Jogos violentos tornam a pessoa violenta?

Atentado à escola de Suzano traz à tona o debate sobre a influência dos games

  • Foto do(a) author(a) Laura Fernades
  • Laura Fernades

Publicado em 19 de março de 2019 às 05:50

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Jogos violentos tornam a pessoa violenta? O debate voltou à tona depois que a Polícia Federal divulgou que os assassinos de Suzano eram fãs de jogos de tiro como Call of Duty e Counter Strike. O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, chegou a fazer uma relação de causa e efeito ao dizer que “o que a gente tem de estar preocupado” é com “essa garotada viciada em videogames”.

Para combater a relação entre jogos e violência, uma campanha ganhou força no Twitter com a hashtag #somosgamersnaoassassinos. “O problema não está no perfil ou no jogo. Se for assim, todo mundo que joga jogo de carro vai fazer pega. É o mesmo que dizer que um cineasta é serial-killer em potencial”, critica a desenvolvedora de jogos Ana Antar, 32, diretora geral e gerente de projetos da ERA Game Studio. Fã de jogos de luta como Mortal Kombat e Street Fighter, Ana destaca que a questão é muito mais complexa.

“Chamar o problema para a ficção é uma cortina de fumaça: quando faço isso, não me obrigo a resolver o problema real. A gente não está tratando do bullying e das doenças mentais, por exemplo, que podem ser prevenidas”, destaca. “Qual foi o nível de sofrimento que fez com que esses jovens se afastassem da sociedade, divulgassem que iam matar um monte de gente e se matar depois?”, reflete, sobre a ação em Suzano.A desenvolvedora reforça que culpar “a experiência ficcional é muito conveniente”. “Por que não se problematiza, por exemplo, por que esses meninos estão armados?”, alerta.

O bullying pode ser o gatilho para o uso de armas, mas também não deve ser encarado como fator de causa e consequência, destaca Ricardo Silva, 36, idealizador do Gamepólitan, um dos principais eventos de jogos da Bahia.

Chamado de “o nerdão” e “o cabeção”, Ricardo revela que sofreu muito bullying. “Na adolescência, para se integrar com outras células sociais, você deprecia o colega. Sofri muito bullying na escola, mas não estou atirando nas pessoas, porque a educação familiar me ajudou a enfrentar”, revela Ricardo que adora jogar Call of Duty e Counter Strike.“É muito fácil colocar a culpa em qualquer mídia de entretenimento. A gente tem um problema de aspecto social e educacional”, destaca Ricardo.Não existe, portanto, só um fator associado a esse tipo de tragédia. "Não dá para reduzir ao jogo violento, não dá para reduzir só ao bullying, não dá para reduzir só a uma relação de conflito familiar. Geralmente é a soma de vários fatores que culminam em situações trágicas assim, que na verdade geram um sofrimento emocional muito grande para os adolescentes quando soma esses fatores todos de vulnerabilidade", destaca o psicólogo e diretor de educação da SaferNet Brasil, ONG criada em Salvador e que atua no combate de crimes cibernéticos no país.

Entenda o que é a Dark Web e como ela virou esconderijo para o crime

"O que acontece é: o jogo por si só não gera violência. Mas, por exemplo: se um adolescente ou criança joga excessivamente esses jogos violentos, não consegue ter outras alternativas de lazer, perde completamente o controle das emoções jogando de maneira compulsiva, não significa que essa pessoa vá praticar um ato trágico, mas pode ser um sinal de alerta de que algo não vai bem na saúde dela. Então é um sinal de alerta para os pais ficarem atentos", alerta.

Dicas de segurança

Fonte: SaferNet

Dar limite No acesso de crianças a conteúdos digitais, o que inclui os jogos online, é importante regular as horas de uso na internet. O ideal é que não passem mais de duas horas por dia. É bom diversificar as atividades de lazer com outras que não envolvam tecnologia. Já com os adolescentes é importante equilibrar com os estudos e regular o uso nas madrugadas.

Usar o perfil “Kids” Usar o perfil “kids” ou controle parental no videogame, no computador e no tablet. Essa ferramenta ativa modos restritos dos buscadores e bloqueia o acesso a sites perigosos, assim como a instalação de programas indevidos.

Conversar É necessário manter os acordos da infância e conversar abertamente com os jovens sobre os perigos, as regras e as responsabilidades na internet. Ao acessar a Dark Web, o jovem fica vulnerável e seu computador pode ser usado para cometer ataques, podendo responder criminalmente por isso no Juizado da Infância e da Juventude.

Acolher Ensinar às crianças e aos jovens que se encontrarem conteúdo violento, ou sofrerem algum tipo de ameaça, podem e devem procurar os pais para lidar com essa situação. Importante não julgar ao ser solicitado.

Mudar a narrativa Importante criar contranarrativas ao discurso de ódio. O convite é pegar esses conteúdos e criar outras histórias. Em vez de espalhar o racismo, a violência contra nordestinos, a violência contra as mulheres e a homofobia, por exemplo, dar audiência para conteúdos de respeito e  estimular as pessoas a terem mais empatia nas trocas que fazem na internet.

Denunciar Estimule as pessoas a denunciarem crimes como pornografia infantil, racismo, homofobia, apologia aos crimes contra a vida, xenofobia, neo nazismo, maus tratos contra animais, tráfico de pessoas e violência contra as mulheres. A SaferNet tem um canal em seu site, o denuncie.org.br, e o Ministério Público Federal (MPF) também.