'Muita felicidade', celebram candomblecistas em reabertura do Ilê Axé Opô Afonjá

Clima foi de reencontro e celebração pela confirmação da nova mãe de santo, Mãe Ana de Xangô

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  • Fernanda Santana

Publicado em 2 de janeiro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Sora Maia

Depois de um ano distantes, os filhos de santo retornaram à Casa de Xangô do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, em São Gonçalo do Retiro. “Muita felicidade de ver a casa aberta”, disse Nadia Souza Citas, 81 anos, em frente ao pátio chamado Alaiandê. O templo dedicado ao regente do terreiro estava fechado desde a morte da antiga ialorixá, Mãe Stella de Oxóssi, e foi reaberto, nesta quarta-feira (1º), para entrega do Amalá, comida dedicada a Xangô. No interior do espaço, Mãe Ana de Xangô recebia os filhos da casa já sentada na cadeira de mãe de santo. 

No início da manhã, antes mesmo de chegarem os primeiros religiosos, Mãe Ana consultou Xangô, também dono do seu “ori” (cabeça). O orixá determinou que a comida - chamada fora dos terreiros de caruru - fosse oferecida ao orixá e, depois, distribuída em pratos aos filhos da casa e visitantes apenas depois das 10h40. O clima era de reencontro e agradecimento. 

As cores no pátio eram o branco e o vermelho das roupas dos iaôs (iniciados no Candomblé) e lideranças religiosas como ogãs e obás. Todas as quartas-feiras são dedicadas a cumprir a obrigação do Amalá dedicado a Xangô. Dessa vez, pelo simbolismo da reabertura do terreiro e da confirmação de uma nova mãe de santo, escolhida no último sábado (28), houve a presença de religiosos de Brasília, São Paulo, Manaus e Rio de Janeiro. 

Da capital fluminense, veio Nadia Citas, baiana de Itabuna iniciada no Candomblé há quase 50 anos por Mãe Ondina de Oxalá, sucedida em 1976 por Mãe Stella de Oxóssi, falecida em 27 de dezembro de 2018.“Estou igual a um peixe, procurando me equilibrar. É uma alegria imensa ver nossa casa aberta e todos juntos. Eu gostava tanto de Mãe Stella, mas houve tanta atrapalhação. É hora de procurar afirmar nossas cabeças”, avaliou Nadia.O alimento oferecido como uma obrigação é preparado, principalmente, pelas mulheres mais velhas do terreiro e filhas de xangô. O público externo também pode participar.

Canto para Xangô Dentro da casa de Xangô, Mãe Ana foi acompanhada à direita e à esquerda pelos obás – os ministros de Xangô que auxiliam na administração do terreiro e em algumas obrigações religiosas – e por Pai Balbino Daniel de Paula, o Obarayi. Foi ele quem, na manhã do dia 28 de dezembro, interpretou os búzios e confirmou que era a escolha de Xangô que, dali em diante, Mãe Ana fosse a nova mãe de santo do Opô Afonjá.  Mãe Ana foi confirmada como líder do terreiro no último dia 28 (Foto: Sora Maia) Antes de o Amalá ser servido, os atabaques foram tocados e os candomblecistas bateram palmas e cantaram duas canções para Xangô. Um corredor foi formado, por onde filhos de santo dançaram para seus orixás. Obarayi, um dos mais respeitados líderes do Candomblé, também dançou para Xangô.“Para a gente, esse dia é brilhante. Temos uma nova ialorixá com o mesmo nome da fundadora [Eugênia Anna Santos], abrindo o ano numa quarta-feira para Xangô, que é o orixá dela. Em termos de força, de imagem, para a gente é uma alegria”, comemorou o ogã Lourival Vieira. Para quem foi ao Opô Afonjá, o dia foi de recomeço. O primeiro dia de 2020 foi, também, o início oficial de um novo ciclo na casa sob a liderança de Ana de Xangô. “Sinto tranquilidade e paz”, resumiu a ialorixá ao CORREIO. Depois de servido o Amalá, Ana de Xangô foi constantemente abordada pelos filhos de santo que queriam fotos com a líder religiosa. Foi também dia de deixar o passado no passado.

Os religiosos evitaram falar do último ano de vida de Mãe Stella, que se afastou das atividades do terreiro para viver, até a morte, em Nazaré, no Recôncavo Baiano, com a psicóloga Graziela Domini. Sobrinha da ialorixá, Tomazia de Azevedo Santos afirmou que “o primeiro momento de 2020 traz, também, um novo momento no Afonjá”.“Eu tô muito feliz, primeiro porque eu estava muito triste com a perda de minha tia e mãe de santo [Tomázia foi iniciada em 1988]. Graças a Deus é tudo novo. É muita benção, me sinto abençoada por Xangô”, falou.Os candomblecistas do Afonjá torcem, na verdade, por uma continuação histórica do terreiro, um dos mais antigos de Salvador. "É uma nova era, mas é uma continuação histórica. E nós [candomblecistas] participamos de tudo isso", comentou o produtor rural e ogã suspenso Domázio Rodrigues, 60. 

O calendário das celebrações ainda não foi definido, explicou o presidente da Sociedade Cruz Santa, entidade que administra o terreiro. As determinações virão da mãe de santo, depois de consultados os orixás.