Lembranças da Trezena de Santo Antônio na Fazenda Coutos

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  • Da Redação

Publicado em 4 de junho de 2019 às 11:42

- Atualizado há um ano

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Lembro com muito gosto da época em que o mês de junho era esperado com muito fervor pelos baianos. Estou falando dos anos 80 e 90, décadas em que vivi a minha adolescência e início da fase adulta.

Eu morava já na comunidade de Fazenda Coutos 3 e, diga-se de passagem, cheguei lá no dia de Santo Antônio, santo casamenteiro que virou padroeiro da comunidade por chegarmos justamente na data em que fechavam os seus festejos da trezena - conjunto de orações feitas por treze dias. Era 1982, acontecia então a fundação daquela comunidade num projeto de pós-ocupação, organizado pela prefeitura de Salvador, por entender que não podíamos continuar ocupando a área da cidade chamada de Malvinas, que era próxima à Avenida Paralela, por se tratar da entrada da cidade. 

Tenho lembranças remotas de ver as senhoras, junto com minha mãe, arrumando o altar para começar a trezena de Santo Antônio, que era tão esperada pela comunidade. Os festejos incluíam distribuição de alimentos, dentre eles o pãozinho do santo, que para nós era uma espécie de garantia de que ele, assim como garantia o casamento, também não deixaria faltar a farinha em nossas mesas. Era a fé se materializando num pedaço de pão distribuído por pessoas que tiravam do próprio bolso o financiamento da festa que alegrava por 13 dias uma comunidade tão carente de atenção.

O grupo de teatro que ajudei a criar quando tinha apenas sete anos era o responsável pelas atividades artísticas da trezena. Cantar, tocar e interpretar eram as atividade que me faziam bem e me projetaram na comunidade como líder daquela festa. Anos depois, passei a coordenar o projeto, que cresceu e começou a receber os não religiosos, que, por curiosidade e necessidade de diversão, se juntavam aos grupos para fazerem a pamonha, o mingau, cozinhar o milho; torrar amendoim e tomar um licor, que não podia faltar mesmo sendo uma festa na igreja.

Ah, como era bom! Era bom ver os casais namorando no fundo da igreja, escondidos. Muitos foram até ouvidos por Santo Antônio e casaram, tiveram filhos e viveram sob a proteção do Santo, acredito eu. Afinal de contas, o Dia dos Namorados cai no meio da trezena…

Era bom ver também a comunhão de Dona Didica com a comunidade. A mãe de santo que morava em frente a igreja e nos dias de Alvorada, que começa às 5h da manhã do dia 13, sempre doava café da manhã com bolo e mingau aos participantes. Anos depois fui entender esse ato ecumênico e prefiro dizer, em resumo, que Ogum fica feliz em saber que a batalha da fome também é vencida com caridade. Cito Ogum porque ele é sincretizado nesse dia, assim como outros santos são em outras datas.

E como não firmar o ponto de Ogum sem crer na fé que pode afastar a fome, a tristeza e o abandono que a festa do casamenteiro pode proporcionar? Impossível. Esses dois santos, como dizem o povo, são diferentes e realmente não participam da mesma casa de culto em fundamentos. Não mais. Digo isso porque Ogum, na sua essência africana, representa para nós a resistência, a estratégia e a força.

No Brasil, Ogum, não pôde ser cultuado como era na Nigéria e teve que ser disfarçado de santo católico para continuar vivo e salvar o povo das mazelas impostas pela história dessa nação. Sincretizado, Ogum permanece vivo no meio popular em todo Brasil e, mesmo que chamado de Santo Antônio por muitos, fica feliz por saber que a batalha de cada um pode ser vencida durante esses dias de alegria.