Lideranças indígenas da etnia Truká-Tupã vão ser incluídas em programa de proteção

Entre as agressões denunciadas pelas famílias estão tiros na aldeia, envenenamento e mutilação de animais

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  • Priscila Natividade

Publicado em 18 de outubro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Até terça-feira (17), as lideranças indígenas da etnia Truká-Tupã devem ser incluídas no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) após sofrerem ameaças por disputas de terra no município de Paulo Afonso. A confirmação foi feita pelo superintendente de Apoio e Defesa aos Direitos Humanos (SUDH), Jones Carvalho, que destacou a gravidade da situação no Alto do Aratikum, onde a comunidade é vítima de ataques violentos por parte dos posseiros, vizinhos à área que residem legalmente  há 14 anos.

“Já estamos acompanhando o caso. A terra realmente não é dos fazendeiros como eles reivindicam, eles não têm nenhuma documentação. São terras devolutas do estado. Reforçamos o apoio da PM local com a questão das rondas. É uma situação realmente muito séria porque as ameaças são constantes, explícitas e públicas”, afirma Carvalho.   

Na última quinta-feira (14), representantes da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS) fizeram uma visita na comunidade para ouvir as vítimas. Entre as agressões denunciadas pelas 18 famílias que moram na área estão os cortes de cerca, tiros na aldeia, envenenamento e mutilação de animais, agressões físicas, ameaças de morte, incêndios criminosos e até mesmo o boicote na principal bomba d’água da aldeia, como descreve o superintendente. A comunidade está sem luz e sem água, sendo abastecida por carro pipa, duas vezes na semana.

“Vamos conversar com órgãos do governo para ver ser se como estado, a gente pode fazer alguma coisa sobre a demarcação. Os filhos dos fazendeiros querem tomar a força o terreno e fazem ameaças de todas as formas para  que os indígenas desistam da terra. Outro problema que nós vamos verificar envolve a Coelba. Com o boicote da bomba d'água feito pelos agressores, a companhia alegou um gato de energia e aplicou multas de R$ 50 mil para os indígenas, porém, eles são vítimas de sabotagem”.

Um dos moradores mais ameaçados é o vice-cacique da aldeia de etnia Truká-Tupã, Adriano Rodrigues, que chegou a registrar, em 11 de agosto, um boletim de ocorrência na 1ª Delegacia de Paulo Afonso contra um dos posseiros, que o agrediu na agência do Banco Santander, quando estava na fila aguardando atendimento. Junto com a cacica Erineide, ele é uma das lideranças que serão incluídas no programa de proteção.“O filho de um dos fazendeiros me ofendeu, me chamando de ‘negro safado’, dizendo que eu não era índio e sim ladrão de terra. Deu dois tapas no meu peito e ao sair do banco seguiu me ofendendo. Prestamos queixas também no Ministério Público. Estamos muito sofridos de passar muitas coisas dessas lutas da terra. A proteção nesse momento é muito importante”.Adriano conta ainda que a casa da irmã foi invadida e que a mãe dele foi mais uma vítima das ofensas, quando estava com ele na feira. “Eles matam cachorros, cortam o arame das cercas e nos ofendem. Minha irmã não pode mais dormir na casa dela, por conta dos ataques e minha mãe não anda mais na cidade sozinha, devido às ameaças”, diz.

Disputa de terra A colaboradora da Sociedade Brasileira de Ecologia Humana (SABEH) e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que auxilia na assessoria jurídica do povo Truká-Tupan, Alzení Tomáz, destaca que os indígenas aguardam há quase 15 anos a demarcação do território pela Fundação Nacional do Índio (Funai). No entanto, A Justiça Federal concedeu o direito à comunidade, mesmo após três tentativas de reintegração de posse. Os agressores estão associados ao posseiro José Balbino e principalmente a seu filho Sergio Marques dos Santos, que, inclusive, agrediu Adriano Rodrigues, no episódio do banco.

“Diante da circunstância de morosidade da Funai, o posseiro resolveu entrar com processo de reintegração de posse, sendo que a Justiça Federal, veio a extinguir o processo por falta de comprovação da legalidade da posse por parte do suposto dono Sr. José Balbino. O que levou o povo Truká-Tupan a conquistar sua segurança jurídica. Ocorre que mesmo diante disso, os Truká-Tupan, não conseguiram a paz e, sistematicamente, vivenciam situações de violência contra a vida”, explica.

Ainda de acordo com Alzení, os conflitos se intensificaram desde a decisão judicial em 2014. “As ameaças se entendem para além da integridade física individual e coletiva, causando medo e instabilidade na aldeia, com consequências irreversíveis psicologicamente entre adultos e crianças, bem como, comprometendo a subsistência das famílias na comunidade. Os fazendeiros estão articulados com vizinhanças anti-indígenas que também atuam com cortes de arame, tiros, desmatamentos. Todos esses momentos foram registrados boletins de ocorrência, mas, sem nenhum andamento de inquéritos”.

Até o fechamento da reportagem, a Funai ainda não tinha se posicionado sobre o andamento do processo da delimitação de terra, nem a Polícia Civil com relação às investigações das agressões registradas na 1ª DT de Paulo Afonso. Em períodos de chuva, os Truká-Tupan plantam roçados coletivos e vivem basicamente do criatório de abelhas, que nas últimas semanas apareceram com suas caixas violadas e muitas delas destruídas.

A co-coordenadora do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba) e vice-presidente do Conselho Estadual dos Direitos dos Povos Indígenas do Estado da Bahia (Copiba), Patricia Krin si Atikum, reforça que a comunidade indígena está atenta:“O que vemos é sempre uma forma de tocar o terror, de dizer para os Truká-Tupan saírem da terra, ameaçando as pessoas para que, amedrontadas, possam sair do território que por lei já é delas. Vamos continuar dando visibilidade ao caso, ao que está acontecendo, recorrendo ao Poder Público e prestando esse tipo de assistência, mostrando que os Truká-Tupan não estão sozinhos e que outros povos apoiam”.Patrícia teme pela segurança das lideranças. “A polícia é sabedora de tudo que está acontecendo. Temos esperança de que, ao ver que todos estão de olho, que está todo mundo envolvido e que a polícia está dando proteção a comunidade, os posseiros pensem duas vezes antes de fazer qualquer tentativa. Inclusive, a gente teme pela vida dessas lideranças que já foram perseguidas no meio da feira, agredidas no banco, cenas que realmente são lamentáveis”, completa.