingido com um golpe de faca no braço direito. Ele foi socorrido para o Hospital Geral do Estado (HGE), onde passou por uma cirurgia. Ele não corre risco de morte, continua em observação e, segundo a família, sem previsão de ser ouvido pela polícia. 

Logo depois de matar o capoeirista, o barbeiro fugiu do local em direção à sua residência. Alguns moradores seguiram atrás dele, mas a polícia, minutos depois, conseguiu arrombar a sua casa, o prendendo dentro do banheiro. A arma utilizada no crime, no entanto, não foi localizada até a tarde desta segunda. "Quando chegou em casa ele contou para a companheira o que tinha feito, a socilitando trancar toda a casa", acrescenta Milena.

A polícia encaminhou o acusado para o HGE para cuidar de um corte na mão esquerda feito durante o momento em que utilizava a amar para matar a vítima. Na unidade de saúde, Paulo Sérgio disse ter tido a oportunidade de encontrar com os familiares das vítimas, a quem pediu desculpas pelos crimes.

Crime A delegada aponta o crime como sendo uma tentativa de homicídio (contra o primo) e um homicídio qualificado – quando a vítima não tem chances de defesa, quando há requinte de crueldade ou por motivo fútil.“Podemos classificar como (homicídio) qualificado, porque ele não deu chances de a vítima se defender. Eu entendo que, neste caso, foi por um motivo fútil, que já é uma qualificadora. A segunda (qualificadora) foi uma espécie de ‘traição’, dificultando a defesa. Sendo assim, duplamente qualificado”, explica. O suspeito foi encaminhado para audiência de custódia ainda ontem.