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Da Redação
Publicado em 23 de outubro de 2019 às 14:30
- Atualizado há 2 anos
“Nossos costumes e nossas leis retrógradas estão muito distantes das luzes dos povos. Somos ainda dominados pelos preconceitos bárbaros que recebemos como herança de nossos antepassados”. [1]>
Há em Pindorama um poderoso espírito inquisitório à brasileira! Desde 2014, com o início da Operação Lava Jato (maior e mais longa operação investigativa sobre corrupção no Brasil conduzida pela Policia Federal) civis, imprensa, militâncias, políticos e funcionários do Estado brasileiro surfaram em uma onda predatória, punitivista, que ultrapassou os alicerces legais da Constituição, leis e códigos do ordenamento jurídico, remontando à sombria época do Tribunal da Santa Inquisição. A referida operação virou uma entidade, uma espécie de deidade vingativa e idolatrada.>
Contra os direitos fundamentais e todas as legalidades prescritas na jurisprudência do Estado de Direito, é impelido um projeto de destruição gradativa dos alicerces da defesa do indivíduo. Foi implantado um estado policialesco, típico de sociedades autocráticas e totalitárias, que incorreu e incorre contrariamente ao pacto social liberal e democrático.>
Virou habitual antecipar, de forma ignorante ou mal-intencionada, quem é culpado de um suposto delito, antes mesmo do devido processo legal. A presunção de inocência “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, inscrita no artigo 5° da Constituição Brasileira e no artigo XI da Declaração Universal de Direitos Humanos, é constantemente mal compreendida e violada. Se normalizou, no senso comum e incomum, a presunção de culpa, ou seja, a retrógrada visão de que todo investigado é culpado até que se prove o contrário. São tempos que fazem lembrar a perseguição aos “hereges”, contrários aos dogmas e preceitos religiosos.>
O Brasil vem sendo arrastado por uma vibração deletéria e obscura que põe em risco os avanços civilizatórios. Estes devem prezar pelo respeito às leis, conduzida pela racionalidade e universalidade, e não a comportamentos de vingança, perseguição política e atendimento à opinião pública ou a uma multidão sedenta, defensora de tortura e maus- tratos aos presos nas penitenciárias Além disso, um masoquismo à espetacularização de investigados e réus com maior visibilidade pública, tendo a corresponsabilidade de boa parte da mídia.>
Estamos em uma época de incentivo à insegurança jurídica, no qual as leis são deturpadas por aqueles que rechaçam a Democracia e flertam com a instabilidade, o caos e a saída autoritária. Como demonstrado pela Vaza Jato, em conversas disponibilizadas pela Intercept Brasil, procuradores, juízes e promotores atropelaram a Constituição, o código de processo penal e o código de ética da magistratura e do Ministério Público, como fez, por exemplo, Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, com práticas espúrias, incluindo, em muitos casos, tortura psicológica aos presos visando as delações.>
Leitores, há um nefasto espírito em favor do linchamento público, da espetacularização de prisões preventivas ou temporárias; da ridicularização de investigados e réus; da culpabilidade anterior à sentença; de julgamentos fulanizados e adoração de homens que se veem acima do bem e do mal, venerados como mitos, heróis nacionais, justiceiros e enviados do céu. Tudo isto é sintoma de uma cultura que não tolera, ou ignora, a igualdade humana, como princípio e fonte de uma moral laica, que deveria reger a convivência social, combatendo toda forma de intolerância, ódio, crueldade. Uma terra na qual ainda impera o mandonismo e a idolatria populista.>
[1] BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos Delitos e Das Penas. São Paulo: Martin Claret, p.25, 2014.>
Alan Rangel Barbosa é doutor em Ciências Sociais/UFBA e professor da Faculdade Fundação Visconde de Cairu. >
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores>