Moradores dizem que PMs esconderam cápsulas após morte de adolescente na Santa Mônica

Wesley estava indo fazer a sobrancelha de uma cliente

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  • Bruno Wendel

Publicado em 7 de outubro de 2020 às 13:27

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Adolescente foi atingido por tiro em ação da PM e morreu (Foto: Acervo pessoal) Filho único de pais trabalhadores, um deles funcionário público municipal, Wesley Jesus de Oliveira tinha apenas 17 anos, mas já sustentava suas despesas pessoas. Barbeiro formado, o adolescente fazia sucesso atendendo clientes em domicílio. Nesta terça (6), como sempre, saiu de casa com sua inseparável maleta com materiais de trabalho para fazer a sobrancelha de uma cliente no mesmo bairro onde morava, em Santa Mônica.

Diferente do que acontecia todos os dias, o serviço não foi feito e ele nunca mais voltou para casa: o jovem foi morto com um tiro nas costas durante uma ação da Polícia Militar. A família alega que, após o assassinato, policiais chegaram a catar as cápsulas no chão para esconder o que aconteceu.

“Não houve troca de tiros. O menino foi baleado pelas costas. Eles vieram a merda que fizeram, que o menino não era marginal. E, se fosse, teria que ser preso. Para não deixar as provas do erro, começaram a catar as cápsulas. Se fosse troca de tiros precisava fazer isso? Claro que não. Mas, como mataram o rapaz, queriam esconder o erro”, disse uma vizinha, que pediu anonimato por medo de retaliação.

Segundo os pais de Wesley, o adolescente saiu de casa, na Segunda Travessa Otávio Mangabeira, por volta das 15h. Com ele, estavam os outros dois adolescentes. No trajeto à casa da cliente, o trio parou para brincar de elástico e pouco depois foram surpreendidos pelos policiais, que já chegaram atirando na Rua Paraguai.

"Dez minutos depois que ele saiu de casa, os vizinhos chegaram gritando que Wesley tinha sido baleado pela Polícia Militar. Meu único filho. Era um menino de ouro. Meu filho não era envolvido com coisa errada e dizer que foi troca de tiros é um discurso manjado, usado para justificar o crime deles", desabafou a mãe de Wesley, a auxiliar de serviços gerais Vera Lúcia Góes de Jesus Oliveira, 44, que estava bastante emocionada quando concedeu entrevista ao CORREIO na manhã desta quinta-feira (7). Vera Lúcia não se conforma com a morte do filho (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Vera Lúcia estava amparada pelo marido, o agente de endemias Sérgio de Sena Oliveira, 40, que estava inconformado com a morte precoce do filho. "Somos uma família evangélica. Só Deus sabe o tamanho de nossa dor, que não passa. Só Ele para nos fortalecer. Mas não pudemos nos calar porque infelizmente meu filho não foi o primeiro e não será a último inocente que eles executam”, declarou Sérgio.  

“Meu filho correu para um lado e os amigos para o outro. Quem é que fica parado com tiros? Foi aí que o pior aconteceu”, completou o pai que, emocionado, não teve mais condições de prosseguir com o relato, prosseguido por uma das tias de Wesley, Gabriela Anjo da Silva.

“Meu sobrinho gritava ‘socorro, fui baleado’, mas quando os moradores foram dar socorro a ele, um dos policiais disse: ‘não vai dar socorro, não’. Deram mais tiro e jogaram ele na viatura”, contou Gabriela.  Além de Wesley, outras duas pessoas foram baleadas e ficaram feridas na ação: um adolescente de 16 anos, que foi baleado no braço e está internado no Hospital Roberto Santos, no Cabula, e uma garota da mesma idade, que foi atingida de raspão. 

Revoltados com a violência vivida no bairro, moradores da Santa Mônica fizeram um protesto na noite do mesmo dia da morte, queimaram pneus e bloquearam ruas pedindo a prisão dos culpados.   O enterro do barbeiro será às 14h desta quarta, no cemitério Quinta dos Lázaros.

Violência no bairro A vizinha de Wesley, que pediu anonimato, disse que os policiais militares têm o hábito de chegar na comunidade atirando. “É sempre assim, nunca entram da paz. É dando tiro para todos os lados, xingando as pessoas, dando tapa, colocando arma nas cabeças, tomando dinheiro de trabalhadores. A criminalidade existe em todo o lugar, mas eles chegam assim na Barra, na Pituba, no Caminho das Árvores?”, disse. A mulher pontuou ainda que alguns PMs têm o costume de praticar execuções e forjar uma situação de confronto. “Quantas vezes nós testemunhamos em nossas casas eles matando um jovem, quando na verdade deveria prendê-lo? Quantas vezes vimos pessoas mortas e eles atirando para cima para dizer que foi confronto? Basta olhar para as casas aqui, todas com marcas de tiros na parte de cima, fruto dos disparos realizados para o alto”, disse.   Versão da polícia Ao contrário da família, a Polícia Militar afirma que uma equipe do Esquadrão Águia fazia patrulhamento de moto quando chegou ao local e foi recebida a tiros por homens armados.

"Após cessar os disparos os policiais encontraram um adolescente ferido, a guarnição prestou socorro para o Hospital Roberto Santos. Posteriormente a guarnição tomou conhecimento que um adolescente teria sido alvejado no braço e foi socorrido por populares para o Hospital Geral do Estado", disse a PM por meio de nota. A morte do primeiro jovem não é citada no documento. Ainda de acordo com a PM, o caso foi registrado no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e também foi instaurado um inquérito na Corregedoria para apurar a situação.