No limite, hospitais privados restringem cirurgias e abrem novos leitos

Unidades privadas estão tendo que contratar mais funcionários e remanejar leitos

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 25 de fevereiro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Antonio Saturnino/Arquivo CORREIO

Suspensão de cirurgias eletivas, contratação de mais profissionais, abertura de novas UTIs e a alocação de um  maior número de leitos  para atender pacientes com o novo coronavírus. Estas são apenas algumas das providências  que os hospitais privados da Bahia estão tomando para tentar enfrentar a  explosão de novos casos de covid-19 no estado. O setor também tem se reunido com frequência com autoridades de saúde no sentido de monitorar as taxas de ocupação e assim evitar um colapso.    Na terça-feira (23), o secretário municipal da Saúde, Leo Prates, o presidente da Associação de Hospitais e Serviços de Saúde da Bahia (Ahseb), Mauro Adan, e 12 diretores de hospitais particulares se reuniram para discutir estratégias.  Prates anunciou  que irá publicar uma recomendação  para a suspensão das cirurgias eletivas na capital e assim  facilitar a alocação de uma maior estrutura de leitos voltados para pacientes com covid. Ele também solicitou que os hospitais privados  encaminhem diariamente a taxa de ocupação dos leitos ao COE (Centro de Operações Emergenciais da Covid-19) para que a SMS possa fazer o monitoramento interno da situação de cada unidade.

“Vamos publicar a orientação de suspensão das cirurgias eletivas nos próximos dias para ampliação dos leitos de UTI Covid-19 dentro do que for possível na rede privada. Diariamente, cada hospital pode passar a situação de ocupação dos leitos para fazermos o acompanhamento do nosso sistema de saúde de maneira mais ampla”, destacou.

Mauro Adan resume o cenário do sistema de saúde atual. “A elevada taxa de ocupação dos leitos hospitalares privados na cidade de Salvador e no estado da Bahia é fruto de dois fatores: o primeiro fator é o crescimento, nos últimos 15/20 dias, dos casos de covid. O segundo fator é que os hospitais estão atendendo outras demandas hospitalares, de urgência e emergência, casos de AVC, problemas cardíacos, traumas, acidentes automobilísticos, enfim. Com a volta da sociedade à normalidade ou quase normalidade, todas essas frequências voltaram a acontecer como aconteciam antes da pandemia”, explica.

Segundo Adan, além dessas situações, existem os quadros clínicos de pessoas com doenças de base agravadas precisando de internamento porque não procuraram atendimento ou tratamento por causa da pandemia. “Eu recomendo que as pessoas procurem médicos, ambulatórios, consultórios, laboratórios, clínicas de imagens, clínicas de oncologia, clínicas de fisioterapia. Procure seu médico de confiança, sua instituição de saúde de confiança porque, o que pode haver de pior agora é que essas pessoas que têm doenças de base instaladas possam ter o quadro agravado e precisem de um leito hospitalar, seja ele de retaguarda ou de UTI”, orienta o presidente.

Mauro Adan ressalta que, apesar de ainda não haver uma situação de colapso do sistema particular, as taxas de ocupação estão elevadas e os hospitais estão tendo que se reestruturar. “Nós estamos aumentando e reforçando as equipes médicas, de enfermagem, de fisioterapia, enfim, de todos os profissionais que compõem o nosso sistema”, afirma. Além do reforço no quadro de profissionais de saúde, os ambientes hospitalares também estão tendo que passar por mudanças. “Os hospitais estão com taxas de ocupação elevadas, mas estão fazendo dois movimentos. Um movimento é a abertura de novos leitos, que não é um movimento rápido, mas está sendo feito. E o outro movimento é a transformação de leitos não covid em leitos covid”, completa. 

Ele  garante que não faltam vagas para pacientes com doenças que não sejam a covid-19, que está trabalhando para que não haja um colapso e que não há falta de insumos. “Não temos absolutamente nenhuma falta de insumo, o estoque de oxigênio está completamente abastecido. Tem insumo suficiente, mas os fornecedores aumentaram muito os preços nos últimos meses e isso é muito impactante para a saúde financeira dos hospitais”, pondera.

“Nós não tivemos esse tipo de situação [colapso] no meio do ano passado, maio, junho e julho. Nós do sistema privado estamos trabalhando de mãos dados com o serviço público para que isso não venha acontecer nem no setor privado nem no setor público. Eu não trabalho com essa variável de faltar leitos, trabalho com a variável de a gente distender essa curva e conseguir atravessar essa fase mais difícil agora”, finaliza Adan. 

A falta de leitos para covid-19 em alguns hospitais já é uma realidade. As taxas de ocupação por outras doenças estão elevadas. Segundo os relatos de pacientes e profissionais e autoridades de saúde, a situação é, sim, alarmante. 

Leo Prates ressalta que o atual cenário epidemiológico da covid-19 em Salvador tem gerado preocupação e pressão na rede de assistência. “Uma nova cepa do vírus mais agressiva está circulando no município e isso está gerando uma enorme pressão na rede hospitalar pública e privada. O cenário é preocupante. Sei a dificuldade dos hospitais privados. Estamos no mesmo barco nessa dificuldade e vamos buscar soluções conjuntas para evitar o colapso do sistema de saúde em Salvador. Nosso objetivo é salvar a vida das pessoas”, afirmou o secretário.

Hospitais  Trabalhando no limite, os hospitais têm ampliado suas estruturas e  alterado  rotinas e procedimentos. Com taxa de ocupação de 100%, o  Hospital Aeroporto informou  que as cirurgias eletivas, que precisam de pós-operatório de UTI,  estão sendo adiadas e que apenas cirurgias necessárias ou de emergência estão sendo realizadas. A unidade também relatou que ajustes de leitos estão sendo feitos. O Português, que tem taxa de ocupação de 89%, informou que está convertendo e ampliando leitos de UTI e que a unidade continua em plena atividade, sem a necessidade de restringir cirurgias.

Com 97% de ocupação, o  Santa Izabel informou que está garantindo o atendimento de urgência  e que, desde a semana passada,   restringiu a realização de cirurgias consideradas menos complexas. "A conversão de leitos é um processo dinâmico, que vem avançando diariamente diante da demanda de pacientes graves com a covid-19”, diz a unidade. 

O Hospital da Bahia  ampliou  leitos clínicos e de emergência e, principalmente, de UTI e semi-UTI. A unidade acrescentou ainda que está priorizando pacientes com quadros mais complexos e que  continua realizando os procedimentos cirúrgicos de todas as especialidades.

Também com taxa de ocupação de 100%, o Hospital Jorge Valente informou, em nota, que dobrou a sua capacidade assistencial em terapia intensiva adulto e pediátrica para atender à demanda de pacientes com covid-19. Em nota, os hospitais Aliança e  São Rafael, que integram a mesma rede, afirmaram que estão "adotando medidas para acolher todos os pacientes que procuram assistência nas unidades"

Planos de saúde A mãe da publicitária Ananda*  (o nome foi alterado a pedido da entrevistada) está entre as 2,1 milhões de pessoas que têm plano de saúde na Bahia. Mas a carteirinha, tida como garantia  de atendimento, não foi suficiente quando precisou ser usada. No dia 17 de fevereiro, ela foi em busca de uma vaga no Hospital Cárdio Pulmonar e não conseguiu. Mesmo não sendo uma paciente contaminada pela covid-19, ela vivenciou os reflexos das altas taxas de ocupação nos hospitais particulares   por causa da pandemia. 

Ananda conta que a mãe deu entrada no hospital pela emergência. “Minha mãe chegou a ir na emergência na terça e tentou tratar o problema  em casa, com orientação médica do que usar e de retornar caso não melhorasse ou apresentasse sintomas. Acabou que ela teve uma piora e retornou no dia seguinte”, relata. 

O  médico que a atendeu solicitou uma vaga na UTI, por ser uma paciente que faz hemodiálise e com comorbidades. Como a UTI estava lotada, ela foi internada na unidade semi-intensiva. Durante o internamento, apresentou intercorrências e piorou. Na segunda-feira (22), uma nova tentativa foi feita, mas o leito necessário seguia sem disponibilidade.

“Ela foi monitorada na semi mesmo e felizmente melhorou. Não chegamos a ter nenhum tipo de prejuízo no tratamento, mas é sempre um sentimento de angústia saber que ela poderia ter um atendimento mais especializado e não tinha vaga, mesmo tendo plano de saúde”, disse a publicitária.  

O Hospital Cárdio Pulmonar afirmou que, assim como os demais hospitais, está com alto índice de ocupação, mas ajustando a capacidade de leitos à demanda dos pacientes. 

Já o  médico cirurgião geral Radmesse Brito está internado no Hospital Aliança desde o dia 15 com covid-19. Nesta semana, sua esposa, a psicóloga Patrícia Brito, que acompanha o marido no hospital, solicitou um travesseiro, mas ouviu de uma funcionária que não havia nenhum disponível devido à superlotação. “Estamos assustados, acho que essa é a palavra que define melhor”, diz Patrícia.

De acordo com informações de uma fonte que preferiu não ser identificada, o Hospital Aliança tem cerca de 95% de taxa de ocupação.

Índices de ocupação (covid-19)

Hospital Aeroporto - 100% 

Hospital da Bahia - 100% 

Hospital Jorge Valente - 100% 

Santa Izabel - 97%

Hospital Português - 89%

As assessorias dos hospitais Aliança, São Rafael, Teresa de Lisieux e Cardiopulmonar não informaram a taxa de ocupação dos leitos.

O Hospital Aeroporto confirmou que cirurgias eletivas que precisam de pós operatório de UTI estão sendo adiadas e que apenas cirurgias necessárias ou de emergência estão sendo realizadas. A unidade também relatou que ajustes de leitos estão sendo feitos a depender da demanda de pacientes com covid e que estão ocorrendo casos em que há sobrecarga de pacientes em observação na emergência, o que leva à interrupção do atendimento aos casos leves ou à priorização do atendimento aos casos mais graves. 

O Santa Izabel informou que está garantindo o atendimento de urgência a todos os pacientes e que, desde a semana passada, o hospital restringiu a realização de cirurgias consideradas menos complexas, priorizando as intervenções oncológicas, procedimentos cardiovasculares e os casos de traumas do Pronto Atendimento. “Estamos fazendo praticamente 1/3 a menos do volume cirúrgico de antes da pandemia. A conversão de leitos é um processo dinâmico, que vem avançando diariamente diante da demanda de pacientes graves com a covid-19”, diz o comunicado. Na unidade, 92 leitos estão ocupados. 

O Hospital da Bahia disse que tem ampliado leitos clínicos e de emergência e, principalmente, de UTI e Semi UTI. A unidade acrescentou ainda que, priorizando pacientes com quadros mais complexos, continua realizando os procedimentos cirúrgicos de todas as especialidades, e que, até o momento, não há falta de insumos. “Tivemos imensas dificuldades de insumos no transcurso da primeira onda,até pelas dificuldades logísticas pela imobilização do transporte aéreo! Mas atualmente estamos trabalhando sem grandes intercorrências no suprimento de insumos! Afirmo que não é em absoluto uma situação de normalidade, mas mais confortável do que na primeira onda”, diz a resposta. 

O Hospital Jorge Valente informou, em nota, que dobrou a sua capacidade assistencial em terapia intensiva adulto e pediátrica para atender à demanda de pacientes com covid-19. Além disso, direcionou mais de 30% dos leitos clínicos adultos e pediátricos para o atendimento exclusivo de pacientes suspeitos e confirmados, sendo possível certo nível de mobilidade para adequações no direcionamento de leitos, como prevê o Plano de Contingência do HJV.

Em nota, o Hospital Aliança e o Hospital São Rafael, que integram a mesma rede, afirmaram que estão adotando medidas para acolher todos os pacientes que procuram assistência nas unidades. “Os esforços têm sido os melhores tanto aos pacientes de covid-19 quanto àqueles com outras patologias, preservando um fluxo seguro e apartado entre os dois casos”, diz a nota.

A rede Hapvida, que administra o Hospital Teresa de Lisieux, informou que a empresa acompanha diariamente os indicadores de procura das emergências por síndrome gripal e internações, e que está fazendo a transferência de equipamentos e profissionais para outras unidades da rede, de acordo com o aumento na demanda por serviços médico-hospitalares.   O Hospital Cárdio Pulmonar afirmou que, assim como os demais hospitais, está com alto índice de ocupação, mas ajustando a capacidade de leitos à demanda dos pacientes. 

Há garantia de internamento em hospital particular quando necessário?

Enquanto tiver vaga no hospital que o plano cobre, sim. Contudo, não é garantido, principalmente se houver um colapso na rede particular de saúde. Caso necessite de atendimento imediato por conta da covid-19 e o hospital não tenha mais leitos de UTI disponíveis, procure seu plano para orientá-lo. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) recomenda que o beneficiário sempre busque orientações junto à operadora do seu plano de saúde. O plano que não puder dar o atendimento obrigatório, deverá conduzir o paciente para um local que atenda a necessidade, inclusive arcando com os custos.

“Beneficiários de planos de saúde têm cobertura obrigatória. Contudo, o beneficiário tem que estar atento à segmentação assistencial de seu plano: o ambulatorial dá direito a consultas, exames e terapias; o hospitalar dá direito a internação. Em se tratando de uma urgência/emergência, não cabe autorização prévia e o atendimento deve ser imediato”, explicou a ANS, em nota.  

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro

**Nome fictício