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Pesquisa 100 Lugares Incríveis para Trabalhar mostra que muito ainda precisa ser feito para inclusão
Carmen Vasconcelos
Publicado em 14 de junho de 2021 às 06:00
- Atualizado há um ano
A Analista de Diversidade & Inclusão Josiane Souza iniciou a carreira em empresas de Telemarketing, auxiliando os clientes com resoluções de problemas e apoio às dúvidas. Há cinco anos, ela ingressou na empresa de Tecnologia da Informação Qintess e estranhou a forma como foi recebida. “Ficou claro que houve o preparo dos ambientes e das pessoas para que a integração acontecesse de forma harmoniosa e tranquila”, diz ela que, hoje, é líder na área de atuação.
Toda a surpresa na recepção de Josiane é reflexo uma longa cultura de exclusão vivida por profissionais que integram a comunidade LGBTQIA+. São Piadas, comentários desprovidos do menor respeito ao próximo, afastamento dos grupos de trabalho, velados constrangimentos no ato da contratação, dispensas de empregados com desculpas esfarrapadas que mostram que a cultura de inclusão está longe de ser uma realidade vivida pelas organizações brasileiras. “Em toda minha trajetória precisei lutar para ser tratada e respeitada como mulher, incluindo na vida profissional e isso era prejudicial na execução das minhas atividades profissionais”, conta Josiane, que é uma mulher transgênero.
No caso da Qintess, a atuação de Josiane possibilitou o reconhecimento, em qualquer âmbito da empresa, incluindo documentos corporativos e benefícios oferecidos com o nome social. “Também há a extensão do convênio médico para dependentes em uniões homoafetivas e o uso da linguagem escrita inclusiva em nossas comunicações”, comemora a analista, que reforça que a empresa trabalha na perspectiva dampliação da equipe rumo a um quadro cada vez mais diverso. “Somos parceiros da Transempregos, além disso, possuímos a Academia Novos Mundos, com treinamentos na área de tecnologia para possibilitar a inclusão de pessoas LGBTI+, jovens periféricos, entre outros representantes da diversidade no mercado de tecnologia”, completa. Josiane conta que durante toda a vida profissional precisou lidar com as dificuldades de inclusão no ambiente de trabalho por ser uma mulher trans (Foto: Divulgação) Diversidade nordestina
O gerente regional de Auto Serviço e coordenador do grupo LAGER, que é um grupo interno de LGBTQIA+ na AMBEV, Leonardo Gomes da Cruz também viu o ambiente de trabalho como um espaço de respeito. “Acredito que o primeiro passo para que uma empresa implemente uma cultura de inclusão é aceitar que ainda temos muito a fazer e que precisamos ser embaixadores dessa transformação, promovendo a mudança de dentro da empresa para fora”, afirma.
Para ele, o preconceito e a falta de inclusão são problemas crônicos da sociedade e, consequentemente, se refletem no mundo corporativo. “A diferença então é que quem aceita o problema, abre espaço para evoluir e consegue criar planos que efetivamente dêem resultados”, completa. Leonardo salienta que, há alguns anos, a Ambev mudou radicalmente sua postura em relação à Diversidade e Inclusão nos principais fóruns com a liderança da companhia. “Ver os líderes tratando o tema com seriedade engaja toda a empresa a evoluir cada vez mais”, diz.
Ele pontua que a empresa também se debruçou sobre os dados de percentual de mulheres, negros, LGBTQIA+, pessoas com deficiência por área e função para que cada líder tivesse um compromisso de evolução nos indicadores de Diversidade com um plano de ação desenhado com o time. “No recrutamento, estamos redirecionando os esforços para garantirmos uma porta de entrada mais diversa. Temos também o Programa Representa, estágio exclusivo para universitários negros, que tem trazido muita gente boa para a companhia”, conta. Leonardo vem auxiliando a AMBEV a ampliar a cultura de diversidade e defende a importância dos gestores estarem sensibilizados para essa questão (Foto: Divulgação) O gerente regional destaca ainda que, no Nordeste, a Ambev está reforçando o conhecimento dos líderes homens sobre machismo através de dinâmicas com o coletivo Cabra Macho, por exemplo. “Trouxemos alguns especialistas para falar sobre discussões raciais, ensinamos sobre o universo LGBTQIA+ e estamos discutindo os temas de capacitismo e como podemos incluir pessoas com corpos diversos. Sabemos que evoluirmos em Diversidade e Inclusão é uma jornada longa, mas estamos direcionando esforços de toda a companhia para as ações que desenhamos”, destaca.
Ações efetivas para diversidades
O pesquisador e consultor de gestão de pessoas e organizações da FIA Employee Experience – FEEx e especialista em gestão de competências, liderança, sustentabilidade e diversidade LGBTQIA+ Fernando Garcia cita a pesquisa 100 Lugares Incríveis para Trabalhar FIA/UOL (2020) que mostrou que existe dificuldade em estabelecer políticas formais relacionadas ao tema, com apenas 49% das empresas tendo alguma política relacionada as ações voltadas para a inclusão do público LGBTQIA+ . “Um avanço significativo é o fato de que 48% dos Lugares Incríveis para Trabalhar possibilitam que os empregados com cônjuges do mesmo sexo possam ter acesso aos benefícios (como plano de saúde e odontológico) oferecidos pela organização. Porém, ainda é uma realidade distante para o conjunto das empresas participantes, nas quais a prática está presente em apenas 24%”, salienta.
