Morador do Vale das Pedrinhas é executado mesmo com reforço de policiamento

Grupos especiais da SSP estão reforçando segurança na região desde sábado (7)

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  • Tailane Muniz

Publicado em 9 de abril de 2018 às 09:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: Mauro Akin Nassor/CORREIO

Olhares atentos se voltavam para o centro da pracinha do final de linha, na manhã desta segunda-feira (9), no Vale das Pedrinhas, Complexo do Nordeste de Amaralina, em Salvador. Caído sobre a grama, o corpo de Demilson Maciel Menezes, 48 anos, morto na madrugada com vários tiros no rosto - mesmo após o policiamento ter sido reforçado no local desde sábado (7).

O policiamento foi ampliado após a morte de Ítalo Alves de Jesus Pereira, 21 anos, conhecido como Rato. Ele foi morto na noite de sexta-feira (6) durante confronto com policiais militares na Chapada do Rio Vermelho. Após a morte, três ônibus foram queimados na região do Complexo e o Sindicato dos Rodoviários decidiu suspender o transporte público em três áreas - Vale, Nordeste de Amaralina e Santa Cruz. Na região, incluindo a Chapada do Rio Vermelho, moram mais de 76 mil pessoas. 

A Companhia de Patrulhamento Tático Móvel (Patamo) e a Companhia Independente de Policiamento Tático (Rondesp) Atlântico estão no apoio à 40ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Nordeste de Amaralina) na região. A Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) não divulgou a quantidade de policiais que participa do reforço. 

O reforçado no policiamento na localidade também não garantiu a livre circulação dos ônibus - que seguem sem circular nos finais de linha do Vale das Pedrinhas, Santa Cruz e Nordeste. Desde sábado, moradores do Vale têm como final de liha a Rua do Canal, enquanto quem reside no Nordeste anda até a Rua Visconde de Itaborahy, nas proximidades do Quartel de Amaralina, para ter acesso aos coletivos. Já os moram na Santa Cruz, têm a opção de andar cerca de 1 km até a entrada do Parque da Cidade, que abriga improvisadamente o final de linha.

Conforme o diretor de comunicação do Sindicato dos Rodoviários, Daniel Mota, motoristas se preparavam para retornar à normalidade nos três finais de linha, quando se depararam com o corpo de Demilson. "O que nos deixou perplexos foi termos nos deparado com um cadáver cravado de balas hoje cedo. Iríamos normalizar o serviço. Mas, como medida preventiva, decidimos por não retornar", afirmou ao CORREIO.

Ainda de acordo com Mota, nos últimos quatro meses, cinco ônibus foram queimados em circunstâncias similares na capital. "Os moradores têm que compreender que andar um quilômetro é menos grave do que perder a vida. Desde 2014, são 58 coletivos incendiados, além de um rodoviário queimado. Foram 17 [ônibus] em 2017. E são 5 em 2018. Um Santo Inácio, três no Complexo e um em Sussuarana", salientou Daniel. Grupos especiais da SSP estão reforçando segurança na região desde sábado (7) Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO Dezenas de moradores acompanharam os trabalhos do Departamento de Polícia Técnica (DPT), que realizou a perícia no corpo de Demilson. Muitos ali conheciam a vítima. Os poucos que quiseram falar com o CORREIO, descreveram o rapaz como alguém que "não fazia mal a ninguém".  A família também acompanhou o processo, que terminou por volta de 8h40, quando o corpo foi retirado. Emocionada, uma irmã da vítima comentou com a reportagem que o irmão sofria de problemas mentais e morava com a mãe em Santa Cruz, no mesmo complexo.

"Eu não sei o que houve, acredito que tenham feito isso de maldade. Minha mãe ainda não sabe de nada", disse ela, enquanto tentava entender o horário que o irmão pode ter sido assassinado. Sem informações de testemunhas, tanto familiares quanto Polícia Civil consideraram o estado de rigidez do corpo para arriscar o palpite.

"Ele está muito rígido já, acredito que ele tenha sofrido isso às 2h de hoje, porque costuma trocar o dia pela noite", completou a irmã de Demilson, sem se identificar. Ao CORREIO, uma prima da vítima, que também preferiu o anonimato, disse que o rapaz não tem filhos e nunca foi casado.

Em nota, a Polícia Militar informou que, nesta madrugada, um morador ouviu disparos de arma de fogo na Rua Gilberto Maltez, final de linha do Vale das Pedrinhas. "E, ao sair de casa, visualizou um homem caído ao solo, aparentemente sem sinais vitais. Segundo informações de testemunhas, a vítima chegou acompanhada de outras duas pessoas e foi executada após descer de um veículo", completa a nota. Ainda segundo a PM, uma equipe da Patamo esteve no local.

"Ele já chegou a se tratar com especialistas, mas aí virou homem e parou de ir ao médico. Ele não tinha inimigos. Acreditamos é que tenha sido maldade, já que ele não usava drogas e não era uma pessoa violenta", acrescentou a prima da vítima.

Por volta de 9h30, pelo menos quatro viaturas da Polícia de Choque permaneciam no local. Na entrada do bairro, outras duas viaturas das Rondas Especiais (Rondesp) também foram vistas nas primeiras horas da manhã.

O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) é responsável pela investigação do crime.

Moradores relatam que presença da PM não inibe o tráfico   A convivência com as unidades especializadas da Polícia Militar é um fato ao qual os moradores tratam com normalidade. "Foi-se o tempo que a gente ficava espantado. Não sei se ajuda, se atrapalha, só sei que qualquer coisinha o Vale enche de PM e, quer queira, quer não, somos obrigados a conviver. Acho que deve intimidar mesmo quem deve. A mim, não", salientou uma moradora, que optou por se identificar apenas por Dalva.

Moradora do Nordeste, Dalva afirmou, ainda, que a presença da polícia não inibe a atuação do tráfico de drogas do Complexo de Amaralina. "Eu não sei quem acredita nessa balela. Os caras [traficantes] quando querem cobrar, eles chegam e cobram. Tá vendo isso aí, eles se intimidaram?", indagou ela, em referência à morte de Demilson.

No Nordeste, por volta de 9h30, três viaturas da Rondesp permaneciam paradas próximo à 28ª Delegacia. Assim como no Vale das Pedrinhas, o comércio permaneceu parcialmente aberto nesta segunda-feira. 

Já na Santa Cruz, duas viaturas da Patamo circulavam pela rua principal do bairro esta manhã. O comércio também abriu mas alguns moradores comentaram sobre a sensação de insegurança."Horrível, né?! A gente não gosta de viver assim, mas é o que resta ao pobre, não é isso?! Ainda temos que agradecer de estarmos vivos e com saúde", conta um morador, que preferiu não se identificar. Morador do local há 40 anos, o carpinteiro Eduardo Bispo disse que se sente mais seguro com o a presença da polícia. "O problema é quando tem troca de tiros, quando os meninos [traficantes] sobem. Mas os meninos respeitam a gente, os moradores mais velhos, então, respeitam muito. Mas eu acredito que se a polícia fica aí, na dela, não tem problema. Se não mexer com os meninos, os meninos não mexem", diz ele, acrescentando que o maior problema é a presença das drogas.

"Eu já vi muita gente morrer lá no Boqueirão, mas nunca quis ver um corpo de perto. Deus me ajudou e eu vim morar aqui nessa parte de cima, porque lá o bicho pegava feio. Tudo isso é o quê? As drogas".