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Paulo Leandro
Publicado em 15 de dezembro de 2021 às 05:10
- Atualizado há 2 anos
Hoje é a última chance do ano para apreciar o time do Atlético Mineiro, diante do xará paranaense, lá em Curitiba, com transmissão direta pela TV Bahia, depois da novela, tendo o Galo construído uma vantagem em Belo Horizonte, com os 4x0 de domingo.>
A largura da contagem não seria demais se o Atlético Mineiro não tivesse também demonstrado imensa superioridade na arrumação tática de suas linhas, na troca de passes rente ao chão em sentido vertical, nas virtudes individuais de seus campeões.>
Além do ótimo goleiro Éverson, chama a atenção a fluidez dos movimentos de Guilherme Arana, pronto a apoiar pela esquerda, buscar o companheiro melhor colocado do meio pra frente, servir com perfeição quem se desloca ou tentar o arremate bem no alvo.>
É o Atlético de Nacho, de Keno, de Hulk, um time capaz de recuperar o prazer da contemplação de beleza não-intencional de uma partida, reativando na memória de quantos tenham vivido bem os anos 1970, outras figuras lendárias na mitografia alvinegra.>
‘Não-esquecer’ estaria colado à verdade (Alétheia), daí convocar o artilheiro Dario, o meia Oldair, os pontas Vaguinho e Romeu, sem deixar de construir um altar ao arqueiro uruguaio Marzukiewicz, e depois Renato, tem também o zagueiro Vantuir, o lateral Humberto...>
Correspondendo à ideia ou forma de bola, temos o timaço do zagueiro Luisinho, do meia Cerezo, dos pontas Paulo Isidoro e Éder, do meia Ângelo; no gol, João Leite, barreira divinal; e no comando, na condição de escultor-chefe deste ateliê, o artista Reinaldo, além de Rei, um guerreiro, dizendo-se “mais um torcedor”, ao entrar em campo a aplaudir a massa atleticana em delírio.>
Comemorava Reinaldo, suas belas pinturas, com o punho esquerdo para cima, e o braço direito voltado para trás, à maneira dos panteras negras, grupo antirracista dos Estados Unidos, organizado em sintonia com Malcolm X, líder covardemente assassinado em uma daquelas tramas estranhas, nas quais tanta Swat e polícia especializada nunca desvelam.>
Poderia Reinaldo, como tantos outros craques, curvar-se ao regime do momento, tornar-se servo ideologicamente, no entanto, optou o artilheiro por denunciar, a cada golaço, a necessidade de o Brasil começar a pagar sua conta pelos 350 anos de escravizados mais este nosso período pós-abolição, quando o genocídio do povo negro segue sem piedade.>
Na Copa de 1978, o Rei fora ameaçado de barração, caso reincidisse mencionar em seu gesto a luta contra a desigualdade racial, mas o caráter falou mais forte e, logo ao marcar o gol de empate contra a Suécia, lá se foi o goleador artista levantar o punho tão alto quanto pôde.>
Resultado: o capitão Claudio Coutinho o sacou do time, após o empate com a Espanha, quando a competição começava a afunilar e tudo coincidiu para classificar a Argentina, em período sombrio da Operação Condor, enquanto a sociedade civil começava a mobilizar o Brasil rumo à redemocratização: “lutar, lutar, lutar, este é o nosso ideal!”>
Ao curtir o novo Galo, é possível entrar no Túnel do Tempo e rever no campo do sempre, Reinaldo e outros ídolos, bem como a figura iluminada de Telê Santana, hoje seguido por Cuca, na arte de conquistar as vitórias, sem desprezar a devoção à deusa bola. Fogo nos racistas, meu Rei!>
Paulo Leandro é jornalista e professor doutor em Cultura e Sociedade.>