Me despedaço em saudades da arquibancada

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  • Gabriel Galo

Publicado em 17 de fevereiro de 2020 às 09:46

- Atualizado há um ano

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A distância é grande demais para viver a dor e a delícia do dia-a-dia. Milhares de quilômetros separam as nossas casas, e mais um par de milhares até Salvador. Coisas da vida.

As férias de verão são o momento oportuno, senão único, de passar aos meus filhos aquilo que me marca. Na programação para este 2020, uma providencial visita à terra de nascença do papai, com especial atenção à primeira ida a um estádio de futebol e fazê-los cantar, a plenos pulmões, a paixão que um dia tive na idade deles.

O trabalho já vinha feito há um tempo. Enquanto o mais velho, anos antes, visitara a cancha vestido a caráter, mais preocupado em conseguir descer ao campo de jogo e ir-e-vir pelas arquibancadas em brincadeira, a mais nova teria seu primeiro contato com essa entidade sobrenatural que é o clima de um jogo de futebol. Foram apresentados - ele já não se lembrava, ó, lonjura, que esfacela a alma - aos cantos e, batata, éramos todos um em manto.

Não sei ao certo se é uma maneira de instintivamente se aproximarem do pai, declarar paixão assim, sem ter nem porquê, apenas para agradar e poderem dizer ter algo em comum. O que sei é que na semana acumularam-se jogos, e abraçados assistimos a uma sequência arrebatadora, que fez fortalecer ainda mais a conexão entre nós, calcada no grito pelo gol, no êxtase pela classificação.

Cercamos a estreia no gigante monumental de grande expectativa. Tão cedo fosse, seguimos rumo. O público pequeno, numa cidade que respira Carnaval, deixava o ambiente ainda mais seguro para nossa aventureira incursão.

Tudo era novidade. A multidão de iguais. As barracas de iguarias. A fila do ingresso. A pausa na loja do clube para abastecimento de camisa adequada ao tamanho. O encontro de amigos que torna tudo mais prazeroso.

Em especial, o toque mágico daquele sentimento de completude quando pela primeira vez adentramos as catracas e vemos o tapete verde estendido para o maior espetáculo da terra. “Uau!”, repetem eles, enquanto vou buscando contê-los para que não saiam correndo a explorar cada canto sem supervisão.

Mostro o lugar preferido do papai no estádio. Ali nos acomodamos. Passa o sorvete de cajá com coco. Amendoim. Pipoca. Refrigerante. Estádio de futebol tem gosto de pode-tudo.

Um gol! Comemoramos juntos. Outro gol! Comemoramos ainda mais.

A torcida canta um cântico tradicional. Querem aprender para poder acompanhar.

Ao final, refletores em despedida, eles tagarelando lembranças e listando o que mais gostaram. São, pois, novos torcedores, forjados na arquibancada, no embalo do povo de que agora fazem parte.

Em poucos dias, entretanto, embarcarão de volta para a vida cotidiana que assisto à base de vídeo-chamadas diárias e eventuais visitas, quando viável.

Tranquilizo-me da dor angustiante de vê-los em adeus pelo vínculo de companheirismo eterno, sacramentado no altar da arquibancada que chamarão de lar. E sorrio por este prazer inexplicável de perpetuar identidades que não possuem lógica, apenas afeto e paixão. Certo estou de que levam no retorno um pedaço importante do papai com eles, que carregarão no peito, mesmo que não se lembrem exatamente como foi, mas sabendo, do jeito deles, que é importante, que é valioso.

O que a arquibancada forjou, distância nenhuma há de quebrar. E me despedaço em saudades.