Na Bahia, Bolsonaro causa aglomeração e tira máscara: 'Ninguém governa sozinho'

Em sua 1º viagem após se recuperar da covid-19, presidente foi para Campo Alegre de Lourdes inaugurar um sistema de abastecimento de água

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  • Da Redação

Publicado em 30 de julho de 2020 às 14:59

- Atualizado há um ano

. Crédito: Joyce Guirra/TV São Francisco

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) passou por Campo Alegre de Lourdes, no norte da Bahia, na manhã desta quinta-feira (30), para fazer a inauguração da segunda etapa do Sistema Integrado de Abastecimento de Água do município. O presidente chegou ao local da cerimônia por volta das 10h50.

A adutora, de 150 km e R$ 90 milhões, leva água do Rio São Francisco para o município. O presidente iniciou agradecendo a Deus pela vida, e falou que estava feliz com a inauguração. "Ninguém governa sozinho", disse Bolsonaro."Começamos enfrentando uma pandemia, ninguém esperava isso, mas ela veio, e nós fizemos tudo o possível para que seus efeitos fossem minorados. Mas fizemos isso tendo ao nosso lado valorosos senadores e deputados", declarou o presidente, citando parlamentares presentes.O presidente usava máscara de proteção contra a propagação da covid-19, mas retirou o acessório antes de fazer discurso. Inicialmente, ele deixou a máscara no queixo, mas depois a retirou por completo e deixou o palco onde discursou sem. 

A cerca de 800 quilômetros de Salvador - já na divisa com o Piauí, mais perto de Teresina - Campo Alegre de Lourdes faz parte do cerrado baiano e é atingida pela seca. A cidade fica na região que integra o "polígono da seca", que abrange todos os estados do Nordeste exceto o Maranhão, além de Minas Gerais. A cidade nunca teve asfalto e água encanada. 

Por lá, o governo federal estima que 71 comunidades e 40 mil pessoas serão beneficiadas com água tratada e abastecimento regular, a partir do sistema hídrico. 

A obra do sistema de abastecimento teve investimento de R$ 90 milhões do governo federal e teve a primeira etapa entregue em 2018. A captação da água é feita no lago de Sobradinho, na cidade de Pilão Arcado, que fica a cerca de 90 km de Campo Alegre de Lourdes.

Mais cedo, ao pousar no aeroporto de São Raimundo Nonato, no Piauí, ele já havia estado sem máscara ao montar em um cavalo no meio de uma aglomeração de apoiadores.

Em São Raimundo Nonato, ele foi recebido por dezenas de pessoas ao desembarcar no aeroporto, em sua primeira viagem após ser diagnosticado com o novo coronavírus no início do mês. No sábado (25), Bolsonaro anunciou pelas redes sociais que testou negativo para a doença. Com chapéu branco de couro, o presidente montou em um cavalo e acenou para as pessoas que o chamavam de "mito".

Bolsonaro apareceu do lado de fora do aeroporto com máscara, mas logo deixou-a abaixo do queixo enquanto era cercado por apoiadores, alguns sem máscara. Mais cedo, outro grupo de manifestantes protestou segurando faixas criticando a postura do governo no combate ao novo coronavírus.

Questionamentos A vinda do presidente Jair Bolsonaro à Bahia não ocorreu sem polêmica. Um dia antes da cerimônia de acionamento do Sistema Integrado de Abastecimento de Água em Campo Alegre de Lourdes, o deputado federal pela Bahia, Jorge Solla (PT) ingressou com uma ação popular na Justiça Federal pedindo a suspensão do ato no interior baiano. A alegação era de que a obra já havia sido entregue em 2018.

