Na trave: conheça os baianos que tiraram 980 na redação do Enem 2020 

Das 28 pessoas do Brasil que tiveram nota mil na redação

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  • Marcela Vilar

Publicado em 31 de março de 2021 às 05:45

- Atualizado há um ano

Errata: um dia após a publicação da matéria, o Inep respondeu afirmando que duas pessoas da Bahia, das cidades de Paulo Afonso e Macaúbas, tiraram nota mil na redação. O CORREIO tinha publicado que nenhum aluno de Salvador tinha atingido a nota. Pela falta de clareza na informação, pedimos desculpas. 

No Brasil inteiro, 28 pessoas tiveram nota mil na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), porta de entrada para a maioria das faculdades públicas do país. Em 2019, foram 52 pessoas que tiraram a nota máxima, e uma delas foi da Bahia, da cidade de Vitória da Conquista. No Enem de 2020, nenhum soteropolitano conseguiu emplacar o tão sonhado mil. Eles baterem na trave e tiraram a segunda melhor nota na categoria: 980. Na Bahia, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), somente duas pessoas fecharam a prova. O tema escolhido pelo Inep para a prova foi “o estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira”.  

No colégio Sartre COC, pelo menos nove alunos pontuaram 980. No Villa Global Education, duas pessoas tiraram 980, outras duas 960 e mais oito acima de 900. No Bernoulli, uma aluna do interior da Bahia, de Itaji, no Centro-Sul, também atingiu a nota. Todas as que tiraram 980 com quem o CORREIO conversou miram na vaga de Medicina. Já a aluna Marina Ziemer, do Colégio Oficina, tirou 940 e espera passar em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal da Bahia (Ufba) ou no curso de Administração.  

Não existe fórmula mágica para ir bem na prova de redação. As alunas apostaram em estratégias diferentes, com citações desde o reality show A Fazenda ao filósofo francês Michel Foucault. As rotinas de estudo também variam. Umas se dedicam mais a uma intensa produção de textos, de, pelo menos, uma redação por semana, outras à correção dos textos escritos e outras ficam mais tempo na teoria.  

No caso da aluna Marianna Caldas, que fazia pré-vestibular no Sartre, até um compilado de citações de acordo com o repertório ela preparou. É o segundo ano que tenta passar em Medicina, sonho que ela tem desde pequena. “Estava meio receosa, confesso, porque não sabia se tinha ido bem, mas fiquei muito feliz com o resultado”, conta a candidata.   A aluna Marianna Caldas citou A Fazenda, a Constituição brasileira e o livro Homens Invisíveis na redação do Enem 2020 e conseguiu nota 980. Crédito: Acervo Pessoal.  No texto, ela citou o livro Homens Invisíveis, do psicólogo Fernando Braga, para mostrar como pessoas que têm algum tipo de transtorno mental são negligenciadas pelo governo. “Usei essa citação porque ela é bem geral, dá para encaixar em vários assuntos e foi uma coisa que veio logo em minha mente. No segundo desenvolvimento, citei os preconceitos que a participante Raíssa Barbosa sofreu em A Fazenda 12. Ela tinha transtorno de borderline e não conseguia lidar direito com as emoções, e usei como recorte do que acontece na sociedade”, explica Marianna. Na introdução, ela veio logo citando a Constituição, para reforçar que todos são iguais perante a lei.  

Uma das técnicas que ajudou na conquista dos 980 na redação foi um curso específico dedicado à matéria. “Uma coisa muito importante para redação é ter um modelo próprio, tipo um esqueleto, e ir encaixando os argumentos e palavras do tema. São dicas do meu professor maravilhoso, Eduardo Dantas”, agradece a ex-aluna.  

Além das 5 horas de estudo diárias, ela fazia pelo menos um texto por semana. O esforço valeu a pena. Na última vez que fez a prova, a nota da redação foi de 940. Nas outras áreas o desempenho também aumentou: ela teve uma média geral de 749. A nota de corte para Medicina na Ufba no último ano foi 773, mas ela espera que abaixe por conta da pandemia.  

Recorrija suas provas  Já a estudante Maria Olívia Lobo, 19, que fez cursinho no Bernoulli, adotou o método de sempre corrigir os erros das redações que fazia. “Eu era super insegura, apesar de sempre gostar de escrever e ter muita facilidade e criatividade. A primeira mudança foi pegar meus erros e reescrever as redações para me aperfeiçoar. Acho que a gente tem que estar disposto a errar, reconhecer e aprender com nossos erros”, narra. 

Maria Olívia também fez um curso à parte de redação e escrevia cerca de duas por semanas. Ela dividia a rotina de estudos em dois rounds: além das aulas de manhã, ela estudava pesado à tarde e à noite pegava mais leve, com horários mais flexíveis. Aos finais de semana, sempre fazia um simulado para se acostumar com o ritmo da prova. De 780 que tirou em 2018 na redação, ela alcançou 940 em 2019 e 980 em 2020. O sonho é entrar na Ufba. A nota geral que ela conseguiu neste ano foi 733.   María Olívia, que quer cursar medicina, foi uma das baianas que tiraram 980 na redação do Enem 2020. Crédito: Acervo pessoal  Na argumentação do texto, ela citou o filme Coringa, por conta de o personagem principal ter seu tratamento psicológico cancelado pelo governo por falta de verba. Maria usou ainda o livro Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago, para falar da cegueira social. “Foi um livro bem trabalhado no cursinho, que fala dessa cegueira branca, dessa alienação da sociedade que não consegue perceber o outro e não tem sensibilidade com a dor do outro”, conta. Ela também citou o filósofo Jean Jacques Rousseau para ressaltar a tese do contrato social, em que o governo é quem deve assegurar o bem estar da população.  

No time das que querem Medicina, o mais concorrido dentre os cursos universitários, está Isabel Vaz, de 16 anos, que estudou no Sartre COC. Adiantada, ela conclui o 3º ano em 2020 e decidiu que queria ser médica no ensino médio. “Decidi que queria fazer Medicina há três anos, desde o início do ensino médio isso foi se consolidando e é uma área que sempre gostei não pelas matérias do colégio, como biologia e química, mas pela atuação do que o médico pode fazer. Me vejo no futuro atuando com isso”, conta.  

Nascida em Amargosa, no Recôncavo Baiano, ela achou que não ia conseguir superar os 960 que tirou na redação do Enem 2019. Mas com um curso específico para a disciplina, 5 horas diárias de dedicação e duas redações por mês ajudaram a alcançar o objetivo. Mas o que ela achou que fez mesmo a diferença foi analisar as questões antigas dos exames anteriores. “Ver o que mais caía, os modelos de questão, ao invés de ficar estudando só a teoria muitas horas por dia acho que não vale tão a pena”, aconselha.   Isabel Sampaio apostou na criação de repertórios por tema para treinar para a prova da redação e conseguiu 980. Crédito: Acervo Pessoal.  Crie seu repertório  Ela criou um perfil no Instagram para postar dicas de como ir bem nas questões (@conteudoparavestibular). A nota geral que ela conseguiu foi 720. Dentre as citações, ela escolheu as palavras de Foucault e orienta que o mais certeiro é preparar os repertórios por área, ao invés de ficar tentando adivinhar qual será o tema da redação. “Tentar adivinhar o tema foi algo que sempre evitei fazer, porque você acaba criando uma expectativa muito grande e pode ficar travado na hora. A melhor forma é separar repertórios por eixos temáticos, pensar em argumentos para a área da saúde, meio ambiente, educação, porque você sabendo a estrutura e tendo os repertórios gerais, você fica mais preparado”, indica.  

Já a ex-aluna do Colégio Oficina, Marina Ziemer, 18, deu essa sorte: ela preparou dois palpites para o tema da prova na véspera e acertou. “Na noite anterior, eu tinha feito um esquema de temas que creditava que poderia cair, fiz um dessa área de saúde mental e de educação à distância. Acabei que dei muita sorte porque estava com os dados frescos e já tinha feito redação sobre esses dois temas, mas não com esse direcionamento”, conta Marina.  

Como não queria um dos cursos mais concorridos, sua rotina de estudos era de em torno 3 horas diárias, além da redação toda semana. Assim como as demais candidatas, ela fez um curso preparatório para a matéria, porque a escrita não era seu forte. Em 2018, quando fez o Enem pela primeira vez, tirou 580. Em 2019, 700 e em 2021, 940. A leitura de matérias e artigos passados pelas professoras, assim como a correção dos textos escritos também ajudaram na melhora da nota. Atualmente, ela cursa arquitetura no Senai, mas, se passar na Ufba, pretende mudar.  

Para desenvolver a tese do Enem, ela utilizou conceitos e dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) acerca de saúde mental, além de citar a série “13 reasons why”, que aborda o suicídio e a depressão. Marina também utilizou a teoria da caverna de Platão para ilustrar os pensamentos irracionais e equivocados que muitos têm sobre complicações no trato mental. Como solução para o problema, ela propôs a implantação, pelo Congresso Nacional, de uma lei que torne obrigatória a abordagem sobre saúde psicológica em todas as escolas brasileiras.  Marina Ziemer, do Colégio Oficina, tinha tirado 580 na redação do Enem de 2018 e conseguiu melhorar a nota para 940 na última edição. Crédito: Acervo Pessoal.  O que não pode faltar na redação do Enem?  As três dicas de ouro que a professora de redação do Villa Global Education, Mônica Melo, indica para os que querem ir bem na redação do Enem são: atentar para o recorte temático da prova e fazer uma tese de acordo com os direcionamentos; a segunda é ter um repertório produtivo e, por último, ter uma proposta de intervenção detalhada e exequível. 

“Não basta o aluno entender a proposta com a sua ideia principal. Ele tem que ficar atento ao recorte temático, às palavras, a especificação do tema apresentado pela prova. Então o tema não foi sobre doenças mentais, foi sobre os estigmas provocados por essas doenças mentais”, esclarece a professora. Além disso, as citações têm que estar de acordo com a argumentação textual. “Não adianta saber citações, teorias, conceitos, filósofos que tratem sobre o assunto, se não conseguir integrar esses elementos na argumentação. Não adianta citar por citar”, adiciona.  

Por fim, ela aconselha que a conclusão deva conter uma proposta de intervenção possível de ser executada. “Não pode faltar uma proposta de intervenção detalhada, concreta, objetiva, exequível. Não adianta propor algo que não tem condição de ser executado. Não precisa ser uma solução pra o problema, o Enem pede uma intervenção, que respeite os Direitos Humanos e que possa ser realizada dentro daquela problemática e do contexto nacional", conclui Melo.  

Com a divulgação das notas, o próximo passo dos candidatos que fizeram Enem em 2020, que, na verdade, foi realizado em janeiro de 2021, por conta da pandemia do novo coronavírus, é se inscrever no SISU. Os resultados saíram ontem à noite (29) no site do Inep, mas, por conta da instabilidade no endereço, muitos alunos só conseguiram consultar hoje pela manhã (30), como foi o caso das alunas que o CORREIO entrou em contato. Procurado, o Inep não respondeu à reportagem até o fechamento.  

Confira o calendário do SISU 2021:  Inscrições - 6 a 9 de abril   Resultado chamada regular - 13 de abril   Prazo para lista de espera - 13 a 19 de abril   Matrícula chamada regular - 14 a 19 de abril   Convocação de candidatos em lista de espera - 23 de abril 

Nota de corte dos cursos mais concorridos na Ufba em 2020: Medicina - 773,07 - 32 vagas - Salvador  Medicina - 768,37 - 18 vagas - Vitória da Conquista  Engenharia Elétrica - 749,28 - 18 vagas - Salvador  Engenharia da Computação - 744,79 - 18 vagas - Salvador  Engenharia Mecânica - 741,29 - 18 vagas - Salvador 

*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro