Justiça aceita denúncia e acusado de matar mestre Moa vira réu

Moa foi assassinado com 13 golpes de faca horas após o primeiro turno das eleições

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  • Da Redação

Publicado em 23 de outubro de 2018 às 17:16

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arquivo

A juíza Gelzi Maria Almeida Souza aceitou a denúncia do Ministério Público da Bahia (MP-BA) e tornou o barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana, 36 anos, réu pela morte do mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, o Moa do Katendê, 63. Ele ainda será julgado também pela tentativa de homicídio contra o primo de Moa.

"As qualificadores, como já tinha dito, bateram certinho", explica o promotor Davi Gallo, que fez a denúncia. Paulo Sérgio foi acusado de homicídio e tentativa de homicídio duplamente qualificados, por futilidade e impossibilidade de defesa da vítima. Agora, segundo o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), a defesa do barbeiro tem um prazo de dez dias para apresentar sua argumentação.

Depois, é preciso aguardar a instrução com oitiva de todas as testemunhas, de acusação e defesa, e o interrogatório do próprio réu para haver definição se ele vai ou não a júri popular.

Crime Moa foi assassinado com 13 golpes de faca horas após o primeiro turno das eleições. O motivo do crime foi uma briga política. Segundo testemunhas, Paulo Sérgio saiu do bar onde os dois discutiram, foi para casa e voltou com uma faca, atacando Moa.

O crime aconteceu no Bar do João, na comunidade do Dique Pequeno, em frente ao Dique do Tororó. Segundo conclusão do inquérito da Polícia Civil, que ficou pronto em oito dias, o homicídio foi resultado de uma briga por motivação política. 

O promotor relata em sua denúncia que a vítima e o acusado discutiram em voz alta no bar e "agrediram-se mutuamente de forma verbal" por discordância em relação aos presidenciáveis Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). A versão, disse Gallo, coincide com a da investigação da Polícia Civil.

Moa era eleitor do PT e Paulo Sérgio defendia o candidato do PSL. Segundo Gallo, o barbeiro deu versões contraditórias em seus depoimentos à polícia e negou o teor político da confusão - o que, para o autor da denúncia, não tem validade, já que as oito testemunhas, além da vítima sobrevivente, deram depoimentos condizentes com a versão da denúncia.

Júri popular  O fato de Paulo Sérgio ter retornado ao estabelecimento armado com uma faca tipo peixeira cerca de 20 minutos depois da confusão, de acordo com o promotor, demonstra o comportamento de uma pessoa "fria e covarde, com força totalmente desproporcional à vítima que, apesar de atleta, era um senhor idoso".

Por considerar o homicídio doloso, quando há a intenção de matar, o MP-BA pede na denúncia que o barbeiro vá a júri popular. "Todo atentado doloso contra a vida pede júri popular. A motivação é vazia, desproporcional. Moa foi atacado pelas costas, a maioria das facadas foram dadas na região da nuca e tórax. Eu não vejo motivo para que ele não vá [ao júri popular], mas eu não posso responder pelo Judiciário", afirma o promotor.

Ele explica ainda que a idade da vítima - que tinha mais de 60 anos -, obrigatoriamente, exige da Justiça um aumento de 1/3 da pena, em caso de condenação. "Acredito que ele deve receber uma pena de 25 a 45 anos pelos dois crimes, já contando esse acréscimo", estima o promotor."No que depender de mim, ele será condenado em júri popular, porque é um crime brutal, por um motivo torpe, fútil. Ele inventou várias histórias no depoimento, um direito dele, mas tudo isso cai por terra nos depoimentos, que são consistentes e sem contradição", diz. Paulo Sérgio segue preso no Complexo Penitenciário de Mata Escura, em Salvador, em regime preventivo, por prazo indeterminado, aguardando a decisão. "O fato de o Judiciário ter recebido o flagrante já é um prenúncio de que o primeiro juízo acatou a materialidade das provas apresentadas", concluiu o promotor de Justiça.

Intolerante e agressivo Com 1,80 m de altura, voz firme, careca e de cavanhaque, Paulo Sérgio Ferreira de Santana tinha se mudado do bairro do Nordeste de Amaralina para a localidade do Dique Pequeno, no Engenho Velho de Brotas, havia cerca de dois meses.

Pai de dois filhos, foi morar em uma casa alugada ao lado da companheira, que já residia no bairro. Ele disse que não conhecia Moa do Katendê até o dia do crime. 

A delegada Milena Calmon, do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), que investiga o crime, descreve o perfil do barbeiro como sendo uma pessoa intolerante e agressiva. 

Por ser novo na vizinhança, que fica nas proximidades da Arena Fonte Nova, nenhum morador mais velho o conhecia. Em depoimento à polícia, Paulo Sérgio disse que nunca tinha ouvido falar sobre o capoeirista que exercia forte influência cultural no bairro, promovendo atividades e sendo, inclusive, uma das principais lideranças do bloco de afoxé Badauê.  Delegada Milena Calmon, que investiga o caso (Foto: Marina Silva/CORREIO) Mas essa não foi a primeira vez que ele foi parar na delegacia. Depois de ser detido, a delegada Milena Calmon encontrou duas ocorrências envolvendo o nome do barbeiro. A primeira, de 2009, quando ele foi vítima de agressão por parte de quatro homens após uma discussão.

De acordo com a delegada, à época, ele deu entrada no Hospital Geral Roberto Santos para cuidar de ferimentos. Não se sabe, no entanto, o motivo da briga, nem se ele teria provocado a confusão.

Já em 2014, o barbeiro foi acusado por um adolescente de 14 anos de ameaçá-lo com uma tesoura depois do menor pedir R$ 0,50. A vítima procurou a Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Criança e o Adolescente (Dercca) para formalizar a denúncia. Mesmo depois do caso ser registrado, Paulo Sérgio não foi preso. O registro, explica a delegada, não apresenta muitos detalhes sobre o caso.

“No registro temos apenas: o garoto de 14 anos teria sido vítima de agressão física e verbal por parte de Paulo Sérgio. O adolescente teria pedido a quantia de R$ 0,50 para completar o valor do corte de cabelo e que isso teria irritado o autor, que passou a agredir verbalmente. O mesmo teria quebrado o seu relógio dizendo ser uma ‘peça barata’ e que ainda teria colocado uma tesoura no seu pescoço. No entanto, não diz o local onde ocorreu”, explica Milena. 

Já sobre a morte de Moa, Paulo Sérgio disse para a polícia que, antes de cometer o crime, começou a beber os primeiros copos de cerveja durante a tarde, por volta das 15h, quando o cenário político do segundo turno ainda estava sendo decidido nas urnas.

A bebedeira foi até a noite, quando resolveu ir ao Bar do João, estabelecimento que fica nas proximidades do Dique do Tororó, no bairro de Engenho Velho de Brotas. Lá, em um determinado momento, já por volta da meia-noite, o barbeiro resolveu pôr em discussão com o dono do estabelecimento as propostas do candidato do PSL, Jair Bolsonaro, segundo testemunhas que estavam no local. 

De acordo com a delegada, o barbeiro argumentava com o dono do estabelecimento que era preciso haver mudanças no Brasil, quando o capoeirista interrompeu a conversa se mostrando contrário as suas ideais.“O que se sabe é que o crime tem relação política. A vítima teria se intrometido e, após uma rápida confusão, Paulo Sérgio foi em casa e retornou golpeando o capoeirista. Ele disse, em depoimento, que apoiava o candidato de direita”, conta Milena. Paulo Sérgio chegou por volta das 11h30 de segunda-feira (8) na sede do DHPP, no bairro da Pituba, ao lado de dois policiais. Ao avistar a presença da imprensa, cabisbaixo, tentou esconder o rosto utilizando uma das mãos ferida por uma faca tipo peixeira usada para cortar carne em sua casa. Barbeiro chega escoltado por policiais na sede do DHPP, na Pituba (Foto: Marina Silva/CORREIO) A mesma arma branca foi usada para desferir 13 golpes no Mestre Moa. Durante a sua apresentação à imprensa, o barbeiro negou as acusações. Disse não se lembrar de quantos golpes desferiu contra a vítima que, de acordo com a família, era eleitor e simpatizante do Partido dos Trabalhadores (PT).

Negou também que a motivação do crime tenha sido por política – entrando em contradição já que, durante interrogação policial, minutos antes de ser apresentado a jornalistas, ele confessou o verdadeiro motivo do homicídio à delegada.

“Eu estava conversando com o dono do bar sobre futebol quando esse senhor aí, o que veio a óbito, levantou e me chamou de negro e ‘viado’. O dono do bar viu e separou. Ele (dono do bar) viu tudo, outros (clientes) também. Já pedi desculpas à família e peço mais uma vez, momento nenhum foi a minha intenção (de matar). Me entreguei”, conta.

Ao chegar na sede do DHPP, além de apresentar a mão esquerda enfaixada com gases, o acusado estava sem camisa, vestindo um short - ainda ensanguentado - e calçando apenas uma única sandália.