Há um ano esperando por cirurgia, pacientes lidam com dor e ansiedade

Conheça histórias de pessoas que buscaram até terapia para conseguir lidar com a espera

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  • Marcela Vilar

Publicado em 25 de março de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

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A contadora aposentada Iraildes Brasil, 54 anos, tem dores no quadril desde os seus 20 anos de idade, quando descobriu que tinha artrose total na região. Pela pouca idade, os médicos não recomendavam que ela fizesse cirurgia, já que a prótese do quadril tem uma durabilidade de cerca de 25 anos. O recomendado para o procedimento é a partir dos 60 anos. Em dezembro de 2019, mesmo fora da faixa etária aconselhada, ela tomou a decisão de se operar. Fez os exames pré-operatórios, preparou o psicológico e, quando finalmente pensou que iria resolver o problema, veio a pandemia no novo coronavírus e fez com a cirurgia fosse adiada.  

Com a alta de taxa de ocupação dos leitos Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), principalmente por pacientes com covid-19, a realização de cirurgias não emergenciais ficou suspensa em Salvador e em toda a Bahia. Na capital baiana, pelo menos 200 cirurgias por dia deixaram de ser feitas, segundo o presidente da Associação de Hospitais e Serviços de Saúde da Bahia (AHSEB), Mauro Adan – isso só nos hospitais privados. Ainda em 2020, quando o número de casos diminuiu, ela tentou novamente em novembro. Quando iniciou novamente os exames, os casos voltaram a subir em dezembro e impediram, pela segunda vez, que Iraildes se operasse.   Itaildes aguarda para fazer cirurgia no quadril (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Enquanto isso, ela continua com as dores no quadril, ainda mais agora, que as atividades domésticas aumentaram em casa. “Isso dificulta muito na minha modalidade, sinto muitas dores e um incômodo total até para os afazeres domésticos. Atividade física só posso na água, porque tem menos impacto, faço acupuntura para amenizar a dor e tomo medicação, porque a dor é direto, e, se eu faço esforço, piora”, relata a contadora.  

A próxima estimativa que o médico deu foi no dia 15 de abril, se crise sanitária estiver mais controlada na cidade. “Mas pelo que estamos vendo, não vejo perspectiva, porque os números não estão diminuindo. Então estou aguardando chegar abril, porque o Hospital São Rafael não está liberando leitos para cirurgia eletivas”, diz Brasil, já sem muitas esperanças. Pelo porte da cirurgia, ela teria que ficar um dia na UTI e cerca de cinco a sete dias na enfermaria, sob observação. O sentimento que fica, agora, é de muita ansiedade. “É muita ansiedade, tenho ido para terapia para poder tentar contornar porque estar com esse problema de saúde e ainda com todo esse problema da pandemia, o estado emocional fica super abalado, é uma situação horrível”, desabafa. A expectativa realista que ela tem é que em junho possa ter resolvido a situação.  

A doméstica Patrícia Pires, 43 anos, moradora do bairro de Cajazeiras, em Salvador, também espera há mais de um ano para realizar a cirurgia no intestino. O drama começou em fevereiro de 2020, quando ela descobriu que tinha diverticulite e chegou a ficar oito dias internada no Hospital Municipal de Salvador (HMS), em Boca da Mata, após passar por uma colectomia. “Quase que morro, estourou uma tripa do intestino e por pouco os outros órgãos não foram atingidos”, conta Patrícia. Ela teria que ter voltado no mês seguinte para colocar de volta o intestino no organismo.   

Porém, por causa da pandemia, a cirurgia foi adiada e já são mais de 365 dias à espera do procedimento, usando uma bolsa de colectomia. “Hoje vim do médico e ela disse que não tem previsão para quando vai poder fazer a cirurgia. E é algo que incomoda bastante, fiquei com uma hérnia imensa no umbigo, começou a sangrar, porque acaba ficando abafado e molhando o intestino na hora da higiene, então fica essa secreção”, relata Pires.    A doméstica Patrícia Pires aguarda há mais de um ano para uma colectomia. Crédito: Acervo Pessoal.  Há situações de pessoas que esperam por procedimentos não tão graves, como é o caso da estudante Catarina Lopes, 22. Ela decidiu, em novembro de 2019, fazer redução de mama, mas não conseguiu marcar uma data para a cirurgia por conta da suspensão das eletivas. “É desproporcional para o meu biotipo e, à medida que eu for envelhecendo, vai começar a causar mais problemas, tipo, dor nas costas”, explica Catarina. Ela não espera fazer o procedimento antes de julho e, sendo realista, pode ser postergado para o final do ano.  

No caso de Redival Cordeiro, 62, a cirurgia de hérnia foi adiada três vezes. Morador de Riachão do Jacuípe, cidade no Nordeste da Bahia, o autônomo, que ficou desempregado com a pandemia, desde maio de 2020 tentava retirar a hérnia na virilha. "Tinha horas que eu não sabia se tinha dois ou três testículos, era uma situação muito dolorida e incômoda”, conta. Após oito meses, ele conseguiu se livrar da hérnia e se operou no dia 17 de março, no Hospital São Matheus, em Feira de Santana.  

Após o procedimento, ele ficou um dia na enfermaria da unidade hospitalar e foi liberado, mas ainda tem cinco pontos no local, que vão ser retirados no dia 31 de março. “Tô andando igual a mulher depois de cirurgia de parto, minha esposa diz que eu estou passando o que passou”, brinca Redival. Mesmo com medo de se contaminar no hospital, ele não poderia ter esperado mais tempo, pois a dor já impedia que ele fizesse serviços pesados na roça há dois anos. “Medo foi muito, mas eu tinha que fazer, por causa do incômodo. Botei uma mão no coração e outra no pulmão e fui”, conclui.  

A história também teve um “final feliz” para o advogado Lucas Filardi, 30. Após jogar bola com amigos, ele rompeu um ligamento do joelho e teve que esperar três meses para fazer uma cirurgia. “Fiquei impedido de operar três meses, o médico disse que não podia operar até os casos darem uma diminuída. Esse atraso não foi muito danoso, mas, claro que se eu tivesse feito antes, seria melhor. Foram três meses que perdi de recuperação”, conta Filardi. A lesão aconteceu no dia 14 de fevereiro de 2020 e a cirugia só aconteceu no dia 24 de junho. Ele também não pôde fazer, entre março e abril do ano passado, as sessões de fisioterapia, que tinham que ser diárias. Ele teve alta somente em janeiro deste ano, mas ainda não pode fazer esporte coletivo, que tenha muito contato físico.   O advogado Lucas Filardi teve que esperar três meses pela cirurgia no joelho, após romper ligamento. Crédito: Acervo Pessoal.  *Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro