Mudança de cenário: ambulantes da Avenida Sete deixarão as calçadas

Ação é fruto do projeto Repensando a Cidade, que visa a readequar espaços públicos em tempos de distanciamento social

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  • Wendel de Novais

Publicado em 5 de agosto de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Até a próxima sexta-feira (7), as calçadas da Avenida Sete estarão como nunca estiveram: sem o amontoado de ambulantes, que ocuparão a beira da pista em espaços demarcados que respeitam o distanciamento social e reduzem as aglomerações na região. Com 130 áreas para comerciantes informais disponíveis, apenas camelôs licenciados e com protocolo de entrada do licenciamento permanecerão no espaço.

Os outros ambulantes serão redirecionados para diferentes pontos da capitação A mudança é oriunda de um ordenamento que readapta espaços públicos soteropolitanos à realidade em que o distanciamento social precisa ser seguido rigorosamente.

Sempre repletas de ambulantes e consumidores, as calçadas da Avenida Sete, um dos maiores pontos comerciais de Salvador, são historicamente conhecidas pelo tráfego intenso de pessoas que se distinguem entre transeuntes, alunos dos cursinhos da região, turistas, trabalhadores do local e os clientes que vão até a avenida procurar preços amistosos de todo o tipo de coisa que você pode imaginar. Com a retirada dos ambulantes dos passeios, a Prefeitura tem a expectativa que o espaço se torne mais seguro para os cidadãos que o visitarem.

A readaptação do espaço, que faz parte do projeto Repensando a Cidade em tempos de pandemia, foi desenvolvida pela Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop), Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF), Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur) e a Transalvador.

De acordo com Marcus Passos, titular da Semop, as alterações são necessárias para que a reabertura de espaços comerciais como a Avenida Sete não represente um crescimento da taxa de contaminação pelo novo coronavírus na capital baiana.

"O projeto foi desenvolvido para atender as necessidades desse novo momento de distanciamento social em áreas comerciais. A gente precisava achar uma solução para áreas mais densas como a Avenida Sete para garantir que os ambulantes possam trabalhar com uma segurança que atinge também os milhares de clientes que passam por ali todos os dias", explica.

Marcus ressalta que a decisão de alterar a lógica de ocupação do espaço foi tomada após o desenvolvimento de um plano que contou com a participação dos ambulantes. "Nada melhor do que ouvir os atores principais para contribuir com as tomadas de decisão. Somos responsáveis pelo ordenamento e temos nosso conhecimento, mas a experiência de quem vive o dia a dia é válida para a construção de um plano que fique bom para os ambulantes e também para a sociedade", informa.

Rosimário Lopes, diretor da Associação Integrada de Vendedores Ambulantes, Feirantes e Microempreendedores Individuais de Salvador e Região Metropolitana (ASSIDIVAN) , corrobora com a fala de Marcus e acredita que o plano deixa o ambiente mais seguro tanto para os clientes como para os ambulantes.

"A gente enxerga a decisão da Prefeitura de uma forma muito positiva. Acreditamos que seja uma tacada muito boa da gestão. Proporcionar um espaço que vai acomodar bem os ambulantes é extremamente necessário. Tenho certeza que a decisão é um grande passo para a nossa categoria", comemora Rosimário. Ambulantes foram ouvidos para elaboração de projeto que readequa a Avenida Sete (Arisson Marinho/CORREIO) O que pensam os transeuntes Para Monique Rabelo, 29 anos, que é promotora de vendas e passa regularmente pela avenida, a mudança é positiva e acaba com o tumulto comum do espaço. "Vai ficar bem mais organizado sem tanto ambulante em cima do passeio e com toda certeza vai melhorar. Vou me sentir mais segura, com muito menos medo de contaminação. Os ambulantes aqui onde estão fazem com que a gente tenha que passar por espaços muito reduzidos. Como o fluxo de pessoas é intenso, isso provoca um engavetamento de pessoa e, nesse momento, é o que não pode acontecer", declara Monique. 

A assistente social Joelma Santos, 34, vê com otimismo a reorganização do espaço, mas espera que a mudança seja realizada com assertividade e fiscalização. "Desde que eu ando pela avenida, acho um lugar muito difícil para passar. É uma bagunça imensa! As vias de passagem são complicadas e uma mudança assim pode ser positiva. Acho necessário mudar isso para que as pessoas visitem as barracas com mais tranquilidade, sem aquela agonia", diz Joelma.

Há quem acredite que a mudança não vai trazer benefício aos transeuntes e aos comerciantes informais que serão deslocados. "Eu sou pessimista quanto a isso. A quantidade de pessoas é muito grande e os camelôs também. Acho que o fluxo vai continuar o mesmo. Corre risco ainda de aparecerem outros e se instalarem nos lugares que eram ocupados por quem saiu", diz.

Bárbara Santos, 24, é fisioterapeuta e recebeu a notícia do deslocamento dos ambulantes com animação. "Eu nem sabia disso, mas que bom.  A bagunça é comum nos passeios justamente por conta da alta quantidade de pessoas que passam e a ocupação exagerada do espaço pelos comerciantes informais. O acúmulo de camelôs atrapalha o tráfego. Desde que os carros respeitem o espaço deles no acostamento e não haja risco para os trabalhadores, a mudança é ótima", afirma.

Opinião dos ambulantes O risco é exatamente o que preocupa Cássia Barreto, 40, que trabalha há três meses na avenida vendendo água de côco. "Como a gente vai ficar muito próximo dos carros, tenho medo de ficar muito exposta e algum carro me atropelar. Acho que a intenção é boa, mas os motoristas aqui me assustam com a imprudência", revela.  Cássia tem medo de que a mudança mais exposta aos carros (Arisson Marinho/CORREIO) Sobre isso, Marcus afirma que a demarcação deixa os ambulantes próximos da calçada e que haverá um trabalho de sinalização dos espaços para que a demarcação dos espaços fique nítida e seja respeitada pelos veículos que circulam por ali. "A área é um espaço confortável que vai deixar eles mais perto do passeio do que da rua. Estamos conversando com a Transalvador para colocar os balizadores para realizar um controle e garantir o distanciamento entre os ambulantes e os veículos que transitam na avenida", explica. 

O deslocamento é visto como um ordenamento que beneficia tanto quem trabalha como quem faz compras por Katiana Batista, 42, que trabalha há 16 anos na região. "A alteração é positiva demais porque é uma iniciativa simples que muda muita coisa. Só vamos descer da calçada e evitar aglomerações que infelizmente acontecem por conta do espaço que precisamos disputar com as pessoas que transitam por aqui. É bom pra quem trabalha aqui e para os clientes também", opina. Katiana acredita que mudança é boa para os ambulantes e para os clientes (Arisson Marinho/CORREIO) Quem concorda com a opinião de Katiana é Cícero Nogueira, 56, que trabalha na avenida há mais de 30 anos e afirma que a decisão deixa os ambulantes mais tranquilos quanto ao risco de contaminação pelo novo coronavírus.

"Desloca a gente para fora da calçada é uma boa coisa, eu concordo. Deixa os pedestres livres para passar e reserva o nosso espaço que será mais seguro. Saber que você vai trabalhar tranquilo, sem medo e que ainda levar o pão de cada dia pra família é uma notícia muito boa. Acho que a organização vai ficar tão boa que deveria continuar mesmo após a pandemia", declara. Cícero gosta da ideia de readequação (Arisson Marinho/CORREIO) Outro que entende a readaptação como uma organização necessária é Edson Figueredo, 57, que trabalha há 26 anos no local e gosta da ideia do deslocamento. "É ótima essa mudança, viu. Deixa o cliente livre pra andar na calçada. Não atrapalha em nada. Pelo contrário, melhora as vendas porque quem passa aqui vai ficar mais confortável e terá mais tranquilidade pra observar os produtos da gente", argumenta.

Apesar do gosto pela iniciativa, Edson teme que seja retirado por só ter o protocolo e não a licença para comercializar na área. "Ainda não sou licenciado, só tenho o protocolo de solicitação do meu licenciamento. Espero que quem tenha protocolo posso continuar trabalhando porque ficaria muito difícil pra mim", conta.  Edson está otimista com o deslocamento dos ambulantes (Arisson Marinho/CORREIO) Rosimário afirma que Edson pode ficar despreocupado porque os licenciados e quem já deu entrada no protocolo para adquirir a licença serão contemplados com uma área entre as 130 disponibilizadas em toda avenida. "A prioridade para estar nas áreas serão dos ambulantes que têm a licença da Prefeitura. Logo depois, vêm os que deram entrada no protocolo. Os que não têm nenhum desses documentos serão redirecionados para outros lugares", clarifica o diretor.

Riscos minimizados O infectologista Matheus Todt afirma que, se a Avenida Sete funcionasse seguindo a mesma lógica anterior a pandemia, o local se tornaria um ambiente propenso a propagação do novo coronavírus e a ocorrência de um novo surto de casos seria algo provável. "A proximidade de barracas em todos os ambientes assim é um cenário ideal para a transmissão por deixar as pessoas próximas. O congestionamento de pessoas deixa a situação ainda mais complicada. Não é possível manter o mesmo número de barracas e proteger as pessoas que frequentam o local", explica.

Ainda segundo Matheus, a mudança que ocorrerá na região deveria ser critério para a reabertura em todos os ambientes comerciários. "Em tese, se as adaptações não acontecessem, isso inviabilizaria o retorno seguro. Não é uma condição que se pode ou não adotar. Teoricamente, se há uma intenção de realizar o retorno respeitando as normas de segurança da Organização Mundial da Saúde, não deveria reabrir. Se, na volta, não houvesse adaptações, você não estaria aumentando as chances de um novo surto de casos e sim assegurando o acontecimento desse surto", declara.

Repensando a cidade  O processo de readequação da cidade não vai parar com o deslocamento dos ambulantes na Avenida Sete.  A intenção da Prefeitura é continuar transformando os ambientes comerciários que tenham uma densidade alta de pessoas em contato. Marcus Passos antecipou que Avenida Joana Angélica também passará pelo mesmo processo de readequação. "Já posso te antecipar que a Joana Angélica passará por uma adaptação muito semelhante também. Lá, existe uma quantidade relevante de ambulantes na calçada que operam em um regime parecido", afirma o secretário.

Nem todas readaptações seguirão o mesmo conceito dessas duas avenidas. No caso da Rua Genebaldo Figueredo, onde se localiza o Mercado Municipal de Itapuã, a área será fechada para veículos e só comerciantes e pedestres poderão circular pelo espaço para oferecer mais espaço aos presentes e evitar aglomerações.Segundo Marcus, as adaptações são inevitáveis devido ao cenário em que a cidade se encontra e outros pontos serão alvos de reestruturações futuras.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro