Mãe e gêmeas depõem sobre episódio de racismo no metrô: 'Só quero que tudo isso acabe'

A garotas foram supostamente chamadas de 'bucha 1' e 'bucha 2' por um segurança do metrô por usarem o cabelo black power

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 13 de fevereiro de 2020 às 18:55

- Atualizado há um ano

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. por Marina Silva/CORREIO

As meninas gêmeas Verena e Valentina de três anos e a mãe delas, Sandra Waydee, foram ouvidas na Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Criança e o Adolescente (Dercca), em Brotas, nesta quinta-feira (13), quanto à denúncia do episódio de racismo sofrido nas dependências do metrô no final de janeiro deste ano.

Segundo Sandra, que é técnica em metalúrgica, desde que o caso ocorreu, ela teve que parar o trabalho para resolver a questão da denúncia. Como ela sofreu resistência nas delegacias para conseguir registrar o fato como crime de racismo, a Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados da Bahia (OAB-BA) passou a dar orientação e apoio jurídico no caso.

“Hoje eu relatei tudo o que aconteceu. Estou na expectativa para saber qual será o posicionamento deles. Tudo é muito novo para mim, nunca passei por uma situação dessas. A gente não pode se calar para um crime que tá acontecendo quase diariamente e é importante que as pessoas que passem por isso não se calem e serve para que as pessoas que pensarem em fazer, pensem duas vezes”, disse a mãe.  Linda 1 e Linda 2: CORREIO fez ensaio fotográfico com as gêmeas (Foto: Marina Silva/CORREIO) No dia 25 de janeiro, as garotas foram supostamente chamadas de “bucha 1” e “bucha 2” por um segurança da estação Rodoviária por usarem o cabelo no estilo black power. 

De acordo com a comissão da OAB-BA, funcionários da CCR Metrô deverão ser ouvidos nos próximos dias e, em seguida, haverá a fase de apresentação de testemunhas. Finalizado o inquérito policial, o documento será enviado ainda para o Ministério Público da Bahia (MP-BA). Enquanto isso, as crianças irão passar por acompanhamento psicológico.“A minha esperança é que um dia tudo isso acabe. As pessoas acham que por elas terem só três anos isso não mexeu com a autoestima delas, mas mexeu. Elas passaram a pedir para prender e eu falei que não, que o cabelo delas é lindo. E como a gente tá vivenciando essa história, toda hora elas lembram”, acrescentou Sandra.Apesar do trauma, a mãe acredita que é melhor que as meninas lembrem do episódio quando crescerem para que saibam que lutaram por elas.“Se a gente esquece, é como se fosse um trauma mal tratado. E quando a gente conversa, dialoga, a gente conscientiza e se aceita. É muito melhor do que esquecer”, finalizou. A OAB-BA orienta que qualquer pessoa que se sentir lesada por crime de racismo ou injúria racial pode procurar a autarquia através da Comissão de Promoção à Igualdade Racial através do telefone (71) 99101-8071, do e-mail [email protected] ou através de mensagem direct pelo Instagram @igualdaderacial.

'Linda 1 e linda 2': modelos, gêmeas vítimas de racismo acumulam elogios; veja mais fotos Aos 3 anos, Verena e Valentina enchem o peito para dizer que têm 'profissão': "Modelo!". A beleza das gêmeas soteropolitanas não encanta só os milhares internautas que se derretaram nas redes sociais do CORREIO na semana passada.

Em 2019, a duplinha participou de uma convenção de modelos e foi aprovada pelas cinco agências que trabalhavam com crianças. Mas, não foi fácil para a família manter a 'profissão' das meninas. Era preciso agenciar e tudo isso custa caro.

A mãe, Sandra, batalhou até conseguir que a inscrição de uma delas na convenção saísse de graça. O pai passou três dias trabalhando como segurança no evento para garantir a inscrição da outra. Depois de finalmente inscritas e aprovadas, a mãe propôs dividir os lucros meio a maio com uma agência caso aparecessem trabalhos. (Foto: Marina Silva/CORREIO) "Sempre que pinta uma oportunidade, eu levo porque é uma coisa que elas amam fazer. Elas ficam super empolgadas, super animadas. Onde elas andam, elas falam que a profissão delas é modelo", conta Sandra, orgulhosa.Hoje, elas são agenciadas pela Dior Kids e também desfilam pela Negrif. 

As reações sempre calorosas e carinhosas recebidas pelas meninas destoam completamente do episódio de racismo que tiveram que enfrentar no último dia 25 de janeiro, na estação Rodoviária do metrô. Um segurança gritou, assim que viu as meninas: "Misericórdia! Bucha 1 e bucha 2".

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Sem entender, as duas começaram a perguntar o que era "bucha". Depois, uma delas disse para a irmã: "Ele estava falando do nosso cabelo". No dia seguinte, a reação foi inevitável.

"Elas queriam lavar o cabelo, prender. Eu disse que não, não tem porque prender o cabelo. A Dra. Dandara Pinho (da OAB-BA, que acompanha o caso) me orientou que seria importante elas passarem por acompanhamento psicológico", contou a mãe.

E ela fez bem. O psicólogo Valter da Mata Filho, coordenador do Grupo de Trabalho Psicologia e Relações Raciais do Conselho Regional de Psicologia (CRP-03), explica que as pessoas próximas, os adultos, precisam mostrar que existem outras possibilidades de ser e estar no mundo, outras estéticas que não foram convencionalizadas como "certas". (Foto: Marina Silva/CORREIO) "As pessoas próximas tem um papel crucial na vida dessas crianças. Não podem legitimar as agressões que elas sofreram através da domesticação de corpos e mentes", afirma.A autoestima é fundamental para a construção de uma identidade positiva, afirmada. No caso de Verena e Valentina, que valham as respostas dadas ao comentário racista e criminoso do segurança: "Linda 1 e linda 2!".

A CCR disse que “repudia atitudes racistas ou discriminatórias e está apurando o caso”. A concessionária foi procurada para que este ensaio fosse feito no metrô, mas não permitiu. (Foto: Marina Silva/CORREIO) *As modelos Verena e Valentina vestem Negrif @madanegrif)