Jardim dos Namorados: casas de veraneio e apelidos de 'Chega Nego' e 'Bico de Ferro'

Região passou por transformações urbanísticas intensas a partir da década de 1960

Publicado em 15 de agosto de 2021 às 16:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Orla do Jardim dos Namorados, em julho de 1993 (Foto: Claudionor Júnior/Arquivo CORREIO) Reconhece essa curva? Daqui a dois anos, o registro feito pelo repórter fotográfico Claudionor Júnior, da equipe do CORREIO em julho de 1993, completa 30 anos. O Jardim dos Namorados, um dos pontos mais movimentados da orla, vivia uma quinta-feira tranquila naquele 8 de julho de 1993, mas se preparava para o caos de uma operação de segurança que iria mexer no trânsito na cidade por uma semana.

Faltavam cinco dias para o início da III Conferência Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, sediada em Salvador, e a Superintendência de Engenharia de Tráfego da capital se preparava para uma operação similar à que havia acontecido no ano anterior no Rio de Janeiro, durante a realização da ECO-92."Quem puder adiar os compromissos no centro da cidade para amanhã ou sábado vai evitar os transtornos dos engarrafamentos. Afinal, a interdição prevista para hoje e durante toda a conferência faz parte das normas internacionais de segurança adotada em cidades que recebem vários governantes de diversos países de uma vez só", dizia um trecho da matéria publicada pelo CORREIO no dia 9 de julho daquele ano.A interdição estava prevista para as 8h em toda a orla, simulando o percurso das comitivas que passariam por ali até chegar ao Centro de Convenções da Bahia, no Stiep. No dia seguinte, apesar dos avisos da interdição, o trânsito foi caótico. Os engarrafamentos eram quilométricos, os comboios atrasaram na saída e, apesar de ter trechos interditados, havia carros circulando por lá.

Mudanças A Salvador que sediou a III Conferência Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo já tinha dois terços do total de habitantes de hoje - 2 milhões de pessoas viviam na capital que, enquanto discutia assuntos como economia, desenvolvimento social e globalização - palavra da moda - também passava por suas transformações. O trecho de orla que sofreu com os engarrafamentos às vésperas do encontro de líderes mundiais é um desses locais.

A região do Jardim dos Namorados era conhecida como "Praia do Chega Nego". Isso desde o século XIX:"Era em alusão à chegada de negros escravizados e traficados no pós-proibição do tráfico de escravos", explica o historiador Rafael Dantas, que estuda a iconografia de Salvador nos séculos XIX e XX, assim como as transformações da cidade ao longo do tempo.Foi mais ou menos na década de 1960 que o lugar ganhou outro 'apelido': "Quase um século depois, na prefeitura de Antonio Carlos Magalhães, década de 1960, a área era conhecida como 'Bico de Ferro', por conta de um bar local, e estava ocupada por centenas de casas, muitas de veraneio", lembra Rafael.

Sim, no lugar havia casas de veraneio, que saíram para dar lugar ao Jardim dos Namorados, construído e inaugurado anos depois pelo prefeito. Os coqueiros foram preservados naquele momento que foi um dos períodos de transformações urbanísticas mais significativas na cidade. Três décadas depois, já no período da realização da Conferência, a região tinha outros ares - e havia crescido em importância."Nos anos de 1990, os caminhos em direção ao eixo norte de Salvador, em diálogo com o litoral, passaram por significativas ações que ajudaram na consolidação das atividades comerciais e de moradia. As áreas da Pituba, que significa 'sopro forte' em tupi, Itaigara - 'canoa de pedra' - e adjacências, após a construção da Avenida Otávio Mangabeira, passaram a ser lugares de destaque entre o eixo antigo da cidade, com o Centro e miolo, e oferecer novas áreas para o setor imobiliário próximo ao mar", afirma o historiador.Tudo isso, aliado à construção de avenidas, como a Juracy Magalhães, em 1978, ajudaram a tornar os bairros mais populosos - não seria por acaso que uma operação de trânsito causaria tamanho engarrafamento, já que o fluxo de veículos por ali já era intenso. "As décadas de 1970 e 1980 também foram o momento da construção de prédios icônicos, como o Parque Júlio Cesar. O Centro de Convenções da Bahia[o do governo do estado, que desabou parcialmente em setembro de 2016] data desse mesmo período", completa.