MP-BA denuncia funcionários de restaurante suspeitos de racismo contra PM

Sem farda, policial negro foi barrado em estabelecimento no Jardim Armação

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  • Bruno Wendel

Publicado em 25 de setembro de 2019 às 21:03

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/ARQUIVO CORREIO

Dois funcionários do Restaurante Picuí, em Jardim Armação, foram denunciados pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) por racismo contra o policial militar Rafael dos Santos, 33 anos. Ele relatou ter sido impedido de entrar no estabelecimento na noite de Quarta-feira de Cinzas.

Rafael contou que na ocasião foi ao encontro de um casal de amigos no local, quando a porta foi trancada logo na sua chegada – outras pessoas de pele clara não tiveram impedimento para ter acesso ao local. 

A denúncia foi realizada na semana passada pela promotora Lívia Vaz, coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção aos Direitos Humanos e de Combate à Discriminação (GEDHDIS). O processo foi encaminhado para 12ª Vara Crime e aguarda apreciação do juiz Ricardo Augusto Schmitt.

"Não é fácil buscar nossos direitos. Em pleno século 21 é inadmissível que uma sociedade ainda tenha que conviver com o racismo, mas decisões como esta farão a sociedade refletir que isso não cabe mais", declarou Rafael que, desde o episódio, vem fazendo tratamento com psicólogo. 

Logo após o caso se tornar público, ele diz não ter sido procurado por órgão algum ligado à violência racial. "Será por que sou policial? Só por que uso uma farda e por isso não existo? Cadê o discurso de enfrentamento das entidades?", desabafou.

Procurado pelo CORREIO, o advogado Gabriel Andrade, que representa o Restaurante Picuí, informou que “a Defesa se reservou ao direito de se manifestar após tomar conhecimento do conteúdo da matéria”. O inquérito que apura o caso foi registrado na 9ª Delegacia (Boca do Rio). 

No entanto, o advogado de Rafael, Dinoermeson Nascimento, rebateu. "Neste caso, o Ministério Público dispensou o inquérito. Basta o MP-BA ter indícios suficientes de autoria e materialidade. Há quatro anos o MP-BA pode realizar procedimento investigatório, o PIC (Procedimento de Investigação Criminal), com base na resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público)".

Relembre o caso Segundo Rafael, ele foi ao encontro de um casal de amigos no restaurante, quando a porta foi trancada logo na sua chegada – outras pessoas não tiveram impedimento para ter acesso ao local, segundo o PM.

À época, ele disse ao CORREIO que não tinha dúvida: foi vítima de racismo.“Até então, isso nunca havia acontecido comigo, mas esperava um dia, porque infelizmente o Brasil é um país racista”, disse o policial, com os olhos marejados.

Soldado do Batalhão de Guardas há quase oito anos, Rafael estava lotado no Departamento Estadual de Trânsito da Bahia (Detran-BA). No dia 6, havia trabalhado o dia inteiro e, ao final da Quarta-feira de Cinzas, foi ao encontro de um casal de amigos, que já o esperava dentro do restaurante, na Rua Melvi Jones.

Ele chegou ao local às 19h, usando calça jeans, camisa branca com detalhes em azul, tênis, relógio prata e uma bolsa que atravessava o peito. O PM desceu da moto e seguiu em direção à entrada do restaurante. No trecho, falava ao celular com a amiga que já estava no local. Foi quando notou algo de estranho. “Percebi uma movimentação dentro do restaurante. Os garçons (negros e brancos) estavam agitados. Me olhavam de forma diferente. Daí pensei: ‘Será que está rolando um assalto?’. Quando me aproximei, encostei meu rosto na parede de vidro, vi um clima tenso e, então, fui para entrar e vi que a porta estava trancada. Bati com a chave da moto e nada. Chamei pelo gerente e ninguém apareceu para me atender. Ainda assim, queria entender o que estava acontecendo, gritava para chamar o gerente, e nada de ninguém vir”, contou Rafael.  O restaurante, no Jardim Armação (Foto: Marina Silva/CORREIO) Do lado de fora, Rafael disse que tentou falar com o gerente por mais de 10 minutos. Foi quando um amigo, também policial militar, filho de um coronel, desceu de uma Mercedes-Benz e foi até ele saber o que estava acontecendo.“Nesse momento abriram a porta, e o gerente, Marcelo, um homem branco, veio falar comigo. ‘O que você quer aqui?’, perguntou ele. ‘Como o que eu quero aqui? Quero entrar’, respondi. ‘Tem alguém lhe aguardando aqui?’, perguntou novamente e rebati: ‘Não lhe interessa. Quero é entrar’. Foi aí que ele disse: ‘Sabe o que é, na semana passada assaltaram aqui e o senhor vem vestido dessa forma e trancamos a porta’. Então falei: ‘Quer dizer que você só abriu a porta porque meu amigo desceu de uma Mercedes-Benz?’”, relatou Rafael. Ainda de acordo com Rafael, o racismo foi ainda mais evidente quando quatro pessoas de pele clara entraram sem sequer serem abordados. “Chegaram quatro pessoas brancas e ninguém indagou nada, não perguntou o que estavam fazendo ali, se esperavam alguém, diferente da forma que me trataram”.Diante da circunstância, Rafael deu voz de prisão ao gerente. “Disse para ele: ‘Você acha que estou armado? Poderia estar, porque sou policial militar (exibiu o distintivo). Agora, você está preso por racismo. Ele tentou contornar a situação, mas eu disse que só sairia dali direto para a delegacia”, contou.  Rafael dos Santos conta que marcou com amigos no local (Foto: Marina Silva/CORREIO) E foi o que aconteceu. Inicialmente, uma equipe da PM levou os dois para a 9ª Delegacia (Boca do Rio), mas, como não havia delegado, todos foram para a Central de Flagrantes, onde foram ouvidos pela delegada Celina de Cássia Fernandes.