Grupo Boticário visita cooperativa em São Caetano onde looks do Afro Fashion Day foram criados

Costureiras e artesãs da Cooperativa Constelação das Artes participaram do projeto ao lado de cinco estilistas

  • Foto do(a) author(a) Carolina Cerqueira
  • Carolina Cerqueira

Publicado em 22 de novembro de 2021 às 08:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva

A troca de experiências foi o que moveu o encontro desta sexta-feira (19) entre representantes do Grupo Boticário e costureiras e artesãs da comunidade de São Caetano, em Salvador. Numa sala cedida pelo convento São José, numa ruazinha no fim de linha do bairro, fica a sede da Cooperativa Constelação das Artes, onde seis looks da edição de 2021 do Afro Fashion Day (AFD) ganharam vida a partir de 150 peças de uniformes já doados por funcionários do Grupo Boticário, uma das empresas patrocinadoras do desfile. 

Logo na entrada da sala, vestidos, saídas de praia, tapetes, bolsas e enfeites ficam em exposição para venda. Mais adiante, estão as bancadas improvisadas que comportam as máquinas de costura e as diversas caixas com materiais como linha, tecido, tesoura e fita métrica. As costureiras e artesãs foram logo tomando seus assentos de costume enquanto os funcionários do Grupo Boticário se ambientavam no espaço e exploravam os diversos tipos de máquinas. 

O diretor industrial da fábrica de Camaçari do Grupo Boticário, Felipe Magaldi, ficou emocionado ao lembrar da infância, quando sua mãe foi costureira. “A ideia de vir até aqui é justamente essa, buscar inspiração, estar presente e se envolver de fato num projeto que estamos patrocinando. Ou seja, de onde vem a inspiração dos looks? Quem são as pessoas que colocam a mão na massa? Qual é a realidade delas?”, comentou. 

Os estilistas do desfile Lourrani Baas, Filipe Dias e Fagner Bispo explicaram de onde surgiram as ideias dos looks. Trabalhando no Afro há cinco edições, Filipe criou dois looks a partir da técnica de patchwork, inspirado no movimento  Black Power. Lourrani, que já esteve na passarela como modelo e estreou este ano como estilista do AFD, também criou dois looks, mas inspirada na sustentabilidade e protagonismo feminino. Os dois conceitos estão presentes no seu projeto Liga Transforma, que conectou a Cooperativa Constelação das Artes ao Afro Fashion Day.

A Liga busca aproveitar materiais que seriam descartados para dar uma nova vida. Nos processos de arrecadação, uma parte é destinada à Constelação, que é apoiada pela Liga. “Minha missão é fazer captação de retalhos de tecido, peças usadas e com avaria para produzir design sustentável através de talentos como o dessas mulheres da cooperativa. Unindo fashion designers e estilistas com o trabalho dessas mulheres a gente consegue produtos sustentáveis e com um valor agregado que vai gerar renda para elas”, disse. 

Durante a visita, os representantes da empresa demonstraram interesse em contribuir com a ampliação do espaço da cooperativa e com ações que envolvam toda a comunidade de São Caetano. As ideias partiram de Doranei Alves, coordenadora do Instituto Comunitário Princesa Anastácia, parceiro da Constelação das Artes. 

“Temos meninas aqui que adoram maquiagem, mas não têm um certificado, não têm material, sem falar que produtos e tutoriais para pele negra são difíceis de encontrar. Também temos meninas e meninos apaixonados por moda que adorariam conhecer mais da área e ter seus talentos reconhecidos. Com tudo isso, a gente pode gerar emprego e renda aqui no bairro”, colocou. 

A criação dos looks

As peças de uniformes que chegaram à cooperativa foram das mais variadas: pares de sapatos, camisas de diversas cores, alguns blazers, além de calças do tipo sarja e oxford. Os trabalhos na oficina duraram dois dias: 13 e 14 de outubro. Cinco estilistas do Afro (Lourrani Bass, Gefferson Vila Nova, Sillas Filgueira, Filipe Dias e Fagner Bispo) e cinco costureiras e artesãs da cooperativa participaram do trabalho.

A artesã Joselita da Silva, de 65 anos, trabalha com retalhos e pintura em tecido na oficina. “Eu nunca tinha feito peças para um desfile, foi muito legal. Os estilistas foram orientando a gente, trocando ideia e aí as peças foram surgindo. E foi muito trabalho, a mão ficou até doendo de tanto cortar tecido. Mas ver as peças prontas fez tudo valer a pena, ficaram muito lindas. Espero que venham outras oportunidades desse tipo”, contou. 

