Ivan Mesquita surfa na história e mergulha na fama com humor e engajamento; conheça

Universitário, motorista de Uber e cozinheiro/surfista amador, ele ficou conhecido por resenha sobre Maria Quitéria, mas também dá exemplos de heroísmo

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  • Da Redação

Publicado em 20 de setembro de 2020 às 06:30

- Atualizado há um ano

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Fotos: Reprodução e Divulgação “Esse bicho é uma onda”. A gíria em baianês é antiga, mas ainda muito utilizada para definir um cara com o qual a gente simpatiza e acha graça de quase tudo que ele diz. E embora bicho e onda sejam coisas da natureza de naturezas bem diversas, a expressão beira a perfeição quando usada para definir Ivan Mesquita, um estudante universitário de 30 anos, motorista de uber, contador de histórias, influenciador digital, e, pra fazer jus à onda, surfista amador com estilo reconhecido de Canavieiras a Salvador.

Falta muita coisa ainda pra b(r)otar no currículo do gaiato multifacetado – de tino para ‘mestre cuca’ a poeta cordelista, de repentista a forró dancer –, mas acho importante destacar desde já sua vocação paladina como agitador cultural socialmente engajado. Esse talento, em específico, me deixou mais impressionado, mas vou optar por destacar os préstimos mais para o fim. 

Antes, pois sim, voltemos ao início da história, de quando e como o conhecemos através de outra heroína histórica. No contexto do Dois de Julho passado, um vídeo em que Ivan homenageava Maria Quitéria bombou na web, e meia Bahia riu com a versão em baianês da trajetória de MariQuiti.

“O pai dela falou ‘ói, se você não voltar pra casa, vou te deserdar, vu?’ Aí Quitéria falou ‘porra, painho, então me deserde aí, véi, que eu vou na batalha defender minha pátria’. E aí Quitéria fechou com o bonde. (...) Já foi influenciando outras mulheres. Maria Felipa mesmo já seguia ela, via lá a ‘hashtag partiu Batalha da Pituba’ e ia”, brinca num trecho do vídeo o atual morador da Pituba, mas que já habitou outras bandas mais modestas.

“Já morei em Pernambués, Boca do Rio. Hoje moro na Pituba porque as condições melhoraram, mas eu sou favela, sou povão. Gosto de movimento, de calor humano”, explica o contador de histórias, itabunense como Jorge Amado, mas que tem uma vivência tão multifacetada quanto suas habilidades fragmentárias.

Todos os cantos A multiplicidade de talentos talvez tenha relação com as diferentes vivências e ambientes por onde passou ao longo da vida. “Nasci em Itabuna, depois morei em Canavieiras, vim pra Salvador, passei um período aqui. Morei em Ilhéus também. Como meu pai era autônomo, mexia com comércio, a gente ia sempre para onde tava o foco dele”, comenta o rapaz, citando o espírito nômade (e guerreiro) de seu painho, Ivanyldo Melo.

A correria na chefia de família foi mantida, mesmo depois da separação de mainha, dona Mara Sena, hoje moradora da litorânea e paradisíaca Canavieiras. “Eu sou de uma família de classe média baixa. Minha mãe é separada do meu pai. Numa época a gente ficou numa situação delicada, sem grana. Depois ela se esforçou pra passar num concurso. Hoje é funcionária pública, trabalha no Judiciário”, explica.

Na capital, assim como Zói Pucu, Ivan fez Petróleo e Gás, mas não foi pra frente na profissão: Macaé, no Rio, não tinha vagas. Em nova investida na área técnica, está do meio para o final da faculdade de Engenharia Civil, que deve concluir em até dois anos.

Antes de vir de vez pra Salvador, em 2016, trabalhou por cerca de dois aninhos também no Centro de Referência de Assistência Social (Cras) de Canavieiras. Por lá, desenvolveu projetos sociais, como o Esporte na Rua, um ensaio de engajamento – voltado para crianças carentes – para o que viria mais adiante.

Agora que já o conhecemos razoavelmente, cabe destacar os projetos que Ivan está desenvolvendo para revelar talentos de bairros periféricos e também pela valorização de artistas que estão em dificuldade por conta da pandemia. 

No primeiro caso, a ideia é que, com apoio de empresas, e dentro do Uber que dirige há quase três anos, possa divulgar as habilidades de ‘passageiros’ artistas de diferentes bairros. 

A segunda iniciativa diz respeito à divulgação de outros artistas que precisam mostrar o seu trabalho. Para ver como a coisa funciona, na prática (é uma espécie de estande de feira), basta acessar o Instagram @ivanmesquita1, que desde julho ganhou mais de 90 mil seguidores.

Fama engajada A chegada ao panteão dos influencers começou, justamente, com os vídeos históricos. “Na quarentena, como eu não tenho saído, não tinha muito o que postar. A ideia da História surgiu com a (celebração da) Independência da Bahia, quando vieram os ganchos. Falei das guerreiras, e depois vieram outros temas, mas o Dois de Julho foi o que realmente explodiu”, recorda Ivan, que já vinha tentando outros caminhos – como a culinária (belo ensaio no vídeo abaixo), o artesanato e o próprio surfe – para obter visibilidade.

“Eu tinha postado o vídeo e logo em seguida já tinha tido o alcance além do esperado. Aí eu fui dormir, no outro dia fui ao mercado e deixei o celular em casa. Quando voltei, o pessoal mandando mensagem. Começou a vir gente de fora do país, de outros estados, falar comigo. E o número de seguidores aumentando, foi surreal. Muito bom esse momento, que foi quando pensei: ‘poxa, achei o conteúdo’, porque sempre venho testando conteúdos”, explica o rapaz, que fez rir até com vídeos em campanha de doação de sangue. 

O foco no social, no entanto, não impede a visão empresarial da coisa. “A vida de influenciador já me rende alguns lucros, mas ainda tô no começo, estudando o mercado. Meu foco são comerciais criativos que, na maioria das vezes, não posto nas redes sociais. Envio material direto para as empresas. Estou estudando muito sobre marketing digital, técnicas de comédia, tentando produzir conteúdos comerciais com aquele toque de comédia, que deixa a coisa interessante”, explica Ivan, sem máscara boa que não lhe caiba.

“Já panfletei no sinal, já fiz bandeirada, já trabalhei com ações de agência de marketing; já fiz casa de Papai Noel, trabalhei no rapel, vendi pizza, fui office boy de bike, vendi abacaxi na feira, tudo assim sem precisar mesmo, porque eu gostava de trabalhar, de ter meu dinheiro”, conclui o também vendedor de brownie, jogador amador de vôlei e, principalmente, empreendedor de causas sociais.

O corte da vez, após a exaltação de personagens femininas da História da Bahia, é pela doação de medula – parte de tudo que diz traduzida em Libras (linguagem de sinais para surdos) em seu canal Cuscuz e Poesia, no YouTube. Diante da impossibilidade de definição de uma face/faceta do menestrel, concluo quase que em forma de cordel surfando em onda de breve final: Ivan é bicho solto, sem habitat natural.