Movimento pelo Odorico entra com ação na justiça contra o fechamento do colégio

Documento justifica que governo tomou decisão sem ouvir a comunidade escolar

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 14 de janeiro de 2020 às 06:08

- Atualizado há um ano

. Crédito: (Foto: Tiago Caldas/CORREIO)
Cine-debate teve exibição de documentário seguida de conversa por Foto: Hilza Cordeiro/CORREIO

O movimento de luta pela manutenção do Colégio Estadual Odorico Tavares deu entrada na justiça, nesta segunda-feira (13), com uma ação popular contra a decisão do governador Rui Costa de fechar a escola pública, localizada no Corredor da Vitória, bairro com o m² mais caro de Salvador. Na semana passada, o governador manifestou desejo de leiloar o terreno, que é alvo de cobiça do mercado imobiliário.

O processo contrário à decisão foi protocolado no Fórum Ruy Barbosa, na Vara da Fazenda Pública, pelas advogadas Juliana Caires e Jeane Ferreira, que entraram com um pedido de liminar para que a justiça suspenda o fechamento da instituição e a venda do terreno do colégio, garantindo a reabertura da renovação de matrículas dos alunos para o ano de 2020, suspensas pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC). 

O documento solicita ainda que a instituição possa ofertar vagas de transferência de estudantes e matrícula nova para o ensino médio, tudo ainda neste mês de janeiro, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 100 mil, a ser revertida para o próprio colégio. O movimento decidiu protocolar a petição depois que o governador enviou, na quinta-feira (9), um projeto de lei à Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) para autorizar a venda do Odorico. “Com essa liminar a gente quer ganhar tempo para que o diálogo que não foi feito na tomada de decisão seja feito neste ano de 2020, para que as pessoas possam dizer seus anseios, que não foram ouvidos. A comunidade escolar não pode ser pega de surpresa assim”, justifica a advogada Juliana Caires, que se colocou à disposição dos professores, pais e estudantes do Odorico. No passado, a advogada conta que chegou a disputar vaga para estudar na escola, mas não conseguiu por causa da concorrência que existia e concluiu o ensino no Colégio Manoel Novaes, no Canela. “A meu ver, é uma decisão arbitrária porque não ouviu a comunidade envolvida. Eu espero que a gente consiga, pelo menos, trazer a discussão de uma decisão tão importante na vida de uma comunidade, com o diálogo mais amplo possível”, comentou ela, que assina a petição.

Atualização às 15h30: Procurada, a Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC), informou que ainda não foi notificada judicialmente quanto à petição.

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Mobilização Também nesta segunda (13), envolvidos na causa do Odorico promoveram um cine-debate com o documentário “Entre o Céu e o Subsolo”, de Felipe Borges, exibido na Reitoria do Instituto Federal da Bahia (Ifba), no Canela, já que o acesso ao Odorico está proibido.

Presente na mesa, a militante Ludimilla Teixeira, uma das fundadoras do movimento #EleNão e ex-aluna do Odorico, se emocionou ao falar sobre o seu passado na instituição. Formada em Publicidade e Propaganda pela Universidade Católica de Salvador (Ucsal), hoje ela é servidora pública federal do INSS.“Se não fosse a base que eu consegui no Odorico, eu não teria chegado à universidade. Eu vim da periferia de Salvador, do bairro de Cajazeiras, e antes de estudar no Odorico Tavares eu não conhecia o centro da cidade, eu não sabia o que era Barra, Corredor da Vitória, o que era um museu, um teatro. A gente precisa ter acesso à cultura e ao lazer, e o Odorico reunia tudo isso”, lembrou a publicitária. Além da cobiçada vista para a Baía de Todos-os-Santos, os arredores do Corredor da Vitória contam com o Museu Geológico da Bahia, Museu Carlos Costa Pinto, Galeria Paulo Darzé, Sala de Cinema do Museu (Saladearte) e o Museu de Arte da Bahia (MAB), o mais antigo do estado, além do Instituto Cultural Brasil-Alemanha (Icba).

Chorando, Ludimilla chamou de ‘grotesco’ o que o governo do estado tem feito e anunciado com relação ao Odorico.“Eu tive professores maravilhosos que me mostraram que eu podia vencer na vida. O que está acontecendo é uma privatização do espaço público. É uma especulação imobiliária aliada ao racismo. A periferia tem o direito de ir e vir e é de doer só de pensar que possivelmente a periferia não terá acesso a um colégio como o Odorico. Não podemos nos calar”, disse, emocionada.Aluna das primeiras turmas e professora da unidade por 15 anos, Alcineia Lima também participou do debate. “Eu tenho um amor muito grande pela escola porque fui aluna inaugural. Eu vi a escola ser construída, eu esperei por aquela escola. Eu venho de Cosme de Farias e tinha a mentalidade de ir direto para o mercado de trabalho para ajudar minha família e esse pensamento mudou lá”, contou. 

Relembre No início do mês, o CORREIO publicou uma reportagem sobre a cobiça em torno da área do Colégio Odorico, de 5 mil metros quadrados, no Corredor da Vitória. O colégio, que funcionou ali por 25 anos, no passado já teve filas de mães para conseguir uma vaga para os filhos e chegou a 2019 com apenas 308 matriculados — menos de 9% de sua capacidade, que é de 3,6 mil alunos, segundo dados da Secretaria de Educação do Estado (SEC).

Enquanto o governo do estado alega que vender o terreno vai possibilitar a construção de mais escolas na periferia, professores e ex-alunos da instituição avaliam que, por trás dos argumentos oficiais, houve uma manobra para forjar uma baixa procura pelo colégio. Eles acusam o governo de sabotar o sistema de matrículas online para reduzir os números de estudantes ano a ano, cedendo à especulação imobiliária.

Em nota, o governo do estado afirmou que os alunos que estudavam no Odorico Tavares serão remanejados para instituições nas proximidades de casa, o que, na avaliação do governador Rui Costa, reduzirá gastos dos estudantes com transporte público.

Sob anonimato, uma professora da escola avaliou a decisão do governo como equivocada. “Querem confinar meninos e meninas negras em seus bairros. O espaço daquele colégio é privilegiado porque está no centro cultural da cidade, perto de cinema, museu, teatro, universidades. Os professores promovem integração com esses espaços vizinhos ao colégio, por mais que os espaços sejam negados pela comunidade endinheirada que vive ali”.

Cronologia 11 de abril de 1994  Inaugurado pelo governador Antônio Carlos Magalhães para ser um colégio modelo, o Odorico Tavares nasceu para ser referência no ensino público, ao oferecer uma estrutura com laboratórios, anfiteatro e quadra de esportes Melhores anos Era comum ver pais de alunos dormirem na fila para conseguir uma vaga. No auge, há 10 anos, o Odorico era um dos colégios mais cobiçados nos sorteios eletrônico de vagas feitos pela Secretaria Estadual de Educação.

Fevereiro de 2015  Em uma reportagem publicada pelo CORREIO, o Odorico Tavares aparece na 7ª posição entre as 10 escolas mais bem avaliadas pelo Ministério da Educação na nota do Exame Nacional do Ensino Médio.

22 de março de 2017  Após fortes chuvas que ocorreram em Salvador, a cobertura da quadra de esportes da unidade desabou. Nesta época, o Odorico já apresentava problemas com a falta de manutenção do prédio.

Dezembro de 2019  O colégio, de capacidade para 3,6 mil alunos, é desativado, só com 308 matriculados