A parceria teve como base o chamado “upcycling”, prática de reaproveitar materiais já existentes, como tecidos, aviamentos e roupas. A artesã Jailma dos Santos, de 52 anos, se surpreendeu ao ver o resultado final dos looks. “Foi incrível. Eu nunca tinha visto as roupas serem utilizadas daquela forma, nunca imaginei que camisas e calças de uniformes pudessem virar aquelas peças lindas que a gente vê nas passarelas de moda. Estou muito feliz de ter participado, ajudado e aprendido bastante também”, afirmou. 

Jailma participa da cooperativa há somente dois meses e destacou a importância do projeto na sua vida. “Eu vendia empadas, mas tomei uma queda há três meses e estou de muleta até hoje. Aí fiquei sem renda nenhuma e ainda em processo de depressão. Vim parar na oficina através de minha irmã e foi muito importante para mim essa interação com as meninas, poder conversar, me sentir útil, aprender e ainda transformar isso em renda no momento que eu mais precisava”.

Hoje ela acumula conhecimento a cada dia e já recebe encomendas das peças que faz. “Os sacos plásticos de mercado estão com os dias contados, né? Então eu faço sacolas grandes, com retalhos de pano aqui da oficina. Ficam muito lindas, o pessoal está gostando e é bom que eu consigo um dinheiro”, contou. 

A coordenadora da Cooperativa Constelação das Artes, Estela Maria Conceição, de 60 anos, diz que Jailma não é o único caso de geração de renda. Ela mesma tira sua renda das vendas da Constelação das Artes, de pé há cerca de 8 anos. “Esse trabalho é muito importante para mim e, claro, para as meninas que participam e para a comunidade inteira de uma forma ou de outra. Não temos só a geração de renda, mas a interação, a autoestima, o acolhimento. E muitas saem daqui com emprego, tem gente que volta para agradecer, é muito legal”, destacou. 

Esse é o princípio dos conceitos Economia Criativa e Economia Sustentável, que podem andar lado a lado, como no caso da Constelação das Artes, conforme explica a  subcoordenadora da In Pacto, Incubadora de Negócios Sociais do Parque Social, Taíse Santos. Em resumo, a Economia Criativa é uma maneira de criar um produto ou serviço, sempre com um valor simbólico embutido, servindo como uma ferramenta para o desenvolvimento econômico e social. Já a economia circular visa a gestão mais eficiente dos recursos, colocando em prática o desenvolvimento sustentável. 

“Esses conceitos vêm ganhando cada vez mais atenção e criando forte conexão com a responsabilidade social. É, basicamente, a união entre produção sustentável e geração de renda para quem mais precisa. A reciclagem é um grande exemplo disso”, destacou Taíse Santos. 

Segundo o diretor industrial da fábrica de Camaçari do Grupo Boticário, Felipe Magaldi, a ideia é fazer essa doação de uniformes de maneira sistêmica de agora em diante, tanto para a Constelação das Artes quanto para outras iniciativas. “Os funcionários estão sempre renovando os uniformes, que têm uma vida útil de cerca de seis meses, e é importante pensar no destino deles. Fazer um processo de doação como esse é uma forma de promover uma economia circular, de ter um uso nobre desse resíduo, que acaba dando vida à arte e à beleza e gerando emprego e renda”, afirmou. 

O Afro Fashion Day 

A ideia do Afro Fashion Day surgiu há seis anos, fruto da imaginação do então diretor-executivo do Jornal CORREIO, Sérgio Costa, falecido em março de 2016. O casting do AFD é composto inteiramente por pretas e pretos. Em 2021, o Black Power será o tema da sétima edição do Afro Fashion Day, que sempre leva uma narrativa como elemento central para orientar os criadores.

O evento deste ano foi apresentado ao público em formato “online”, por conta das restrições impostas pela pandemia, neste sábado (20), às 18h, através dos perfis do jornal CORREIO no Instagram (@ correio24horas) e Youtube (/ Correio24hBahia). Gravada na Estação Campo da Pólvora da CRR Metrô Bahia, uma produção envolveu 47 modelos e 34 marcas, sendo cinco delas inéditas no desfile.

O Afro Fashion Day é um projeto do Jornal CORREIO com o patrocínio do Grupo Boticário e Hapvida, e apoio Institucional da Prefeitura Municipal de Salvador, Sebrae e apoio do Shopping Barra, Laboratório CLAB, CCR Metrô, Clube Melissa e Vizzano.  

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo