Já deu aquela espiada no seu cocô? Ele diz muito sobre a sua saúde

Autoexame diário pode indicar necessidade de ajuda médica. Saiba como analisar

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  • Da Redação

Publicado em 17 de julho de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Ilustração: Morgana Lima/ Estúdio Grida

Ilustração: Morgana Lima/ Estúdio Grida Você está sentada no trono, executando uma das ações mais antigas da humanidade: a arte de fazer o número 2. Neste ritual milenar, o corpo se prepara para expulsar aquilo que o organismo já não precisa mais. Finalizado o processo, você se levanta e dá aquela conferida. É uma ação tão natural quanto respirar. O que muita gente não sabe é que esta espiadinha é de suma importância para saber como anda a saúde. Pode parecer nojento, mas seu cocô pode dizer muito sobre você.

Abdique do nojinho e encare-o como um agente CSI. Um olhar atento ao seu cocô é uma forma de mudar os hábitos, identificar alguma anomalia e saber se precisa de ajuda médica. É um autoexame diário. Suas fezes boiam? Pode estar ocorrendo um alto consumo de gordura ou produtos que formam bolhas de gazes no seu intestino (e no cocô, que acaba flutuando), como doces e feijão.  A textura, o formato, a cor e o odor são indícios que acendem a luz de emergência indicando que algo está errado.

As fezes podem ser o primeiro meio de se descobrir alguma anomalia, bem antes de qualquer outro sintoma. Se ele não está marrom, em forma de salsicha e afundando, o intestino está lhe avisando que algo está errado. “Um dia observei  que minhas  fezes estavam finas, sem consistência. Ela foi ficando clara, quase branca. Também saía feito uma gosma, como uma clara de ovo. Fiquei bastante tempo assim, mas não procurei um médico, não dei a devida atenção”, lembra a professora de iniciais T.E.C.D, que preferiu o anonimato. Ela só procurou um profissional quando outros sintomas estranhos no corpo começaram a aparecer. Acabou descobrindo um câncer no ânus, atualmente controlado. Contudo, o tratamento poderia ter sido antecipado se as mensagens do cocô tivessem sido levadas em consideração. Formato, textura ou cor. Seu cocô pode ser o primeiro sinal de que algo está errado no seu corpo O cocô é apenas a arte final de um processo complexo do seu aparelho digestivo. Se já é um problema as fezes saírem de forma estranha, imagine quando eles resolvem não sair. É o caso do presidente Jair Bolsonaro. Ele foi diagnosticado com obstrução intestinal, quando existe um bloqueio que impede o cocô de fluir até o reto. É como se uma mangueira de água fosse torcida, impedindo o líquido de sair. Isso gera diversos problemas, como o próprio soluço do presidente (leia mais na página 33). Essa obstrução é uma irritação do diafragma em consequência do inchaço do intestino. As causas variam. Pode ser uma aderência no local por conta da facada sofrida em 2018 ou até o surgimento de um tumor. É preciso procurar um médico, com urgência.

2º cérebro Não se espante mais quando alguém disser que você pensa com a barriga, pois seu intestino é considerado o segundo cérebro. Ele possui neurônios iguaizinhos aos da cabeça e com a mesma função de transmitir impulsos nervosos. A única diferença é que suas atribuições são dedicadas apenas ao aparelho de digestão. Temos cerca de 500 milhões delas na barriga, contra 86 bilhões da massa cinzenta. Todo seu sistema digestivo tem neurônios, na verdade. Porém, a maioria está na região intestinal, com diversas funções. Sem depender de estímulos da sua mente, estas células  do intestino organizam todo bolo alimentar que está nos seus tubos digestivos e avisam quando está na hora de ‘fazer cocô’. Só depois o cérebro é reconectado para  avisar que está na hora de procurar um banheiro.

Inclusive, a relação entre o sistema intestinal e o cérebro é bem íntima. Ambos são interligados diretamente pelo nervo vago. Também conhecido como pneumogástrico, pense neste nervo como uma grande Avenida Paralela de mão dupla, que inicia no cérebro e termina na sua barriga. Existem outras entradas que ligam a outros órgãos (como um acesso para o Imbuí), mas a via principal leva direto ao seu intestino. Sabe quando uma pessoa fica nervosa, ansiosa com algo e dá aquele frio na barriga ou uma vontade de ir no banheiro? É o cérebro mandando informações ao seu intestino, por meio do nervo vago. Aquela sensação de alívio depois do número 2? É a mesma coisa, mas o inverso. Ele é o maior nervo craniano, que também trabalha a parte sensitiva e motora do ser-humano. Contudo, o intestino não trabalha sozinho. Ele funciona graças a  trilhões de bactérias que estão  se alimentando, produzindo energia e cuidando de você.

 O corpo humano é basicamente composto de água, célula e uma verdadeira colônia viva de microrganismos, também conhecida como microbiota, determinantes para manter um ser-humano vivo. Um homem saudável possui mais micróbios  que células. Boa parte destes seres microscópicos mora no intestino e tem papel importante não apenas na sua flora intestinal, mas até no seu humor, obesidade, imunidade contra  doenças e saúde em geral. Quanto mais bactérias benéficas trabalhando no intestino, mais bonito será o cocô e sua vida. O segredo para alimentar esta colônia saudável está no seu hábito alimentar que chega pela boca.

Dendê vilão?  dendê, por exemplo. O símbolo da culinária e cultura baiana pode se tornar um vilão do intestino quando utilizado em demasia. O nosso corpo recebe todo mundo. Assim como possuímos as bactérias boas, também  temos as nocivas. O que você come vai determinar que tipos de bactérias serão alimentadas. “Assim como o dendê, os óleos podem acelerar o trânsito intestinal, deixando as fezes mais pastosas e uma maior evacuação (leia dor de barriga). A gordura saturada que tem no dendê também é alimento para bactérias patogênicas, que causam mal à saúde. Contudo, o dendê é rico em vitamina A, bom para a saúde. O problema é justamente o excesso”, explica a nutricionista Layane Almeida, com formação em Modulação Intestinal.

Todo o sistema intestinal também é responsável pela eliminação de toxinas no corpo, principalmente vindo dos alimentos. A resposta pode ser rápida e sua vergonha alheia está em jogo. “Estava em lua de mel em Paris. Depois de um jantar, em frente à Torre Eiffel, saí com meu marido pela cidade, quando começou a me dar caruara, comecei a arrancar as roupas de frio no meio da rua e fui correndo para entrar no hotel, enquanto meu esposo catava as coisas na rua. Cheguei no vaso, mas só depois deste episódio descobri que tinha intolerância à lactose”, conta a advogada Dene Mascarenhas. Era seu intestino se livrando das toxinas nocivas ao seu corpo.

Não interessa se o indivíduo é carnívoro, vegano ou herbívoro. O importante é comer de forma saudável e que também alimente seus amiguinhos que moram dentro de você. “O alimento ideal é aquele que garante o fornecimento de metabólitos. São os alimentos necessários para manter os microrganismos saudáveis nos colonizando”, disse a também nutricionista e pesquisadora Ligiane Loureiro. Entre os alimentos, o ideal é focar em fibras e alimentos naturais, abusando de fruta, legumes e verduras. A carne, se manejada de forma saudável, também é uma aliada. O segredo é evitar produtos industrializados, gordurosos e hidrogenados.

Para turbinar sua colônia bacteriana, já existem fermentados e produtos naturais repletos de bactérias vivas para o organismo, com probióticos e lactobacilos vivos.  Contudo, não adianta encher a geladeira de Yakult. Estas bebidas podem conter açúcar e outros produtos industrializados, que atrapalham mais que ajudam. É preciso procurar seu nutricionista ou um médico gastro antes de qualquer receita mágica.

“Nos últimos anos, diversos estudos têm apontado que a microbiota intestinal  são importantes gatilhos contra doenças, fazendo conexões com diversas patologias. Entretanto, não podemos comprovar a eficácia das medicações probióticas e prebióticas utilizadas como automedicação”, revela a médica gastroenterologista Lourianne Cavalcante. A melhor receita é se alimentar bem e beber bastante líquido para continuar sendo o rei do seu trono. Deu vontade de ir ao banheiro? Vá logo. Um homem com cocô saudável não quer guerra com ninguém.

A CURA PARA A DEPRESSÃO PODE ESTAR NA BARRIGA O Brasil é o país com mais casos de depressão na América Latina, com 5,8% de sua população sofrendo da doença, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Na Bahia,  mais de 400 mil baianos estão depressivos. A depressão pode surgir por diversos motivos. Porém, o que acontece no intestino pode explicar de onde começa o problema.

A serotonina é um neurotransmissor que leva a sensação de bem-estar ao cérebro, importantíssimo para o bom humor. Cerca de 90% desta serotonina é produzida justamente por bactérias que vivem no intestino, que leva toda esta ‘carga de felicidade’ aos neurônios.

