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Jéssica Senra, você está grávida?

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 20 de outubro de 2019 às 13:25

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

A apresentadora do BA TV é uma mulher linda. Não que precisasse ser, mas é. Além disso, faz jóias maravilhosas. Não que precisasse fazer. É uma profissional competente, uma pessoa empática. Mora bem, vive bem, tem um amor feliz. Viaja pra onde quiser, tem uma família amorosa. Medita. Cria gatos. Sorri com lindos dentes brancos um sorriso todo enfeitado de um carisma que deixa a gente gostando dela, em cinco segundos. Ela também é karateca, vegetariana, espiritualista, feminista e torce pelo time mais legal do mundo: o Bahia (desculpa aí). Ou seja, entre as infinitas formas de "dar certo na vida", Jéssica encontrou a dela e aqui não vou discutir privilégios e modelos porque o assunto é outro, veja bem.

Na semana passada, diante da pergunta "você está grávida?", essa mulher maiúscula se incomodou. Uma Candinha qualquer achou que a barriga de Jéssica estava maior do que "deveria" e partiu pro ataque, numa rede social. É evidente que a Candinha não estava ali, amorosamente, querendo saber se a apresentadora seria mãe. O que ela disse foi "seu corpo está inadequado, em minha opinião", da forma mais perversa que poderia dizer. Irônica, venenosa como fomos treinadas a ser. Algumas de nós continuam nesse lugar tristíssimo e, talvez, nunca saiam dali. A questão é: por que nos deixamos ferir por gente assim?

Até hoje dou risada de uma situação parecida. Há mais ou menos 20 anos, minha mãe engordou de repente e ouviu de uma Candinha: "mulher, você tá grávida?". Respondeu: "tô, menina! Imagine, nessa idade!", porque já estava nos 50 e com duas filhas adultas. Disse e esqueceu. A Candinha espalhou a notícia pela pequena cidade, mainha nem sabia da repercussão, pouco interessava, tinha mais o que fazer. Até que, meses depois, encontrou outra vez a Candinha que perguntou: "criatura, cadê a barriga?", que já devia estar maior, pelo tempo de "gravidez". Minha mãe, na lata: "perdi!" e, durante um bom tempo, rimos do povo a comentar o caso que tinha um detalhe curioso: no início da "gravidez", meu pai estava hospitalizado. Havia feito uma cirurgia cardíaca de grande porte. Ou seja, além de tudo, aquele "bebê" nem devia ser do marido. Fofoca na vila, mas quem riu foi a nossa família, do mico que a Candinha pagou.

Minha escola é essa e, se eu fosse Jéssica, diria: "estou!". Da mesma maneira que já respondi, várias vezes, "foi piolho" pra quem me pergunta por que raspei a cabeça. Adoro as caras de "não creio", morro de rir e sustento. Não dá pra levar a sério quem não entende que o corpo é da/o dona/o, apenas dela/e e de mais ninguém. Dessa pretensa autoridade ridícula, só a galhofa salva, em minha opinião. Minha comadre, na fila do banco, ao ser questionada por uma conhecida "menina, por que você engordou?", também respondeu à altura: "muita viagem internacional, muito restaurante bom, muita bebida boa... não tem como resistir". Em voz alta, diante de várias pessoas. Aí, me responda: quem ficou constrangida, no fim? Mais uma Candinha passando vergonha. Na próxima, deve pensar antes de importunar alguém.

Não dá pra cobrar elegância, cada um dá o que tem. A infelicidade, o descontentamento com a própria existência tem esse efeito, também: desejo de machucar, sacanear, desqualificar a/o outra/o. E por mais que se diga "não faça isso", aí é que farão. Por mais que se fale "isso machuca", aí é que dá mais vontade de fazer, em quem já tem. Eu nasci casca grossa, carne de pescoço, osso duro de roer. Tenho minhas/os eleitas/os, pessoas que me importam no quesito "opinião". O resto é nada e até me diverte que pensem ter alguma relevância quando, por falta de algo melhor pra fazer, decidem opinar sobre mim. Nem todo mundo nasceu assim, eu sei. Só que pode aprender a ser porque é divertido e faz bem.

Entendo o contexto de Jéssica e essa fragilidade construída em tantas mulheres com sucessivas violências, ao longo da vida. É sério, problema real. Também tentaram comigo e só não conseguiram porque, nessa vida, coisa de que eu não gosto é "padrão". Cada uma tem seus motivos, mas a gente precisa parar, urgentemente, de dar poder a quem não tem. Não que algumas pessoas sejam mais "importantes" do que outras, mas quem se coloca como fiscal de corpo alheio, de sexualidade dos outros, de cabelo da vizinha está dizendo, claramente "escolhi ser menor, sou infinitamente menor que você". A própria pessoa diz "não mereço ser ouvida" e não sou eu que vou desmentir. Nem você, espero. Assim como aguardo ansiosa, no dia em que perguntarem de novo, Jéssica responder que sim e - estando ou não - incumbir a Candinha de providenciar o chá-de-fraldas do "bebê". Isso porque a gaiatice também serve pra dizer "o meu mundo é maior que o seu", a qualquer um/a que mereça ouvir.