'Graças a Deus', diz secretário Maurício Barbosa após morte de Zé de Lessa

Titular da pasta de Segurança Pública afirmou que notícia "é um alívio"

Publicado em 4 de dezembro de 2019 às 12:27

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação/SSP

O secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, comentou a operação que terminou com a morte do traficante José Francisco Lumes, o Zé de Lessa, afirmando que "graças a Deus" a polícia do Mato Grosso do Sul o tirou de circulação. Zé de Lessa, que é apontado pela pasta como o bandido mais procurado do estado, foi morto pela Polícia Militar ao lado de outros três homens em uma chácara entre as cidades de Aral Moreira e Coronel Sapucaia.

"Estávamos há alguns anos trocando informações com a Polícia Federal e inclusive com a Polícia do Paraguai. Sabíamos que ele estava lá, trazendo droga para abastecer o BDM (Bonde do Maluco) aqui no nosso estado e que, por algumas oportunidades nós tivemos quase próximos de pegá-lo, mas graças a Deus a polícia do Mato Grosso do Sul nessa ação conseguiu tirar ele de circulação", celebrou Barbosa, em áudio enviado ao CORREIO.

Ele continua, dizendo que é um "alívio" saber da morte e que agora a polícia baiana vai verificar se há informações sobre a passagem de Zé da Lessa no MS que indique alguma nova criminalidade na Bahia. "Para nós é um alívio e agora é trabalhar em cima das informações que eles detém lá. Já pedimos para a inteligência (da SSP-BA)  averiguar o que tinha com ele, quem estava andando com ele para ver se tem a informação de prática de outros crimes aqui no estado", explica.

O secretário está na Aústria, onde participa de viagem institucional para compra de novos armamentos. 

Fundador e líder da facção criminosa Bonde do Maluco (BDM), de maior atuação na Bahia, ele era o ás de ouros do Baralho do Crime da SSP, um arquivo que reúne os principais criminosos do estado. A SSP-BA destacou que Zé de Lessa tinha envolvimento com ataques a bancos, assaltos a carros-forte, sequestro e tráfico de drogas. Ele estava escondido no Paraguai. Em 2018, ele quase foi preso, segundo a SSP-BA, mas fugiu.

Crime Zé de Lessa começou na vida do crime fazendo assalto a instituições financeiras. Foi preso algumas vezes e a última vez que saiu da prisão foi para terminar de cumprir a pena no regime domiciliar. Desde então, foi morar na cidade de Coronel Sapucaia, no Mato Grosso do Sul, divisa com o Paraguai, de onde começou a enviar carregamentos de drogas para abastecer sua quadrilha na Bahia.

Ele criou o BDM dentro da cadeia e logo sua facção passou a ganhar destaque. Tornou-se o principal rival da facção Katiara, comandada por Roceirinho, e passou a disputar pontos de droga com o rival. Ele tem entre seus principias comparsas alguns parentes. (Foto: Divulgação) Como surgiu Zé de Lessa Na caatinga sem palmeiras de Cafarnaum, no Centro-Norte do estado, nascem juremas, mandacarus, aroeiras e caroás. Foi em meio a essa paisagem do sertão – mais especificamente, entre os pouco mais de 2 mil habitantes do povoado de Recife, quase na fronteira do município – que despontou o homem tido como um dos maiores criminosos do estado. Nesse cenário improvável de tranquilidade, nasceu José Francisco Lumes, o Zé de Lessa. 

Se nem o nome, nem a alcunha pela qual ficou famoso, trazem nada à mente, talvez o “currículo” o faça: Zé de Lessa é o Ás de Ouro do Baralho do Crime da Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), que indica os foragidos mais perigosos do estado. Segundo a polícia, ele liderava o Bonde do Maluco (BDM), considerada hoje a facção mais truculenta do estado.

Em novembro do ano passado, uma quadrilha roubou R$ 100 milhões em um banco em Bacabal, no Maranhão. Quem teria comandado o assalto foi o próprio Zé de Lessa, segundo a Secretaria da Segurança Pública do Maranhão (SSP-MA). No entanto, ele estaria bem longe do Nordeste: os indícios são de que ele tenha ordenado o crime do Paraguai. Mas o irmão dele, Edielson Francisco Lumes, estava e foi morto pela polícia maranhense, após um confronto na mesma noite. No Maranhão, era Edielson, o Dó, o responsável por repassar as ordens de Zé de Lessa, direto de outro país, aos cerca de 30 homens da quadrilha. 

Enquanto isso, o grande líder do BDM permaneceu foragido desde 2014, quando a facção sequer existia como hoje. Na ocasião, ele conseguiu autorização judicial para fazer uma cirurgia, após o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-BA) ter concedido prisão domiciliar. Zé de Lessa nunca fez a cirurgia, nem voltou para a prisão. 

Seu perfil, porém, não chama tanta atenção quanto seu alcance.“É um cara bem tranquilo de conversa, não demonstra ser uma pessoa violenta. É bem articulado e, hoje, quem bota armas todas na Bahia é ele. Essas armas todas vindo do Paraguai, ele manda em caminhão de carga”, contou uma fonte ligada à polícia ao CORREIO no ano passado Saída da prisão Ninguém sabe, ao certo, quando José Francisco Lumes virou Zé de Lessa. A alcunha, para o delegado Fábio Marques, da Polícia Federal, em entrevista ao CORREIO em dezembro do ano passado, pode estar ligada a um possível apelido do pai de Zé de Lessa - Idalécio, o genitor, seria o Lessa. "Geralmente, o apelido é relacionado ao pai, principalmente com o pessoal do interior", explica o delegado, que investiga o BDM. Um exemplo desse tipo de apelido, segundo ele, é o de Paulo de Magnólia, alcunha de Paulo Pereira Amorim, preso em 2015 e acusado de assalto a banco em quatro estados. 

Se, um dia, Zé de Lessa teve algum ofício legal ou estudou formalmente, é uma incógnita. Seu início no crime é atribuído a roubos a instituições financeiras. Em 2015, o delegado Jorge Figueiredo chegou a dizer que ele era o maior assaltante de bancos e carros-fortes da Bahia. Seus cinco processos encontrados pelo CORREIO, em 2018, na busca do TJ-BA, todavia, são relacionados a drogas. Nos processos, a quadrilha comandada por ele é descrita como de "extrema periculosidade".  Um dos processos em que José Francisco Lumes é citado, de 2015, descreve a quadrilha dele como de "extrema periculosidade" (Foto: Reprodução) Por tráfico, Zé de Lessa foi preso provisoriamente em 28 de março de 2001, na Penitenciária Lemos de Brito (PLB). Em janeiro de 2002, foi condenado a cinco anos de prisão pela 1ª Vara de Tóxicos. Em 2005, teve progressão de pena para o regime semiaberto, mas já em fevereiro daquele ano, fugiu da prisão. Meses depois, em outubro, foi preso em flagrante. Passou pela Unidade Especial Disciplinar (UED) e, mais tarde, pela mesma PLB. Em novembro de 2006, recebeu outra condenação – dessa vez, por porte de arma.  Um dos processos afirma que Zé de Lessa atuava de dentro do presídio (Foto: Reprodução) Passou por Lauro de Freitas, voltou a Salvador. Foram anos de idas e vindas entre as unidades prisionais da Região Metropolitana (RMS), com notícia de faltas disciplinares enquanto estava na UED. Em 2013 e em 2014, de acordo com o Ministério Público do Estado (MP-BA), foram encontrados, no presídio, materiais ilícitos atribuídos a ele: eram dispositivos de comunicação, como chips e telefones celulares. 

Naquele mesmo ano de 2014, Zé de Lessa sofreu uma tentativa de homicídio na prisão. “Ele sofreu várias pauladas. Vários presos tentaram matá-lo lá dentro, exatamente porque tinha essa questão de liderança dele, pela representatividade”, lembrou ao CORREIO, em 2018, o promotor Pedro Araújo Castro, titular da 2ª Vara de Execuções Penais desde 2013. 

É justamente em 2014 que ocorre o episódio mais controverso da trajetória de Zé de Lessa com a Justiça: em 15 de julho daquele ano, o desembargador Aliomar Silva Britto autorizou que ele tivesse prisão convertida em prisão domiciliar.

Na decisão, o desembargador cita que a defesa do então detento explica que Zé de Lessa estava com “uma doença degenerativa, necessitando urgentemente de realizar uma cirurgia, sob pena do seu membro superior esquerdo, o qual se encontra atrofiado, ficar com degradação irreversível”. Pelo estado de saúde dele, o advogado Paulo César Pires alegou que havia necessidade de tratamento urgente para solução da enfermidade. 

Com base em princípios como da dignidade humana, o desembargador afirma que o requerimento para realizar uma cirurgia vem sido feito “há muito tempo” e não havia nenhuma solução até o momento.  A decisão do desembargador Aliomar Britto concedeu prisão domiciliar a Zé de Lessa (Foto: Reprodução) Ele conclui que o presídio não tinha as condições necessárias para prestar assistência ao estado de Zé de Lessa e que não seria “de bom alvitre” que um paciente com quadro de saúde grave ficasse a mercê da própria sorte. Mesmo tendo decidido em favor da defesa, o desembargador avisa que não se deve “descuidar do alto grau de periculosidade” do preso. 

Mão atrofiada O advogado que defendia Zé de Lessa na ocasião, Paulo César Pires, confirmou que ele não fez a cirurgia, nem obedeceu ao acompanhamento instituído pela 2ª Vara de Execuções Penais. Após ter sido solto, nunca mais voltou. Pires também explicou ao CORREIO em 2018 que, desde então, não tem notícias do ex-cliente. Só fora seu advogado nesse período e, logo após a decisão do TJ-BA, nunca mais foi procurado. 

Segundo ele, só sabe de Zé de Lessa através das notícias que saem nos jornais. Mesmo assim, garante que o antigo cliente precisava da cirurgia. O problema, na verdade, não seria causado por uma doença degenerativa, mas por um erro médico. O advogado explicou que, quando Lessa fora preso pela última vez, sofreu um acidente de carro. O veículo virou e caiu por cima da mão esquerda dele. “Tratando-se de assaltante, os médicos não fizeram um trabalho bom na mão dele. Ficou com a mão defeituosa e aquilo impossibilitava de fazer algumas coisas básicas da vida. Com o passar do tempo, aquilo atrofia pela falta de uso”, disse. Ao processo, anexou fotos e laudos médicos que atestavam a gravidade do problema. Nas palavras de Pires, o problema era visível, principalmente porque um osso ficara proeminente. A cirurgia corretiva envolveria a colocação de pinos que sequer existiam na Bahia; tinham que ser trazidos de São Paulo. Após o procedimento, deveria fazer fisioterapia diária por um mês. 

Durante mais de 12 anos, até receber a conversão da prisão, Zé de Lessa usou uma tipoia. Vivia com a mão torta, retorcida. Se a família tinha condições de bancar o cirurgião ortopédico, argumenta o advogado, ele deveria poder fazer a cirurgia. 

“Tinha que cortar o osso, colocar o punho no ângulo correto e, depois, ser submetido à fisioterapia para melhorar a condição de vida dele. O preso está preso, mas existe o princípio da dignidade humana e o sistema não dava esse tratamento”, afirmou, citando a fila na regulação da rede estadual de saúde. 

Foram quase oito meses para conseguir tirar Zé de Lessa da prisão. “Um trabalho danado” para soltar um dos chamados ‘cabeças caras’ do crime baiano, completou Pires. E, em todo esse tempo, diz nunca ter visto o ex-cliente levantar a voz. Sempre falando baixo. Tido como uma pessoa extremamente educada e calma. 

“Ele é de uma família grande por ali de Irecê. São meio alourados. Todos eles são calmos, inclusive, Dó (Edielson) era”. Antes de virar advogado de Zé de Lessa, Pires tirou Edielson do presídio em duas ocasiões. 

Sem tornozeleira De acordo com o promotor Pedro Castro, a situação de saúde de Lessa demandava assistência do sistema e estava sendo acompanhada. No entanto, segundo o promotor, tinha sido compreendido na época – inclusive, pela juíza que era titular da 2ª Vara de Execuções Penais na ocasião, Andremara dos Santos – que, ainda que existisse a necessidade de intervenção médica, a saída da prisão não era justificada. 

