Medidas trabalhistas de enfrentamento da covid-19 e a iminente judicialização

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Publicado em 2 de abril de 2020 às 14:00

- Atualizado há um ano

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Em meio ao estado de calamidade pública, legitimamente reconhecido por meio do Decreto nº 6, de 2020, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 927, publicada no Diário Oficial da União no dia 22/03/2020, dispondo acerca de medidas trabalhistas para o seu enfrentamento.

Nos seus primeiros traçados, a Medida Provisória apresenta o seu principal objetivo, mais parecendo um ‘princípio’ (do direito, ainda que de vigência temporária) que servirá de referência, no sentido de promover a preservação do emprego e da renda em virtude das medidas que poderão ser adotadas pelo empregador.

Dentre as medidas trabalhistas contempladas, estabeleceu-se a possibilidade de implementação do teletrabalho, embora não seja nenhuma novidade; antecipação de férias individuais e concessão de férias coletivas; compensação de jornada por meio de banco de horas e postergação do pagamento do FGTS e, até mesmo a suspensão do contrato de trabalho mediante acordo individual escrito.

É curioso notar, mas sem nenhuma surpresa, pois segue a linha de privilegiar a autonomia da vontade partes (empregado e empregador) da Reforma Trabalhista, que em momento algum o Estado assume e/ou divide qualquer responsabilidade de encargos e obrigações trabalhistas, quer seja do lado do empregador, quer seja do lado empregado. Com a edição desta MP, o Estado, por meio do Governo Federal, concedeu ao empregador e empregado a liberdade para estipularem as condições de trabalho durante a sua vigência, esquivando-se claramente dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, fundamento do Estado Democrático de Direito.

De fato, desde que a covid-19 se instalou inegavelmente no país, instaurou-se um clima de desespero e um ambiente de incertezas nas relações de trabalho. Não há dúvidas, portanto, que havia a necessidade de intervenção do Governo com o objetivo de apresentar diretrizes para o enfretamento da covid-19; amenizar o sentimento que aflige a sociedade e trazer segurança jurídica para as relações de trabalho.

Porém, o reconhecimento por parte do Governo de que o estado de calamidade pública constitui hipótese força maior, abre-se um espaço para uma desenfreada redução de salários; suspensões de contrato de trabalho, sem participação da entidade representativa dos empregados, o sindicato; bem como a realização de rescisões de contratos de trabalho, tudo isto à luz do ‘princípio’ da preservação do emprego e da renda e sob constante perseguição desta desejável condição.

A bem da verdade é que, dentro de um contexto de economia capitalista, o qual outrora e atualmente gera a relação de desigualdade entre empregado e empregador na relação de emprego, inevitavelmente, de um modo geral, haverá uma sujeição do empregado às condições impostas pelo seu patrão, justamente para garantir e preservar o emprego e renda.

O certo é que, independentemente da legalidade ou não das alterações contratuais promovidas na vigência deste instrumento legal ora analisado, nos depararemos, em pouco tempo, com questionamentos em massa acerca da validade destas alterações no âmbito do Judiciário.

E, o Judiciário, diante da iminente enxurrada de reclamações trabalhistas, como instrumento de promoção do bem-estar social, bem como, dentro de um contexto de economia capitalista e de constante mudança nas relações de trabalho, assumirá o desafio de intervir nas relações privadas para pacificação da luta de classes, buscando o equilíbrio justamente para assegurar as garantias mínimas do trabalhador e, ao mesmo, tempo preservar (princípio acima mencionado) o emprego e renda através da sobrevida das empresas.

É inegável que estar-se-á diante de uma das piores calamidades já vividas, a qual inclusive se apresenta como um impacto de impossível estimativa e que nos conduz a um futuro incerto. Contudo, o que deve prevalecer é um esforço, do ponto de vista jurídico, social e humanitário, no sentido de encontrar uma solução de equilíbrio, sem que isto resulte no fechamento das empresas e, ao mesmo tempo, custe à submissão do trabalhador à condições nefastas de trabalho em busca de salário.

Marlos Lobo é advgado especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Cruz Campos Lobo Advogados

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