'Não podemos ficar órfãos de mãe viva', diz representante do Afonjá

Mãe Stella, líder do terreiro, não faz celebrações desde o início do ano

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  • Da Redação

Publicado em 11 de dezembro de 2017 às 03:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Betto Jr./CORREIO

Desde o início do ano, todas as celebrações religiosas do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá foram presididas não pela Ialorixá da casa, Mãe Stella de Oxóssi, mas pela Iya Kekerê do terreiro – a chamada Mãe Pequena. De acordo com o presidente da Sociedade Cruz Santa do Afonjá e um dos 12 obás de Xangô do Ilê Axé Opô Afonjá, Ribamar Daniel, quem ocupa o cargo no terreiro é Mãe Ditinha de Iemanjá.

“Tem uns três anos que Mãe Ditinha é a Iya Kekerê e presidiu todas as celebrações do ano porque Graziela não deixou que Mãe Stella fizesse”, contou Ribamar, referindo-se à psicóloga Graziela Domini, companheira da ialorixá. Para ele e para muitos dos filhos de santo do terreiro, a sacerdotisa está sendo manipulada pela esposa.

Segundo ele, Mãe Stella nunca teria defendido Graziela. Por algum motivo, Ribamar acredita que a religiosa esteja acuada. “No dia 21 (de novembro), tive uma conversa com ela e algumas pessoas do terreiro ouviram. Na conversa, Mãe Stella não questionou nem um minuto. Ela dizia: ‘O que ela (Graziela) quer é poder’. E eu dizia: ‘A senhora deu poder a ela?’, e ela respondeu que não”.

Ribamar diz que não quer interferir na vida pessoal da sacerdotisa, mas que, enquanto representante religiosa, Mãe Stella não poderia agir dessa forma.“Nós não podemos ficar órfãos de mãe viva”, desabafou. “Queremos conversar com Mãe Stella longe da presença dessa cuidadora que se diz esposa. Perguntar se ela esqueceu do Candomblé, dos ensinamentos de Mãe Aninha e se quer renunciar ao cargo de ialorixá do Afonjá. Se assim for, ela assinará os documentos de renúncia e voltaremos a procurar a sucessora. Do contrário, ela precisará voltar ao terreiro, de onde só pode sair depois que sua vida chegar ao fim”, afirmou ele, também ao CORREIO, na sexta (8). Ribamar Daniel, um dos obás de Xangô da casa, espera pelo retorno de Mãe Stella (Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO) No dia, familiares e filhos do terreiro protocolaram uma ação contra Graziela, que diz ter escritura pública comprovando ser responsável pelo cuidado de saúde de Mãe Stella. A decisão de levar o caso à Justiça foi tomada após reunião realizada ontem na Casa de Xangô, no Afonjá, entre integrantes do Ilê. 

A disputa tem como pano de fundo o patrimônio cultural e o legado religioso de Mãe Stella, além dos próprios bens do Afonjá. Familiares e filhos do terreiro acusam Graziela de fechar o Museu Ilê Ohun Lailai - primeiro museu do candomblé, criado em 1982 -, além de retirar móveis tradicionais da Casa de Xangô e substituir Mãe Stella em rituais religiosos, “usurpando a condição de ialorixá ou yakekerê do terreiro”. Dizem ainda que a psicóloga, que se apresenta como companheira da ialorixá, passou a proibir visitas a Mãe Stella.  Na sexta (8), representantes do terreiro, filhos de santo de Mãe Stella e familiares da ialorixá se reuniram no Afonjá (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) CORREIO visitou ialorixá em Nazaré Na noite de sábado (9), os repórteres Ronaldo Jacobina e Betto Jr foram até a casa onde Mãe Stella está morando, em Nazaré das Farinhas, no Reconcâvo baiano, para conversar com a líder religiosa. 

Ela está vivendo com a companheira, a psicóloga Graziela Domini, segundo a qual seis pessoas tomam conta da ialorixá no centenário casarão de número 35, da Rua Ferreira Bastos, no bairro Batatan. 

Mãe Stella recebeu a equipe do CORREIO na sala principal da casa, sentada numa cadeira de vime giratória, onde descansava. 

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“Ela está ótima, lúcida”, diz Graziela, companheira da religiosa e que está sendo acusada por membros da família da sacerdotisa e também por filhos de santo do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, de tê-la afastado do convívio familiar e religioso. 

Mãe Stella, no entanto, disse ter saído do Afonjá por decisão pessoal. “Eu vim pra cá porque estava desencantada com o rumo que as coisas tomaram de um tempo para cá. Vim de livre e espontânea vontade, não sei porque estão fazendo Graziela de bode expiatório. Espero que Deus dê forças a ela para suportar o que estão nos fazendo”, disse, pausadamente, a ialorixá. 

Oscilando entre momentos de lucidez e de apagões de memória, a ialorixá contou que estava sendo muito pressionada pelos 71 membros do terreiro que não mais a escutavam. “Eles falam da hierarquia, mas depois de se reunirem comigo, tomavam outras decisões sem me consultar”, exemplificou.

Mãe Stella afirmou que a decisão de sair de sua casa para passar uma temporada fora foi para ver se aplacava os ânimos por lá. “Eu não estava sendo respeitada. Preferi me ausentar para ver se as coisas se acomodam. Perdi o encantamento”, disse, para em seguida, ressaltar: “Não do meu trabalho, da espiritualidade, mas da condução das coisas dentro do Afonjá”.

Ela contou que continua se sentindo responsável pelo terreiro e pelo seu trabalho espiritual. “Só não é admissível é que você queime as suas pestanas, perda o sono, faça suas obrigações e depois sempre encontra quem atrapalhe seus pensamentos”, comentou.

Sempre com os olhos semicerrados e um tom de voz baixa e muito pausado, a sacerdotisa, na maioria do tempo, se esforçou para concluir o raciocínio. Nem sempre conseguiu e muitas vezes suas frases foram complementadas pela companheira que, cuidadosamente, a consultou antes de interceder. Mãe Stella com a companheira, a psicóloga Graziela Domini, em Nazaré das Farinhas, no sábado (Foto: Betto Jr./CORREIO) Aparente cumplicidade A relação das duas, pelo menos aparentemente, é de muita cumplicidade. “Eles acham que estou interessada em tomar o lugar dela, mas isso não passa pela minha cabeça. Até porque, minha energia hoje é toda voltada para dar qualidade de vida a ela, foi por isso que viemos para cá, para termos paz”, comentou Graziela, que tem o posto de Iya Egbe (mãe de todos) no Ilê Axé Opô Afonjá.

Para a Mãe Stella, toda essa situação que está vivendo é fruto de intrigas e de disputa interna de poder dentro do terreiro. “Eu não sei o porquê de tudo isso estar acontecendo lá se eu não penso hora nenhuma em sucessão”. 

O repórter Ronaldo Jacobina perguntou se Mãe Stella pretendia voltar, e se havia previsão de quando isso poderia acontecer. Ela respondeu: “É o orixá, que vai dizer, que vai orientar. Então, que essa energia, porque o orixá é uma energia, toque na cabeça de todos nós para que encontremos o caminho certo”.

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Conflito foi revelado pelo CORREIO há seis meses; relembre A confusão envolvendo a iolorixá foi noticiada, com exclusividade, pela coluna Satélite, do CORREIO, na edição de 21 de junho. Na ocasião, foi revelado que familiares de Mãe Stella de Oxóssi pediram a intervenção do Ministério Público para ter acesso à ialorixá, considerada a mais influente e respeitada líder religiosa do candomblé em atividade no país. Na denúncia, uma sobrinha de Mãe Stella acusou pessoas do círculo íntimo da ialorixá de impedirem que ela tenha contato com parentes e filhos de santo do terreiro. O relato feito aos promotores que atuam na área de defesa dos idosos incluiu ainda suspeitas de maus-tratos físicos e psicológicos. Veja um resumo dos principais acontecimentos:

21 de junho Denúncia no MP-BA: Familiares e filhos de santo pedem a intervenção do MP-BA para ter acesso à ialorixá. Sob anonimato, sobrinha relata que família não conseguia contato havia dias. MP-BA alegava desconhecer o caso.

22 de junho Visita da promotoria: Representantes do MP-BA visitam o terreiro para averiguar a denúncia feita por familiares e filhos de santo. Segundo a promotora de Justiça Márcia Teixeira, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa dos Direitos Humanos do MP-BA, ainda era prematuro confirmar ou refutar a denúncia. “Em respeito a ela, estamos agindo cautelosamente. Envolve coisas que precisamos de maiores informações”, disse.

24 de novembro Denúncia na polícia: Graziela Domini presta queixa contra filhos do terreiro por terem levado a ialorixá para a Casa de Oxóssi sem seu conhecimento. No B.O., ela diz ser a “responsável pelo cuidado de saúde da idosa” e afirma que os filhos do Ilê invadiram a casa da ialorixá  sem autorização. 

Final de novembro: Viagem para o Recôncavo: Mãe Stella viaja para Nazaré, onde vive agora com companheira, após receber alta médica.

8 de dezembro Nova denúncia: Parentes e filhos de santo protocolam ação na Justiça contra Graziela Domini. A decisão de levar o caso à Justiça foi tomada após reunião na Casa de Xangô, no Afonjá. Eles reivindicam o retorno da sacerdote do templo.