Na Bahia, 50% dos empreendedores são mulheres

Cinco empresárias negras contam suas experiências no mundo dos negócios

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  • Eduardo Dias

Publicado em 20 de novembro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

O mercado do empreendedorismo mudou. Nele, já é possível notar o crescimento da quantidade de empreendedores negros em comparação com os brancos. No Brasil, a taxa total de empreendedores (TTE) negros em idade adulta (entre 18 e 64 anos) é de 40,2%, mais alta que os brancos (35%).

Este panorama foi traçado pela Pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), realizada pelo Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (Ibqp) com apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que utilizou dados de 2018. Isso significa que de cada 100 brasileiros negros adultos, 40 são empreendedores. 

Apesar de serem a maioria dos empreendedores no Brasil, os negros, no entanto, possuem renda quase 50% inferior a de empreendedores brancos. Quase 80% dos empresários negros faturam até R$ 24 mil por ano. Por outro lado, quase 72% dos empreendedores brancos estão nessa mesma faixa de faturamento.  Quando a faixa de faturamento anual aumenta para até R$ 36 mil, apenas 7,7% dos empreendedores negros alcançam o valor. Em contrapartida, 13,6% dos empresários brancos possuem esse faturamento. 

Os empreendedores iniciais negros com renda familiar de até dois salários mínimos são a maioria (54,2%). Entre os brancos, essa proporção é de aproximadamente um terço (37,5%). O quadro se inverte quando a renda familiar é maior. Considerando renda familiar acima de três salários mínimos, a pesquisa apontou que os empresários negros representam 22,9%, enquanto entre os brancos esse valor chega a 42,4%.

Ou seja, apesar da quantidade de empreendedores negros ter avançado, eles possuem renda familiar mais baixa que os empreendedores brancos.

Mulheres empreendedoras Com o intuito de contribuir com a mudança desse cenário, desde a segunda-feira (18), acontece a Semana Global do Empreendedorismo com vários eventos sobre o setor. A programação completa pode ser acessada no site do evento. 

Em Salvador, nesta terça-feira (19), estava marcado um evento do Sebrae e da Associação de Jovens Empreendedores (AJE Bahia), sobre Afroempreendedorismo, na Arena Fonte Nova, mas por questões de documentação o evento foi adiado.

Nesta terça, data em que se celebra o Dia da Mulher Empreendedora, o gerente regional do Sebrae Bahia, Rogério Teixeira, apresentou dados que reforçam a importância das mulheres nos negócios. Segundo ele, a Bahia conta hoje com cerca de 800 mil pequenos negócios, sendo que 50% deles são liderados por mulheres. Desses, 479.965 são registrados como Microempreendedores Individuais (MEI), divididos entre 223.460 mulheres e 256.505 homens. “Existe uma tendência das mulheres, através do empoderamento feminino e de diversos órgãos que apoiam a causa, se encorajarem mais em abrir negócios e empreender formalmente. Por isso, metade dos empreendimentos, hoje, são liderados por mulheres, cerca de 400 mil pequenos negócios”, afirmou Rogério.  Ainda segundo Rogério, as principais áreas em que as mulheres mais empreendem são associadas à alimentação como restaurantes e lanchonetes e serviços de dellivery; e cuidados com a beleza e estética como salões de beleza, clínicas de estética e atendimentos do tipo.

No entanto, algumas mulheres empreendedoras mudam a segmentação de seu negócio durante a vida profissional. Rogério considera essa mudança favorável para a variação de público-alvo do negócio escolhido."Toda vez que se segmenta um negócio, você passa a ter um lado positivo e um negativo. A parte positiva é que você vira especialista naquilo. Quem prefere aquele tipo de serviço, busca sempre um especialista na área. Mas, também, existe o risco de você reduzir o tamanho do seu público alvo. Empreender sempre é bom, isso te traz uma liberdade de pensar em um negócio do jeito como você gostaria que fosse atendido se buscasse algo da mesma forma. Te traz felicidade e empodederamento”, completou.Representatividade Natural de São Paulo, mulher, negra e empreendedora, Glaucia Sousa, 34 anos, mora em Salvador há 3 anos e já se considera uma ‘soteropaulistana’. Como a maioria dos empreendedores, ela também começou um negócio por necessidade, após o pai ficar desempregado e ela precisar assumir o sustento da casa. Ao largar o trabalho na área de vendas, decidiu montar, junto com o pai, um pequeno pet shop na capital paulista, o Sapecão, que conta com um clínica e loja de produtos para animais.

Mas, ao perceber que poderia contribuir ainda mais com as contas de casa, Glaucia logo viu a necessidade de expandir o negócio. Ela, então, começou a estudar outras maneiras de empreender e abriu uma filial do pet shop em Salvador. Ao se mudar para a capital baiana, ela decidiu expandir seu conhecimento para outras áreas.

Glaucia fez cursos na área de fianças para se aperfeiçoar e, atualmente, é coordenadora de responsabilidade social da Associação de Jovens Empreendedores na Bahia (AJE), além de atuar também como coach para empresas e instituições. Ela oferta treinamentos para palestrantes e palestras individuais sobre consciência financeira e temáticas de impacto social, através de sua outra empresa, a Conexão de Valor, que capta os contratos de prestação de serviços e parcerias.  

Glaucia é coach, palestrante e dona de pet shop (Foto: Marina Silva/CORREIO) “É muito importante falar sobre essa temática de empreendedorismo negro e da consciência financeira, pois passamos por um momento de empoderamento negro. Salvador é a cidade que possui a maior parte da população negra, então é preciso pensar nessas questões de mercado. Hoje, os empreendedores negros acabam seguindo muito por conta da necessidade, na maioria das vezes por estarem desempregados. Procuramos fazer a população negra entender que empreender é algo que vai trazer um diferencial para eles e suas famílias”, disse Glaucia, que lidera os três negócios de diferentes segmentos.Personal organizer Patrícia Pereira, 44, mora em Itapuã e é uma personal organizer há um ano e meio, profissão essa que ela descobriu após pesquisas na internet. Ela atua com a organização de espaços residenciais e institucionais antes, durante e após mudanças. Ela decidiu fazer cursos online e profissionalizantes na área para o aperfeiçoamento de seu trabalho.

Antes, Patrícia era profissional da área de beleza e estética e fazia atendimentos em residências para serviços de depilação. Hoje, a sua maior dificuldade é fazer com que as pessoas que contratam o seu serviço não confundam o trabalho de organização de espaços com o trabalho doméstico.    

Patrícia é profissional organizer e sua empresa atua com organização de espaços (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Sempre gostei de organização, de arrumar coisas. Mas todo dia no meu trabalho é um desafio diferente. O fato de ser uma mulher, negra, empreender é mais difícil ainda. A credibilidade que temos que ter no mercado é bem maior. Quem procura esse tipo de serviço são pessoas de bairros nobres, de uma classe social específica, a classe A. Muitas dessas pessoas, ao contratar o serviço, ainda confundem nosso serviço com limpeza. Mas, hoje me sinto melhor do que quando trabalhava com beleza, tenho mais tempo para mim, faço meus horários, comando uma equipe de pessoas, tenho mais liberdade”, ponderou.Tal mãe, tal filha Casada e mãe de dois filhos e moradora do bairro de Cosme de Farias, a empreendedora Juliana Guimarães, 35, fundou, ao lado da filha Marine Fortunato, 16, a empresa Fortunando, tendo como especialidade o treinamento em educação financeira para jovens e adolescentes empreendedores de escolas públicas.

Com apenas dois meses de atuação, as duas se revezam nas palestras em escolas e instituições com uma linguagem menos formal, mais próxima dos jovens para apresentar propostas de como usar o dinheiro da melhor forma e como prosperar no futuro.  

Juliana e Marine dão palestras sobre educação financeira para adolescentes (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Minha filha aprendeu desde cedo sobre educação financeira. Ela sentiu a necessidade de passar essas informações para os jovens, eles falam a mesma linguagem. Nosso propósito é falar de educação financeira para os jovens com o foco na construção de riqueza e mostrar que existe um caminho para usar o dinheiro para ter prosperidade, multiplicar, mas com o propósito de ter uma vida digna e contribuir para om mundo”, disse Juliana, que desistiu do curso de Jornalismo no 6º semestre para iniciar o curso de Psicologia, após o nascimento do seu filho mais novo.Preconceito e aprendizado Nascida numa comunidade carente na Avenida General San Martin, a contadora Jaqueline Oliveira, 25, passou por muito preconceito e aprendizado durante sua carreira na área contábil. Ela, que atua como parceira da AJE com consultorias gratuitas sobre aberturas de empresas voltadas para jovens empreendedores, trabalhou num escritório de contabilidade durante quatro anos e saiu para montar o próprio negócio, um escritório online de perícia e serviços contábeis com foco em revisão de contratos, marketing digital e contabilidade voltados para jovens empreendedores e comunidades carentes.  Jaqueline é contadora e atua com serviços voltados para jovens empreendedores (Foto: Marina Silva/CORREIO) “O que eu ganhei de conhecimento, eu preciso passar para outras pessoas de graça. Por esse motivo, aceitei a parceria com a AJE. No início de minha vida profissional, eu sofri muito preconceito. Muitas pessoas falavam que não aceitariam os serviços de pessoas do meu tipo, negra e tatuada. O âmbito judiciário é um ambiente muito rígido para as mulheres, principalmente para as mulheres negras. Eles procuram um motivo para te colocar à parte. Mas, eu me afirmo todos os dias, me empodero e procuro empoderar todas as pessoas que lutaram para estar naquele local”, disse.Inclusão social Quando começou com a plataforma de articulações La Frida, a empreendedora e coordenadora geral da ideia, Lívia Suarez, 32, atuava com o público direto na venda de café em uma bicicleta pelas ruas de Salvador. No entanto, com o passar do tempo, após uma pesquisa realizada em comunidades, ela e sua equipe de 15 pessoas perceberam que a maioria das mulheres negras da periferia não sabiam andar de bicicleta.

A partir daí, ela mudou o foco do negócio para a inclusão de acesso às bikes. Com o novo conceito de empresa de soluções, invocação de mobilidade e inclusão dessas pessoas, surgiu o empreendedorismo criativo da plataforma com vários projetos aglomerados.  

Lívia é uma das idealizadoras do La Frida (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Hoje atuamos em Salvador, Santo Amaro e São Paulo. Temos um projeto que é incluir as mulheres negras nos planos de mobilidade das bicicletas em Salvador, além do projeto Preta Vem de Bike, que ensina mulheres negras a andar de bike para estimular e incluir as mulheres negras de comunidades. Criamos e vendemos acessórios para mulheres negras e de cabelo afro como um capacete específico, fazemos doações de peças, cedemos bikes compartilhadas para passeios e reformamos as bicicletas que essas mulheres já possuem. Pensamos nisso porque a cidade foi projetada para a prática de ciclismo de pessoas brancas e queremos mudar isso”, falou.Confira dicas do Sebrae sobre o que fazer antes de empreenderDefina em que vai empreender – essa decisão deve ser em algo que goste ou que saiba muito fazer; Faça um planejamento – é fundamental para o sucesso do negócio; Inove – tenha um diferencial no seu negócio para que seu público alvo identifique ele entre os concorrentes; Entenda o público alvo – é importante saber quem é ele, o que ele faz e qual sua classe econômica; Conheça o mercado – é preciso saber bem onde vai atuar. O que fazer parar ser um empreendedor de sucesso?Correr risco calculado; Estabelecer metas; Ter mais de um fornecedor; Fazer controle financeiro; Investir de maneira direcionada em marketing; Network. *Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier.