Nascer e morrer sempre foi um bom negócio para o comércio

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  • Nelson Cadena

Publicado em 1 de novembro de 2019 às 09:35

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Nascer e morrer sempre foi um bom negócio para o comércio em qualquer lugar do mundo e o Dia de Finados, em especial. Antes da reforma do Campo Santo em Salvador (1844) pela Santa Casa de Misericórdia que então adquiriu as ruinas do cemitério, destruído pelo povo na revolta popular que passou para a história como Cemiterada, as igrejas é que lucravam. Era um negócio tão rendoso que as irmandades religiosas fomentaram a revolta referida com receio de perder privilégios, em função da nova lei que, baseada em preceitos sanitários, proibia essa prática secular.

Na segunda metade do século XIX Salvador possuía seis cemitérios: Inglês, Quintas, Brotas, Massaranduba, Campo Santo e, em frente deste, o dos Estrangeiros, onde eram sepultados suíços, alemães e judeus. O comércio de flores já era o mais rendoso, naquele tempo, na semana de Finados, em especial as flores naturais, muito raras no mercado. Em inícios do século XX a Chácara Pinheiro do Rio Vermelho e o orquidário do Coronel Amorim em Brotas eram os maiores fornecedores de flores naturais a um custo que poucos podiam pagar.

Antes disso, o comércio de Finados criou uma espécie de estratificação mortuária, com três categorias de defuntos: anjinhos (crianças de menos de 5 anos), donzelas (moças que faleceram virgens) e adultos. Para cada categoria correspondia uma opção de compra. Os pobres não participavam desse comércio, colhiam flores no quintal da casa, ou, da vizinhança, para prestar sua homenagem aos seres queridos. Quem tinha recursos adquiria coroas de flores naturais, ou artificiais, arranjos chamados capelas, dísticos, laços, requifes, grinaldas e outros itens com requintes de luxo.

Para os anjinhos, o comércio disponibilizava grinaldas de aljofares e vidrilho com medalhões contendo buquês de flores em porcelana, ornados com magnólias, cravos e amores perfeitos. As capelas de suspiros tinham grande acolhida, assim como as grinaldas de folhas metálicas esmaltadas, com flores de porcelana (violetas, margaridas, ciprestes, chorões, jasmins) e biscuit. Para as crianças e donzelas o comércio oferecia quadros de flores de contas brancas miúdas.

As lojas disponibilizavam coroas de rosas em porcelana; coroas com flores de madeira recortadas; coroas ornadas com flores de pano e penas de pássaros; dísticos de pérolas; capelas de contas pretas e roxas e vidrilhos brancos e pretos ovais com emblemas e um produto que tinha grande aceitação pela possibilidade de gravar uma mensagem de saudades: laços de seda, ou, de cetim com franjas de ouro e inscrições douradas, ou prateadas, em alto relevo, do tipo: “A minha esposa saudade eterna, não me esqueço de ti”, ou, “meu querido filho, anjo amado, tu me deixas?”.

Você leitor deve estar imaginando que após o Dia de Finados o povo roubava esses itens mais valiosos. Não ocorria isso. O cemitério era lugar de respeito, dificilmente ocorriam furtos. É verdade que há registros (vários) nos jornais de gente que transava no local, no escurinho da tarde, por não ter um muro ou beco confiável perto de casa, mas, furtar as alegorias dos túmulos não era comum. Se faltaram ao respeito, Deus, pelas circunstâncias, deve ter perdoado.

No Dia de Finados lucravam também as companhias de bondes que colocavam linhas extras, músicos contratados para as procissões, costureiras, chapeleiros e o figurino da saudade era preto da cabeça aos pés e valia para ricos e pobres.