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Marcela Vilar
Publicado em 31 de agosto de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Se algum número desconhecido te enviar uma mensagem no Whatsapp se passando por um médico ou uma médica e te pedir algum depósito ou transferência em dinheiro, fique atento, porque pode ser golpe. Profissionais de saúde baianos são os novos alvos do “golpe do zap”, que já atingiu advogados, magistrados e dentistas, inclusive de outros estados, como Pernambuco, Minas Gerais e Goiás. >
Os golpistas utilizam a foto do(a) médico(a), que conseguem encontrar facilmente nas redes sociais, e pedem dinheiro a familiares, amigos e conhecidos que normalmente estão nas listas de contato dessas vítimas. Pelos menos quatro números de telefone** foram identificados pela reportagem como utilizados pelos criminosos, que trocam quase diariamente as fotos de perfil. Ou seja, todos os dias eles assumem a identidade de um médico diferente. Na última sexta-feira (28), os perfis trocaram de foto cinco vezes entre 9h e 15h. >
O CORREIO teve conhecimento de sete profissionais de saúde que passaram por essa situação em Salvador. Dois deles tiveram um parente que caiu na armadilha. Um deles, o pai da médica F.D.***, chegou a transferir R$ 7 mil para a conta do fraudador. Já a prima de uma outra médica também caiu na conversa e transferiu R$ 1,6 mil.>
As desculpas usadas para enganar são muitas, desde a necessidade de pagar a fatura de cartão de crédito, ou troca de celular, até para pagar um suposto equipamento da clínica, como aconteceu com o cirurgião cardiovascular Ricardo Dantas no início de julho. A maioria conseguiu se esquivar da tentativa de estelionato e dois abriram queixa na delegacia, como fez Dantas.>
“Pediram R$ 3.900 para meu sócio, dizendo que era para comprar alguma coisa da clínica, algum equipamento. Ele foi o único que quase caiu, porque a história poderia ser verdade”, conta o cirurgião, que já tinha deixado o colega avisado, pois os golpistas entraram em contato primeiro com a esposa, a sogra e mais dois colegas de profissão. À esposa, o perfil falso pediu R$ 2 mil, alegando que tinha trocado de aparelho e que a quantia seria usada para pagar o dispositivo. No grupo da faculdade em que se formou, Dantas afirma que pelo menos 10 colegas passaram pelo mesmo. Nenhum deles caiu no golpe.>
Na penúltimo final de semana de agosto, o golpista permaneceu na mesma especialidade de cirurgião vascular. Disfarçado de Dr. Eutímio Brasil, a primeira vítima foi uma paciente, que nem estava em sua lista de contatos. A desculpa foi que ele teria trocado de telefone e precisava de uma ajuda financeira. A paciente não chegou a dar trela, pois viu que a situação era estranha e confirmou a mentira com uma tia do médico.>
Sem sucesso, o fraudador foi então atrás da mãe dele, para quem pediu a transferência de R$ 5 mil. Porém, ela já estava avisada pelo filho e não se deixou enganar. “Não sei como eles chegam a pessoas próximas, mas vários cirurgiões plásticos sofreram isso. Quando chegou na minha vez, eu já sabia mais ou menos o que fazer, então já deixei avisado. Só que é difícil ter controle total, porque o cara pode falar com quem quiser”, relata o cirurgião.>
No sábado daquele mesmo final de semana, foi a vez de se passar pelo cirurgião geral J.M. e tentar extrair R$ 6.250 do pai dele, que também não caiu no conto. “Como ele sabe que eu não tenho esse costume de pedir dinheiro para ele, não se preocupou. É um golpe besta, que o atento não cai. Mas um desavisado ou uma pessoa mais velha que não está tão acostumada é mais difícil evitar”, disse o médico. A inquietação de J.M. é saber de onde que os golpistas conseguem a rede de contatos. “Minha maior preocupação é conseguir tirar dinheiro de alguém com meu nome e de onde ele tira o nome do meu pai e o telefone dele, porque não é clonagem”, desabafa.>
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Já com A. R., o fraudador insistiu e tentou se passar por ele três vezes, com três números diferentes. Só que da primeira vez, no dia 22 de julho, ele que foi a vítima, pois o golpista fingiu ser a irmã, que é neurologista. Com erros graves de português, que fez com o médico percebesse que não era a irmã, ele pediu R$ 3.225. Já no início de agosto, o golpista se passou por A.R. e tentou enganar o irmão e outros familiares. >