“Inclusive, ele denotava interesse e aptidão para o trabalho (que desenvolvia na prisão)”, disse o promotor, que não soube especificar qual era a função cumprida por Zé de Lessa no cárcere. Por isso, a 2ª Vara indeferiu o pedido de prisão domiciliar em 13 de maio de 2014. 

No dia 10 de julho, Zé de Lessa prestou depoimento sobre a denúncia dos celulares e chips encontrados ilicitamente com ele. Nesse dia, ele declarou estar “bem de saúde”.

Cinco dias depois, porém, veio a decisão do desembargador. Diante disso, o MP encaminhou ao relator uma cópia do termo da audiência do dia 10 de julho, em que Lessa dizia estar bem de saúde. Além disso, o promotor advertiu que a Bahia não tinha tornozeleiras eletrônicas para monitoramento de presos. Os primeiros 50 equipamentos – de um lote de 300 adquirido através de licitação – só ficaram disponíveis para o estado em 2017. 

Mesmo ciente da falta de tornozeleira, o promotor Pedro Castro solicitou que, quando houvesse o equipamento, Zé de Lessa tivesse prioridade para receber. “Foi ouvida uma pessoa que se apresentou como companheira dele, que indicou o endereço onde ia fixar residência, mas, como prevíamos, ele jamais compareceu – seja no serviço médico da vara, onde deveria apresentar relatórios médicos, seja na central médica”. Na época, a esposa de Lessa morava em Itapuã.

Depois de Zé de Lessa ter sido procurado por um oficial de justiça em dias distintos e não ter sido encontrado, a prisão domiciliar foi revogada. Desde outubro de 2014, Lessa tem mandado de prisão em aberto. “Tudo que podia ser feito pelo MP foi feito. Nós sabíamos da periculosidade dele, por isso, agreguei pedidos de condições para que (a prisão domiciliar) fosse acompanhada da forma mais criteriosa possível, embora nós discordássemos da decisão”. Nem o promotor, nem o advogado souberam dizer quem era o médico que emitiu o laudo sobre a necessidade de cirurgia. O advogado Paulo César Pires, porém, informou que o profissional fora contratado pela família de Lessa. 

O CORREIO procurou também a juíza Andremara dos Santos, que em 2018 era juíza auxiliar do Supremo Tribunal Federal (STF), para falar sobre Zé de Lessa. Ela explicou que não dá entrevistas sobre processos julgados. 

Sequestradores O delegado Cleandro Pimenta, do Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco), prendeu Zé de Lessa em uma dessas vezes, entre 2004 e 2005. Na ocasião, o delegado estava à frente do Centro de Operações Especiais (COE) da Polícia Civil, e o encontrou na BR-324, nas proximidades de Candeias. Zé de Lessa estava acompanhado do irmão, Edielson, e de outra pessoa. 

“A gente conseguiu pegar ele, com uma certa quantidade de cocaína. Ele estava com uma casa alugada em Stella Maris”, lembrou, em 2018, ao CORREIO. Lumes não era tão grande quanto é hoje. Mas, diz o delegado, sempre foi traficante e assaltante. Depois, se ligou ao Primeiro Comando da Capital (PCC), facção de São Paulo, e virou o líder do BDM. 

Na família, não são apenas os irmãos, primos e sobrinhos que ganharam sua confiança. O principal sequestrador da Bahia hoje, segundo Pimenta, é justamente o cunhado de Zé de Lessa. Franklin Costa Araújo, preso em setembro de 2016, no município de América Dourada (também na região de Irecê), é casado com a irmã dele. 

No passado, Franklin trabalhou como segurança no Banco do Brasil. Como funcionário, passou a acompanhar a rotina da instituição financeira e começou a assaltar bancos. “Todo mundo vive do crime. O poder dele (Zé de Lessa) vem do tráfico. É muito dinheiro. Sempre movimentou ali a região de Irecê, Mulungu do Morro, com muito assalto a banco, sequestro. Eles ganharam muito dinheiro com sequestro”, diz Pimenta.