O funcionamento do sistema intestinal pode interferir diretamente no comportamento, obesidade, doenças neurológicas e até nas emoções. “O intestino  participa na produção de hormônios que afetam o comportamento e também controlam a defesa do nosso cérebro que podem gerar inflamações graves”, explicou o neurologista e pesquisador, Pedro Schestatsky, na live sobre conexão intestino cérebro, no seu Instagram, transmitida em outubro do ano passado. Em 2020, um experimento na universidade College Cork, na Irlanda, deu substâncias que estimularam um ratinho a ficar, digamos, eufórico. Depois, inseriu fezes de humanos depressivos no seu intestino, modificando as colônias de bactérias na barriga. O roedor perdeu totalmente os estímulos de felicidade do cérebro. Novamente as bactérias intestinais tiveram um papel decisivo. Se um indivíduo cuida da saúde e se alimenta bem, certamente terá uma microbiota saudável e trabalhando por você, incluindo no que acontece na sua cabeça. É um estudo com um longo caminho pela frente, mas que pode explicar a relação das bactérias que moram no intestino com outras doenças, como Alzheimer, Parkinson e até esquizofrenia.

SERES DE OITO METROS PODEM MORAR NO SEU INTESTINO O corpo humano é rico em biodiversidade de criaturas vivas e nem sempre microscópicas. Alguns são vistos a olho nu e seu intestino é um dos lugares preferidos para parasitoses intestinais que se alimentam, entre outras coisas, de fezes humanas.

Na sua grande maioria, parasitas são perigosos e podem levar a situações graves e até à morte. Entretanto, alguns podem passar anos no seu intestino, vivendo uma vida sossegada, até que um dia morre e o próprio intestino se encarrega de expulsá-lo. “Se o parasita não tem uma carga parasitária elevada e o indivíduo é saudável, ele pode não apresentar sintomas que indicam a presença deles. A lombriga, por exemplo, pode viver dentro de nós por dois anos, sua média de vida. Um dia ela morre e sai no cocô. Se você não observa suas fezes ao defecar no vaso, nem vai saber que já criou uma lombriga”, conta a professora da Faculdade de Farmácia da Ufba, Márcia Teixeira.

Nem sempre estas criaturas saem tão fáceis assim. “Estava de férias numa casa de praia e não conseguia ir ao banheiro. Parecia que algo não deixava o cocô sair. O ‘bueiro’ entupiu por 12 dias. Um belo dia, uma lombriga de 20 centímetros saiu pela minha boca”, lembra Rita Vieira, de 62 anos. Os parasitas podem causar dores abdominais, inchaço, diarreia, comichão anal, anemia e obstrução intestinal.

Ter saneamento básico, cuidar da alimentação e hábitos de higiene determinam se você terá ou não hóspedes indesejados. Um simples almoço com uma carne de porco contaminada poderá te dar um hóspede com o triplo do seu tamanho: a tênia. Conhecida como solitária, ela pode chegar a 8 metros de cumprimento. Em alguns casos, é necessário até procedimento cirúrgico para a retirada dos inquilinos. Estragamos seu almoço?

Manual do cocô: como ele saiu hoje? 

FORMAS   Bolinhas (presas ou soltas):  Pode indicar dificuldade de evacuar (constipação) diariamente. Também tem relação com pouca hidratação. Se alimente melhor e beba mais água.

Em forma de salsicha:  O mais indicado. Significa que seu intestino está trabalhando bem.Mole com partes líquidas:  Prenúncio de que algo está errado. Pode indicar má alimentação - rica em gordura saturada. Melhor rever seus hábitos. 

Líquido:  Comum no piriri. Pode indicar infecção alimentar, intolerância a algum alimento ingerido, uso de medicamentos fortes ou alergias. Se a diarreia persistir, procure um médico.

CORES  Marrom: O ideal. Esta cor vem de fluidos produzidos pelo fígado.

Amarelo:  Você está consumindo muita gordura e seu intestino não está absolvendo. Geralmente flutua e tem um forte odor. 

Branco ou cinza:  Pode indicar algum problema no fígado, pâncreas ou vesícula biliar. Procure um médico.

Preto:  Pode ser um simples consumo exagerado de vinho, sangramento no início do aparelho digestivo ou algum problema na digestão. É o campeão do mau cheiro. 

Vermelho:  Consumir alimentos como beterraba fazem o cocô ficar desta cor. Porém, também pode ser sangramento interno ou hemorroida.

Verde:  A cor de quem faz muito uso de suplementos e dietas a base de ferro. Também pode indicar alguma infecção bacteriana.

