Ilê Axé Opô Afonjá se revolta com enterro sem rituais para Mãe Stella: 'Falta de respeito'

Terreiro é contra decisão da companheira da líder religiosa e quer trazer corpo para Salvador

  • Foto do(a) author(a) Andreia Santana
  • Andreia Santana

Publicado em 28 de dezembro de 2018 às 06:39

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho

No Ilê Axé Opô Afonjá, na quinta-feira (27) à noite, enquanto alguns filhos e filhas de santo se abraçavam em busca de consolo pela morte de Mãe Stella de Oxóssi, outros estavam indignados com a notícia de que a companheira da ialorixá, a psicóloga Graziela Domini Peixoto, já havia marcado o velório e o enterro dela para esta sexta-feira (28).

O presidente da Sociedade Cruz Santa, entidade civil que mantém e administra o terreiro, o ogã Ribamar Daniel, tentava, no entanto, articular uma forma de trazer o corpo de Mãe Stella para Salvador. O objetivo é que o corpo passe pela primeira fase do Axexê, o ritual fúnebre do candomblé.

Ribamar Daniel explica que o Axexê consiste em “rituais internos e secretos que não podemos dar detalhes. Nossa intenção é trazer o corpo para cá. Ela é uma mãe de santo de renome, respeitada por um povo. Na verdade, fosse qualquer um de nós do terreiro, teria que passar por essas obrigações ritualísticas. Imagine uma ialorixá como Mãe Stella?”.

Enquanto Ribamar tentava manter contato com autoridades políticas e associações ligadas ao candomblé para reverter o possível enterro em Nazaré sem a devida realização de rituais, alguns filhos de santo se mostravam revoltados. “Isso é falta de respeito! Não podemos permitir isso! Ela já ficou com Mãe Stella o tempo que ela quis. É a nossa hora de oferecer o devido funeral a nossa mãe de santo”, bradou um filho de santo. “Se ela quer revolução, nós iremos fazer revolução”, avisou outro, ambos referindo-se à companheira da ialorixá.    

Uma possível disputa pelo corpo de Mãe Stella pode estar por vir, apesar de Graziela ter se tornado a tutora legal da ialorixá. “O problema é que a Justiça não enxerga a família de santo como família. Infelizmente, ela tem o respaldo jurídico”, lamentou Adriano de Azevedo Santos Filho, 38 anos, Obá Abiodun de Xangô e filho de Adriano Azevedo Santos, irmão mais novo de Mãe Stella, que morreu ano passado.  “Mãe Stella não teve filhos. Só tem uma irmã. Meu pai e meu tio se foram ano passado. Eu, enquanto sobrinho, infelizmente, não tenho muito a fazer no caso de uma medida legal”, disse Adriano. 

Desde 2017, Mãe Stella passou a morar em Nazaré, a 210 quilômetros de Salvador. Ela se mudou depois de uma desavença entre filhos de santo do terreiro e a companheira dela.

Morte de ialorixás tem rituais simbólicos A nova ialorixá do Terreiro do Ilê Axé Opô Afonjá só será conhecida, no mínimo, daqui a um ano, quando começam os rituais de sucessão da casa. O nome da nova matriarca será apontado pelos orixás a partir do Jogo dos Búzios conduzido por um babalaô ou ialorixá. Nesse intervalo, entre a morte de Mãe Stella e a escolha da nova ialorixá, o Opô Afonjá permanecerá fechado, sem cumprir obrigações.

Há uma série de ritos específicos para a morte de uma ialorixá. “Assim que acaba o sepultamento - e isso pode variar a depender da comunidade -, começa a celebração dentro do barracão, onde os atabaques são substituídos por uma cabaça e um instrumento chamado porrão. É um ritual em que o morto está presente, junto com todos os antepassados que já foram para a casa do renascimento”, conta o antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e especialista em estudos afro-brasileiros Vilson Caetano.

 A celebração, chamada Axexê, segundo ele, tem cantigas específicas que falam sobre a importância da morte e da ancestralidade, e se desenrola durante sete dias.  O fim da primeira etapa envolve pertences do morto. “No sétimo dia, alguns pertences, como roupas e acessórios, são entregues no lugar que ele mesmo pede. Pode ser na mata, na água...”, aponta Vilson. 

As atividades essenciais do terreiro e o dia a dia da casa fica sob responsabilidade das imediatas da mãe de santo. “Quem cuida da rotina é a Iakekerê, a mãe pequena. Existe ainda um conselho e esse conselho deve administrar o terreiro”.

Lamento e solidariedade

A Casa de Oxumaré, um dos terreiros mais importantes da Bahia, divulgou nota pública na noite de quinta-feira (27) onde reconhece a importância nacional e internacional de Mãe Stella como expoente da cultura e da religiosidade afro brasileira. Além disso, questiona a realização do sepultamento fora de Salvador. 

"Nos solidarizamos com suas famílias biológica e espiritual, bem como com a legião de admiradores do Brasil e do mundo. Lamentamos ainda que uma personalidade de tamanha envergadura não possa receber as exéquias compatíveis com a tradição pela qual tanto zelou. Por isso, rogamos em nome de nossos ancestrais, que os próximos a ela se conscientizem  e tenham a generosidade e a devoção necessárias para garantir os ritos em conformidade com os preceitos do Candomblé, religião professada por Mãe Stella ao longo de uma vinda inteira. Restringir o Terreiro do Opô Afonjá de cumprir os ritos e tradições  centenárias cabíveis a todos sacerdotes e sacerdotisas, ritos estes defendidos veementemente  por esta aclamada Yalorisa que hoje deixa o aye  e vai ao encontro de nosso ancestrais, fere a todos os afro religiosos", afirma a Casa Oxumaré, em nota.