No tempo da delicadeza

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  • Kátia Borges

Publicado em 3 de outubro de 2020 às 11:00

- Atualizado há um ano

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Minha mãe e meu pai conversando baixinho no quarto ao lado. Não me esforçava para entender o que diziam. Tinha como sagrado o segredo daquela intimidade, que se reconstruíra pouco a pouco em amizade na velhice. Ouvir suas vozes no escuro, como se cochichassem, era o suficiente para me fazer adormecer quando ainda vivia com eles. Tantos anos depois das brigas, apaziguados pela idade.

De que falavam, os meus pais, protegidos pelo silêncio da noite? Sobre nós, seus filhos, talvez sobre o passado que percorreram como quem palmilha uma acidentada trilha repleta de bifurcações que se reconectam. Fosse o que fosse, havia chegado o momento do reencontro. E essa delicadeza pertencia a eles. Todo relacionamento amoroso, explica o I Ching, é energia que atravessa uma sequência de hexagramas.

Entre os hexagramas 51 e 54, o susto, a quietude, o amor e a paixão transitam. E cada uma das linhas que entra em mutação, dentro de um deles, diz da impermanência das coisas. Nem mesmo os hexagramas 19 e 31 dão conta do que motiva a atração irresistível entre dois seres. O 37 e o 45 também não. Sugiro que você tente, acompanhando o que digo, entender-se com o mestre que habita o oráculo.

Compreender o trânsito da energia amorosa dentro dos hexagramas do I Ching pode levar anos ou meses. É como perceber que andamos todo o tempo em paralelo sem sentir que estávamos lado a lado. Bastava virar o rosto e nos olharíamos nos olhos. Talvez meus pais ainda venham me visitar enquanto durmo, como faziam na infância. E, no recôndito de minha solidão de filha, suas vozes noturnas repitam velhos conselhos.

Cabeça erguida sempre, ela dizia. O silêncio é de ouro, afirmava ele. Ambos confiantes na força ingênua dessas frases. E tudo que eu desacreditava hoje se abre como se fosse a Máquina do Mundo ou o Aleph. Volto ao marco zero de tudo aquilo que sentia, e antes, como se estivesse nascendo de novo. Meu corpo apenas genes. Minha mente se recompondo em água e pele. E choro de felicidade