Na última tentativa, que foi na quarta-feira passada (26), as vítimas foram pessoas desconhecidas. “Só cai no golpe quem não tem a desconfiança para me ligar. Quando tentaram comigo pelo terceiro número, foi um abuso, que fez com que eu tivesse que ir em uma delegacia”, disse o médico, que prestou queixa na delegacia da Barra. O caso de tentativa de estelionato está sendo investigado pela Polícia Civil.>
O delegado João Cavadas, coordenador do Grupo Especializado de Repressão aos Crimes por Meio Eletrônicos (GME) da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), explica que o crime é uma evolução da clonagem do número de Whatsapp e que os golpistas conseguem comprar listas de contatos de forma ilícita pela dark web. >
“No meio virtual existe uma série de comercializações indevidas, sobretudo na dark web. Existem pessoas que fazem esses catálogos e comercializam para o cometimento dos delitos. O objetivo é obter o depósito indevido e eles perceberam que as pessoas não verificam o número, basicamente veem a fotografia do contato”, explica Cavadas.>
O delegado orienta as vítimas que sofreram a tentativa de estelionato a ir à delegacia munidas dos prints das conversas com o golpista. Se houve depósito, é necessário ainda o comprovante da transferência. As investigações começam a partir do CPF da pessoa que recebeu o dinheiro, através da quebra do sigilo fiscal e bancário. Além do estelionato, os criminosos podem responder por uso indevido da imagem.>
Em relação às ocorrências registradas nas delegacias, a Polícia Civil declarou que não possui estatística sobre casos dessa natureza. “Os casos de estelionato, praticados através de aplicativo de mensagens, foram registrados na 12ª DT / Itapuã e 14ª DT / Barra e estão sendo apurados pelas equipes das duas unidades. As vítimas serão ouvidas e apresentarão elementos comprobatórios para complementar as investigações. Não existe estatística com recorte relacionado ao meio utilizado para praticar o estelionato”, informou em nota.>
Como o assunto é da esfera policial, o Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) não quis se posicionar, mas disse ter conhecimento do golpe. A Associação Bahiana de Medicina (ABM) não respondeu à reportagem até o fechamento desta matéria. >
O juiz Vinícius Simões, membro da Comissão Permanente de Segurança do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), afirma que os golpes já aconteceram com magistrados, por isso, a Comissão enviou orientações aos servidores. “A principal dica é não realizar qualquer transferência de valor sem antes entrar em contato pessoalmente ou por telefone, para a perfeita identificação do emissor da mensagem. Outro cuidado é nunca fornecer senhas e códigos. E, na hipótese de perceber que a mensagem é um golpe, fotografar as telas com as mensagens e número do emissor, registrando o ocorrido tanto no suporte do próprio aplicativo, como também registrar o boletim de ocorrência perante a autoridade policial, para que a devida investigação seja efetuada pela Polícia Civil do Estado da Bahia", esclarece. >
Veja abaixo todas as orientações:>
- Nunca faça transações financeiras, solicitados por mensagens de texto, antes de confirmar com o suposto autor da mensagem - Nunca compartilhe o código de 6 dígitos do WhatsApp - Configure, no aplicativo, para que a confirmação de senha ocorra em 2 etapas, um recurso opcional fornecido pelos aplicativos, funcionando como uma camada extra de segurança da conta - Caso tenha sido vítima, faça a captura da imagem das mensagens e dos dados de quem enviou a mensagem (print de tela), e as encaminhe para o próprio aplicativo (suporte indicado na parte de configurações) - Registre o boletim de ocorrência junto à Polícia Civil, com os documentos de identificação necessários (RG e CPF) e os prints da conversa>
* Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro ** Caso alguma vítima que recebeu mensagem parecida queira confirmar se foi um desses números de telefone já identificados pela reportagem como autores do golpe, entre em contato por e-mail *** Nomes foram ocultados para preservar a identidade dos médicos, que pediram anonimato>