O pesquisador chama atenção para o fato de que as empresas premiadas também se destacam pelo fato de 31% delas apresentarem ações de treinamento para que gestores evitem discriminações no ambiente de trabalho, enquanto no conjunto das empresas participantes apenas 16% possuem prática semelhante. “Como a liderança e os gestores de linha são os principais porta-vozes da estratégia organizacional e dos objetivos da empresa, a adoção de práticas nesse sentido é de extrema importância para que a empresa possa evoluir de um cenário de prevenção de danos para um cenário de inclusão do público LGBTQIA+, onde os valores de respeito e igualdade possam ser compartilhados nas equipes e fomentem um ambiente de inovação e criatividade”, esclarece.
Fernando Garcia afirma que o maior entrave para a promoção da inclusão da população LGBTQIA+ está na proporção de empresas que informaram que não fazem diferenciação de ações de inclusão por orientação sexual (45% entre as premiadas e 47% entre as empresas não premiadas) e as que propriamente não possuem qualquer prática relacionada à temática (4% entre as premiadas e 9% entre as não premiadas). “O fato dessas empresas não definirem práticas específicas para o público LGTQIA+ resulta numa piora da percepção desses funcionários sobre os aspectos relacionados ao suporte oferecido pela organização em casos de injustiça, e ao tratamento e respeito no ambiente de trabalho”, finaliza.
Inspirações em favor da diversidade e inclusão
O gerente de diversidade e inclusão da TIM, Alan Kido reconhece que ter uma cultura diversa e inclusiva é uma jornada longa e não acontece de um dia para o outro. "Acreditamos que o primeiro passo é partir de um processo de autocrítica, olhando para dentro da empresa para entender como ela de fato vive o assunto, envolvendo as diversas estruturas e níveis hierárquicos", afirma. Ele pontua que, na TIM, o tema é trabalhado há alguns anos. "Mapeamos as iniciativas existentes e buscamos benchmarking, além de levantar e analisar indicadores internos e de mercado, para assim identificar as oportunidades e definir um plano de ação".
Kido destaca que a empresa definiu um plano de ação em cinco pilares: LGBTI+, raça, gênero, pessoas com deficiência e gerações e que contemplou a criação/revisão de políticas, plano integrado de treinamento e comunicação, criação de grupos de afinidade e do comitê de diversidade e inclusão. “O envolvimento da alta liderança da companhia é essencial. Nosso Comitê de Diversidade & Inclusão composto pelo presidente e pelos seus reportes diretos, se reúnem trimestralmente para acompanhamento e validação das ações propostas”, explica. No mais recente acordo coletivo de trabalho, a empresa inseriu a possibilidade de licença para profissionais TIM vítimas de situações de LGBTfobia, além de apoio psicológico e assistência jurídica gratuita, já oferecido há algum tempo, em casos de discriminação. Para pessoas trans em processo de transição de gênero é oferecida a possibilidade de folga remunerada. O grupo chamado Orgulho+, envolve quase 100 colaboradores e colaboradoras, que se reúnem mensalmente para dialogar e propor ações que são levadas posteriormente ao Comitê de D&I.
“Também temos o compromisso de contribuir para a redução da taxa de desemprego das pessoas LGBTI+ no Brasil. Patrocinamos a Feira DiverS/A 2021, maior evento de empregabilidade LGBTI+ da América Latina, e vamos lançar um Programa de Indicação LGBTI+, onde colaboradores TIM poderão indicar profissionais desse grupo minorizado às vagas da TIM”, completa.
Perfil
Quem é: Raquel Virgínia, mulher trans e negra, cantora e vocalista da banda As Baías, fundadora da Nhái! Raquel Virgínia desenvolveu a Startup Nhaí! voltada para a inovação de projetos de comunicação e entretenimento com absorção de colaboradores diversos (Foto: Divulgação) Uma pesquisa realizada pela consultoria Accenture destacou que companhias diversas e inclusivas são 11 vezes mais inovadoras e possuem funcionários seis vezes mais criativos do que a concorrência. Com uma equipe diversa e formada integralmente por pessoas transgêneras e/ou negras, a startup de ideias e negócios Nhaí! desenvolve projetos que agregam credibilidade e representatividade real ao discurso da diversidade.
Fundada em 2019, por Raquel Virgínia, a Nhái! surgiu da vontade em contribuir para a inovação de projetos de comunicação e entretenimento com visão ampla e foco em diversidade. “A startup desenvolve projetos das mais variadas formas e modelos, se adaptando às tendências do mercado. Isso quer dizer que sempre elaboramos planos pensando em contribuir para evolução de um mercado mais diverso e qualitativo”, explica a empresária.
Com foco em três pilares, diversidade, tecnologia e criatividade a Nhaí! já vem desenvolvendo projetos para marcas que buscam se comunicar de forma leve, real, verdadeira e divertida com as audiências. “Representatividade é a nossa realidade. Além de aplicarmos os vieses da temática racial e de gênero a projetos que trazem comunicação. Também prestamos consultoria a empresas que querem internamente desenvolver um olhar mais diverso e inovador com relação a essas temáticas”, afirma Raquel Virgínia.