O mundo das fezes Combate Naval Marinha Chilena vs  Peruana, por Thomas Somerscale Guerra pelo número 2 Bolívia, Peru e Chile travaram batalhas épicas nos mares do pacífico, entre os anos de 1879 e 1883. O principal desejo das respectivas nações não era petróleo, ouro ou pedras preciosas. Tampouco tinha caráter ético ou religioso. Os países lutaram, literalmente, por cocô. Mais de 30 mil pessoas morreram, entre civis e militares, pois o local em disputa é um verdadeiro aterro de fezes de algumas espécies de pássaros marinhos. Acontece que o cocô destas aves é rico em guano, um poderoso composto químico utilizado para fertilizantes e na composição de materiais explosivos. Chile levou a melhor, ganhando todas as fezes do local. E você aí dando descarga na sua... Civeta-de-Palmeira- Asiática, seu cocô produz o café mais caro do planeta (Shutterstock) Cheirinho de café com fezes Você consegue a tão sonhada viagem para Nova York. Chega numa cafeteria chique, pede um cafezinho chamado Kopi Luwak. Nem pergunta o preço. Bebe e depois descobre que custa 95 dólares (R$ 490 conto!). Você bebeu o café mais caro do mundo, que na verdade é o cocô de um mamífero que vive na Indonésia. As fezes do bichinho chamado, em tradução livre, Civeta-de-Palmeira- Asiática, é o mais cobiçado do planeta. O animal se alimenta de grãos de café e seu intestino fermenta naturalmente o grão e, dizem, sai com aroma de frutas vermelhas e sem acidez.  No Brasil, existe o Jacu Bird Coffee, que também são fezes, mas da ave Jacu, comum na Mata Atlântica. O quilo do café pode custar até R$ 700 no país. Será que os cafezinhos dos aeroportos são todos feitos de Jacu?

Transplante de fezes Dependendo de algum tratamento que o paciente seja submetido, principalmente com o uso intenso de antibióticos, seu sistema intestinal perde um número considerado de microbiota, um conjunto de bactérias responsáveis pelo bom funcionamento do seu intestino. Os cientistas já solucionaram este problema: transplante de cocô, Literalmente. Para repor a perda desta microbiota intestinal, a medicina resolveu colocar fezes saudáveis dentro do intestino do paciente, repovoando o local com as bactérias perdidas. Este transplante pode ser feito via oral, nasal ou anal. Alguns países já fazem este procedimento, mas  no Brasil é permitido apenas para estudos científicos.

Melhor flora (intestinal) do mundo Se existisse um Oscar para o melhor cocô do mundo, a tribo Hadza ganharia fácil. Habitantes do Norte da Tanzânia, África, a tribo se tornou uma referência para os cientistas. O que mais intriga são os números de bactérias no intestino do clã, fundamentais para uma boa digestão e o cocô perfeito. O segredo? Comer bem e de tudo. Obviamente, não está inserido fast food no seu cardápio. Os Hadzas praticam a mesma dieta de 40 mil anos atrás, comendo apenas o que a natureza oferece. Eles são carnívoros, herbívoros e veganos, tudo ao mesmo tempo. Não existem gordos na tribo e quase não adoecem. Graças a sua rica dieta, o Hadza tem mais bactérias benéficas e protetoras do sistema imunológico do que qualquer ser-humano do planeta.

Andando nas fezes Imagine você chegar no posto de combustível e pedir para encher o tanque de merda. Fezes humanas já estão sendo utilizadas para mover motores pelo mundo. Nosso cocô produz etano, um poderoso combustível que pode substituir a gasolina. Na Inglaterra, alguns ônibus estão utilizando o metano de fezes humanas desde 2014. Além de diminuir os dejetos liberados nos esgotos, o cocô produz menos poluentes e ainda é econômico. Um tanque cheio rende uma autonomia de até 300km. Contudo, o cocô passa por diversos processamentos químicos antes de virar metano líquido. É o cocô movendo o mundo...

Cocô em números1 tonelada - É a quantidade de cocô  defecado pela baleia-azul, todo dia. É o recorde no reino animal. Em seguida, vem o elefante, com 90 quilos. R$ 15 -  É o valor médio de 1 quilo de esterco de boi. Ele serve para adubar hortas e plantas. R$ 95 -  É o preço de 100g do café Jacu, que na verdade é o cocô de um pássaro que dá nome a bebida. A ave come grãos de café. 150g - Quantidade de cocô que um adulto produz por dia, em média 75% - Do cocô humano é composto por água  45 dias -  Foi o tempo que um detento na Inglaterra ficou sem defecar  Número três - Segundo especialistas, defecar três vezes ao dia ou a cada três dias está na normalidade.