Guia sincero para 2021: especialistas imaginam o futuro possível no novo ano

Avanço da 2ª onda da covid, fim do auxílio e desemprego. Projeções não são boas para o primeiro semestre, mas ainda há esperança: a vacina

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 26 de dezembro de 2020 às 11:00

- Atualizado há um ano

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A virada no calendário é costumeiramente celebrada com aquela esperança de que tudo pode mudar. A forte crença brasileira na clássica frase “Ano Novo, vida nova”, no entanto, pode ser colocada em dúvida em 2021. Justo por causa das festas de fim de ano, do verão,  e das incertezas econômicas, este ano que se aproxima não tem projeções lá tão agradáveis, mas nem tudo está perdido. A vacina é a esperança e muito ainda pode ser feito e repensado para o controle da pandemia.

No entanto, se a vacina contra a covid-19 não chegar e não houver manutenção de hábitos de proteção, boa parte do novo ano pode ser bastante parecida com 2020. Para imaginar esse futuro possível, o CORREIO conversou com especialistas e cientistas que ajudaram a pensar o cenário vindouro.

O que se sabe, com maior grau de certeza, é que a forma como entraremos neste novo ano será diretamente determinada pelo comportamento da população em relação às festas de Natal e Réveillon. O resultado dos prováveis encontros será medido a partir de janeiro e pode revelar novamente aumento de casos e óbitos.

Professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a epidemiologista Ethel Maciel, diz que, para que tenhamos um ano verdadeiramente diferente, as celebrações precisam ser evitadas e adaptadas. “O início do ano vai depender das nossas ações e, dependendo do que acontecer, a gente vai ter um janeiro muito difícil. É bom lembrar que o que estamos vivendo agora é um reflexo das eleições. Não é que a gente vai deixar de celebrar, mas precisamos fazer isso de uma nova forma. O ideal é celebrar com quem já mora com a gente, sem expandir, ficar só no nosso núcleo mesmo”, observa ela.Na visão do presidente do comitê científico do Consórcio Nordeste, o neurocientista Miguel Nicolelis, a tendência é que 2021 seja um “ano de sobrevivência”. Ele considera urgente a retomada do uso de máscaras e diz que é preciso ainda intensificar a higiene de mãos e objetos, além de praticar de novo o distanciamento social, medidas que o brasileiro relaxou. 

“Essa é a meta zero para o ano”, aconselha. “Na minha infância, tinha uma frase no Brasil que dizia assim: ‘Quem ama, não bebe’. Era uma campanha para evitar acidentes de trânsito e violência doméstica. Neste momento, a frase é: ‘Quem ama, não festeja’. Isso é uma prioridade porque a situação da vacinação no Brasil é completamente nebulosa”, comenta.

1. Saúde: Afinal, a vacina vem ou não vem?   Se a vacina finalmente for aprovada neste começo de ano, a perspectiva é que somente os profissionais da saúde e pessoas idosas conseguirão ser vacinadas no 1º semestre, e isto considerando um cenário super otimista, aponta a epidemiologista Ethel Maciel. Como o Brasil apostou em uma vacina favorita, a da Universidade de Oxford (AstraZeneca), e o imunizante acabou tendo atraso nos resultados, é incerto quando ela estará disponível. Além do mais, o país sequer comprou seringas suficientes.  Enquanto isso, nações como Rússia, Reino Unido, Estados Unidos, Canadá,  Sérvia, Chile, México e Costa Rica já começaram a aplicar a vacina BioNTech, da Pfizer. Argentina inicia nesta semana - com a Sputnik V, russa,  e a da Pfizer.  A agência de notícias Bloomberg reportou que 40 países já possuem encomendas para imunizar toda a população. Por enquanto, o Brasil não está na lista. O país tem contratos que cobrem apenas 65% dos cidadãos.

2. Imunizante não dispensa as medidas de proteção  Independente de a vacina vir a ser uma realidade, ainda levará um bom tempo até que ela seja distribuída e aplicada numa parcela significativa capaz de gerar imunidade coletiva para tirar o vírus de circulação. Resumindo: Não vai devolver a normalidade de imediato. O médico infectologista Roberto Badaró, pesquisador-chefe do Instituto de Tecnologia em Saúde do Senai Cimatec,  explica que a vacinação ficará marcada como uma intervenção direta no problema. Se ela for garantida logo, e a população mantiver as medidas alternativas de proteção, será possível segurar a segunda onda. Pelo menos 80% da população do país terá de ser vacinada para combater a circulação da covid-19, segundo afirma Ceuci Nunes, diretora médica do Instituto Couto Maia, hospital referência na doença na Bahia. O governo estadual comprou ultrarrefrigeradores que chegam a até -80° C para o futuro armazenamento de vacinas (Pfizer e Moderna). Em Salvador, a prefeitura já comprou quatro deles. De acordo com a prefeitura da capital, quando o imunizante estiver disponível, será possível vacinar quase 70 mil pessoas por dia. Cerca de 16 milhões de agulhas e seringas foram adquiridas pelo estado. Também estão sendo comprados 50 mil testes rápidos com precisão similar ao do RT-PCR para ajudar a identificar casos mais rapidamente e baixar a disseminação. 

3. Economia: Vai ter emprego? E as empresas?  A vacina é tida como a tábua da salvação também no processo de recuperação da economia. Apesar dos anúncios de que a vacina pode vir, grandes incertezas rondam o novo ano. O economista Gustavo Casseb Pessoti, vice-presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia, diz que, por enquanto, espera-se um aumento do PIB brasileiro, mas, por outro lado, haverá baixo consumo das famílias, governo endividado, piora no mercado de trabalho e investimentos paralisados. O setor econômico não espera que aconteçam medidas drásticas, como o lockdown. 

4. Auxílio emergencial Com o fim do auxílio-emergencial, consequentemente as famílias vão gastar menos e haverá tendência de agravamento do desemprego, já que os beneficiários não são computados como desempregados. 

A economista Juliana Inhasz, professora do Insper, também aposta que o começo do ano não será animador. Para ela, o andamento dependerá bastante de ter ou não uma vacina. O cenário pessimista aponta que, se o imunizante não for aprovado, ou não tiver eficácia, isso tende a piorar as expectativas dentro do Brasil. 

“É mais um ano de isolamento, pessoas doentes, insegurança, o que pode fazer com que a gente tenha um 2021 sendo a parte B de 2020. Esse cenário não é tão provável porque, aparentemente, as vacinas estão dando certo e caminhando para termos um desfecho melhor no fim do ano que vem, mas ainda é uma incógnita”, completa ela. Juliana Inhasz acrescenta que se houver geração de postos de trabalho, é bem provável que eles sejam informais porque os empregadores, incertos sobre o progresso da economia, ainda estão receosos de se comprometer com contratos.

5. Política deprime o Brasil  Para a também economista Camila Abdelmalak, chefe da Veedha Investimentos, a solução para essas questões incertas passa pela recuperação do equilíbrio  no cenário político. Ela aponta que muitos assuntos que tocam o futuro do país estão sem solução na mesa do Congresso Nacional -  em preparação para as eleições aos cargos de presidência. “Até fevereiro, a gente deve se manter em instabilidade política. É difícil ver uma melhora até concluir as sucessões no congresso, entender quem vai assumir, qual o perfil, se vai estar alinhado com o governo ou não.  Infelizmente, o ambiente político acaba deprimindo a atividade econômica”.

6. Saúde mental  Estas projeções ruins e a experiência direta de viver esse ano continuarão gerando efeitos prejudiciais na saúde mental da população. Presidente do Conselho Regional de Psicologia da Bahia (CRP-BA), o psicólogo sanitarista Renan Vieira Rocha atenta que as confusões nas medidas federais amargam a realidade brasileira. A falta de seriedade e assertividade nos discursos sobre a covid-19 desencadeiam ao menos dois movimentos comportamentais nas pessoas: desleixo e medo. O psicólogo acredita que a grande resolução para o ano será a sobrevivência, e não apenas a individual, mas a sobrevivência simbólica enquanto civilização, como um conjunto de pessoas que acreditam que poderão viver um período melhor frente a realidade do país. Para Rocha, se há uma meta que a sociedade deveria se comprometer neste novo ano é olhar para as desigualdades sociais evidenciadas pela covid-19 e se engajar para tornar a civilização mais igualitária. Só isso possibilitaria uma vida melhor, de fato.7. Educação: Volta às aulas? Diretora executiva do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), Cláudia Santa Rosa comenta que há ainda alguns dilemas sobre o retorno das escolas, com resistência de parte dos próprios professores e demais funcionários da rede de ensino, mas considera que  já é insustentável a paralisação das atividades de educação e projeta a volta no começo de 2021,  adotando o ensino híbrido —  remoto e presencial. A categoria está focada em ter certeza absoluta de que será incluída na prioridade no plano nacional de vacinação.

8. O que mais pode acontecer? Médica sanitarista e coordenadora do Centro de Operações de Emergência da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), Izabel Marcílio diz que neste  novo ano o uso de máscara e a prática do distanciamento social ainda serão as melhores respostas no combate ao vírus. Medidas mais drásticas, como lockdown e fechamento de comércio, não estão descartadas, mas não têm sido cogitadas pelas autoridades baianas. 

“Se a população seguir as recomendações, não vamos precisar dessas medidas punitivas. Mas, se tiver um colapso do sistema de saúde, elas serão necessárias. Essas medidas estão no horizonte, mas não queremos chegar a isso. O que não se pode deixar acontecer, por exemplo, é ter pessoas morrendo em filas de UTI”. As perspectivas andam mais ruins porque o verão será um momento de calor e circulação de pessoas. 

A preocupação é que o clima quente torne mais desconfortável e difícil a adesão ao uso de máscara. “O verão vai ser o próximo fenômeno que vai pegar de novo todo o país”, adianta ela. É provável que as praias do Nordeste sejam a escolha de turistas do Sul e Sudeste, que não vão poder fazer viagens internacionais.  

Para Miguel Nicolelis, aumentar a testagem no país é uma das saídas e, se isso não for feito, pode haver um novo drama neste segundo pico da pandemia. Com testes em massa, será mais fácil controlar as pessoas que tiveram contato com casos confirmados. Aliado a isso, Nicolelis pensa que as autoridades deveriam aproveitar melhor a Medicina da Família, com equipes sendo usadas para uma busca ativa de casos nas residências.

Com esse movimento de descrença e relaxamento das pessoas, o neurocientista defende ainda que deveriam ser montadas campanhas nacionais de comunicação de massa sobre a importância da vacina e educação para distanciamento social.

“Não tivemos nenhuma para explicar em detalhes, para inculcar nas pessoas. Tinha que ter isso de maneira massiva, bombardeada em todos os meios, antes de novela e futebol, na internet, no rádio, ação com influenciadores digitais. As pessoas só vão se dar conta da importância quando houver informação disseminada em grande escala”, conclui. 

8 FATOS PROJETADOS PARA O COMEÇO DE 2021:Novos prefeitos eleitos assumem as cidades a partir de 1º de janeiro Fim do auxílio-emergencial com consequente agravamento do desemprego Alta de casos e óbitos por covid-19 em função das festas de fim de ano e verão Baixo consumo das famílias devido à menor circulação de dinheiro Governos endividados por baixa arrecadação e altos gastos Investimentos paralisados por desconfiança no cenário político e econômico do país Provável chegada da vacina contra o coronavírus Votação de cargos à presidência no Congresso Nacional, o que pode definir novos rumos na política Atitudes individuais para salvar 2021:Evitar celebrações Retomar hábitos de proteção urgentemente: uso de máscaras, higiene das mãos e objetos, distanciamento social Fortalecer discurso em favor da vacina Não compartilhar informações falsas Evitar cumprimentar as pessoas com beijo no rosto e aperto de mão