Ícone da Ribeira, Siri de Tia Maria é daqueles de mudar a vida da pessoa

A cozinheira de mão cheia é uma das poucas que servem o crustáceo inteiro, como se faz com o caranguejo

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  • Linda Bezerra

Publicado em 20 de julho de 2019 às 06:09

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos de Sora Maia

A ideia era fazer a rota do siri, na Pedra Furada, uma das poucas regiões de Salvador que servem o crustáceo inteiro, cozido com cebola, tomate, coentro, sal e azeite, como se faz o caranguejo. Mas a escritora Aninha Franco aconselhou que fôssemos direto para Tia Maria, a casa 51 da Av. Constelação, à beira-mar, onde se oferece a melhor receita com pirão, garantiu.

Frequentadora assídua, Aninha leva deus e o mundo para provar a comida da cozinheira, de 75 anos. Foi assim que a jornalista Marília Gabriela saiu extasiada,  depois de comer o bolinho de bacalhau; e a cantora italiana Fiorella Mannoia ficou impressionada porque nunca tinha comido um peixe frito tão bom. Olha como a iguaria é servida: R$ 5 o siri e R$ 6 o pirão Descemos o ladeirão com atraentes restaurantes de mariscos e nesgas do mar azul surgindo entre as casas, que iam passando pela janela do carro. O tempo da Ribeira é outro. “É como um sol nascendo e se pondo, a beleza é dos dois lados”, nos disse, à certa altura, o motorista de táxi, Júlio, morador da área há 35 anos. Seguimos o percurso, imaginando o cheiro de dendê, que exalava das panelas do almoço.

O restaurante de Tia Maria está sem placa, mas foi fácil identificá-lo. No fundo do salão, atrás de um pequeno balcão e ao lado do fogo, encontramos uma senhora de sorriso cativante, que mexia a panela cheia de siri. Com uma escumadeira na mão, nos cumprimentou exibindo o apetitoso menu. O caldo borbulhava e exalava um cheiro de mar e temperos. Se ligue na vista Tudo na culinária de Tia Maria é fresco. O siri, o peixe vermelho e a lagosta são comprados com os pescadores da maré, em frente. Saem do mar direto para a panela, enrijecem se forem para o gelo. Já o camarão e a lula vêm do Mercado do Peixe de Água de Meninos, mas são escolhidos a dedo e muito cedo, antes de outros fregueses.

A essa altura já estávamos íntimos, como na cozinha de casa. Sem entreveros, a conversa rolou solta, enquanto ela cortava rápido o tomate, com uma faca grande e os dedos na mesma direção do fruto, para nossa preocupação. Era o preparo da pimenta. Feito na hora, o molho é com malagueta amassada e cubinhos do tipo de cheiro. É salivação certa, vendo ela fazer. Para um bom apreciador, a vontade é comer (ou seria beber?) como prato principal. Olha como a danada corta o tempero Dois clientes que esperavam seus pedidos já estavam cismados com o tititi da cozinha e logo admitiram o ciúme. Gargalhando, Gau gritou: “Quero os maiores siris, cheguei primeiro”.  Jorge também cobra atenção: “Cuidado com essa equipe do jornal, não nos largue”. E a galhofa continuou. É sempre assim, as pessoas se sentem em casa, os clientes viram amigos da dona do restaurante.

E quem não quer ser amigo de Tia Maria? Não é só a cozinha, perto dela há uma sensação de acolhimento. Energia boa. Devota de Ogum, ela oferece uma feijoada a Santo Antônio, na primeira Lua certa depois do Carnaval, junto com o filho, Jairo. Cerca de 300 pessoas comem à vontade. É marcar no calendário e não esquecer a data.   O babado vai ao fogo Natural de Valença, na Costa do Dendê, Maria Deilda dos Santos chegou em Salvador ainda na adolescência e casou-se cedo. Teve três filhos, mas se separou. É independente demais para manter determinados compromissos. Ele bebia muito, conta ela. Começou vendendo cachaça milome e alguns quilos de arroz e feijão na pequena quitanda. Aí, os pescadores pediam que fizesse o siri boia que acabavam de pescar...

Dessa relação afetuosa, o negócio evoluiu e ela formou dois dos três filhos na Universidade Católica de Salvador. Jairo, em educação física, e Geovania, que é assistente social. No dia da formatura, deu um carro de presente à filha e surpreendeu a todos. Na cerimônia, quem recebeu os cumprimentos foi a matriarca. Pirão a caminho A primogênita, Andreia, tem uma barraca na praia, mas no Inverno ajuda a mãe no que ela deixa. Tia Maria é virginiana e, na comida, ninguém tasca. Está certa de que só ela sabe fazer as receitas. Resiliente, a filha vai no mercado, leva a comida às mesas e segue admirando a força da mãe.

Enfim, depois de esperar Tia Maria fazer tudo, inclusive uma pimenta sem cebola para a colega Sora Maia, nos calamos diante do siri boia cozido. Um silêncio compreensível. O pirão é suave e cheira a mar. A pimenta, como desconfiávamos, é acompanhamento. Não arde tanto e perfuma o prato. A carne do siri solta da casca e nem dá o trabalho do caranguejo. Ela mesma, Tia Maria Terminamos o passeio com um abraço em Tia Maria e gratas por entrar em contato com algo tão simples e, ao mesmo tempo, nobre. Vá lá e deixe que o tempo de Ogum comande. Ogunhê!

Recanto da Tia Maria Melhor checar, antes de ir, se tem siri. Tia Maria não compra o crustáceo miúdo, em respeito ao meio ambiente. Av. Constelação, 51, Pedra Furada,  Monte Serrat. Func. De 11h às 18h, de ter a dom. Cada siri custa R$ 6 e o pirão custa R$ 5. Telefone: 71 3314-7136.