De partido de oposição ao presidente, o prefeito de Campo Alegre de Lourdes, Enilson Marcelo Rodrigues (PCdoB), explica que apenas a primeira etapa da obra da rede, que leva água para a cidade, começou a funcionar em 2018, ainda em fase de testes. O evento desta quinta, que contou com a presença de Bolsonaro, marcou a entrega de todo o sistema para o município.“A cerimônia realizada na época foi a passagem da primeira etapa do sistema para a Embasa para que ela pudesse distribuir a água. Não se tratava de uma inauguração, foi a entrega da 1ª etapa e, agora, ocorreu a inauguração da obra toda. Aqui na cidade e em Pilão Arcado, a gente já tinha água nas torneiras”, disse.Apesar de inaugurada em sua integridade pelo governo Bolsonaro, a prefeitura de Campo Alegre de Lourdes afirma que a obra é fruto de uma negociação do ex-governador Jaques Wagner com o governo Dilma Rousseff. “Essa segunda etapa beneficia mais as comunidades rurais. O governo Dilma disponibilizou recursos para cerca de 65% da obra. A gestão Michel Temer arcou com cerca de 15% e Bolsonaro entrou com o restante”, disse Rodrigues.

Em resposta ao CORREIO, o deputado Jorge Solla afirmou que o convite enviado aos parlamentares cita expressamente que a cerimônia realizada nesta quinta seria o “Acionamento do Sistema Integrado de Abastecimento de Água de Campo Alegre de Lourdes”. “A informação que temos é a de que este projeto foi concluído e inaugurado em 2018, de forma que o sistema integrado de abastecimento de água está em funcionamento desde então. Este é um projeto do PAC-2, do governo Dilma Rousseff, em parceria com o governo da Bahia, então comandado pelo atual senador Jaques Wagner”, pontuou o parlamentar em nota.O deputado cita ainda que a obra de expansão da rede do sistema integrado de Campo Alegre de Lourdes para atender localidades e distritos determinados também foi autorizada pelo governo Dilma. “Essa obra, segundo as informações que tenho, está 90% concluída”, disse.

Na visão do parlamentar baiano, Bolsonaro utilizou a cerimônia realizada no interior da Bahia para tentar emplacar a narrativa que está acabando com o problema de abastecimento de água, se valendo de uma obra que não tem absolutamente nenhum mérito. “Seu governo [a gestão Bolsonaro] praticamente zerou novos investimentos na Codevasf, e aí não tem dificuldade de verificar, é só olhar o orçamento”, concluiu.

Resposta do governo Procurados pelo CORREIO, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Ministério do Desenvolvimento Regional enviaram a mesma nota afirmando que o empreendimento recebeu mais de R$ 20 milhões em investimentos do Governo Federal desde 2019. 

Ainda segundo o texto, a obra da primeira etapa foi concluída em maio de 2019 em caráter pré-operacional. Com isso, o abastecimento ocorria de forma intermitente em alguns casos. O investimento total nas obras do sistema foi de R$ 90 milhões, de acordo com a Codevasf.

O prefeito do município, entretanto, afirma que a primeira etapa começou a funcionar em fase de testes ainda em 2018 ofertando água de forma gratuíta para a população por cerca dos sete meses que durou o processo. “Passamos um período fazendo testes com a Embasa, que tem um convênio de 20 anos com a prefeitura para o gerenciamento da adutora.  A tarifa só começou a ser cobrada no mês de abril de 2019”, disse.

Procurada, a Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento da Bahia (Sihs) não respondeu até a publicação da matéria. Em junho de 2018, a Secretaria de Comunicação Social do Estado da Bahia publicou o seguinte texto anunciando a inauguração das obras de abastecimento em Campo Alegre de Lourdes: “Em Campo Alegre de Lourdes, no norte baiano, o Governo do Estado inaugurou, nesta quinta-feira (28), obras que vão ampliar o abastecimento de água do município, bastante afetado pela estiagem. Foram entregues um Sistema Simplificado de Água, que vai atender as localidades Lagoa dos Bois de Cima, Lagoa dos Bois e Sítio Matias; outro para as comunidades de Pau de Birro Novo e Sítio Novo do Elói; e um terceiro para os moradores de Lagoa Fechada, Genipapinho, Folha Larga, Roça de Dentro, Roça de Dentro II e Baixão Seco”.

*Com orientação da subeditora Clarissa Pacheco