Nova ameaça: 1º caso de superfungo é registrado em hospital na Bahia

É o primeiro registro no Brasil do Candida auris, localizado em paciente internado em UTI

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 8 de dezembro de 2020 às 19:12

- Atualizado há um ano

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Tudo indica que um superfungo acaba de entrar no país e o primeiro caso foi identificado em um paciente internado numa UTI de hospital privado da Bahia. Resistente a quase todas as medicações existentes, o Candida auris tem levado preocupação em todo o mundo por sua alta taxa de mortalidade, chegando a 60%, e sua possível chegada por aqui gerou um alerta de ameaça pública emitido pela Anvisa nesta segunda-feira (7).

O aparecimento deste fungo justo agora, na segunda onda da pandemia, é uma grande preocupação porque ele é de difícil desinfecção e pode causar surtos hospitalares. Como o caso ainda faz parte de um inquérito epidemiológico, o nome do hospital foi mantido em sigilo. O CORREIO apurou, no entanto, que o caso teria acontecido no Hospital da Bahia, em uma pessoa de 59 anos e que faz tratamento de diálise. A vítima havia sido internada devido à complicações da covid-19. 

O fungo foi detectado na última sexta-feira (4), sendo inicialmente observado pelo setor de microbiologia da unidade de saúde particular. Até o momento, o paciente infectado tem saúde estável, segundo informações da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), que está de olho no caso. Ainda conforme a Anvisa, o fungo foi encontrado em uma amostra de ponta de cateter, e depois confirmado tanto pelo Lacen-BA quanto pelo Laboratório do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

O Candida auris é capaz de causar infecção na corrente sanguínea, pode provocar feridas e é especialmente fatal em pacientes com comorbidades. Ele é preocupante, ainda, porque fica impregnado no ambiente por longos períodos — de semanas a meses — e resiste até mesmo aos mais potentes desinfetantes. Por causa desta dificuldade de eliminação e por ser facilmente confundido com outras duas espécies, demorando na sua identificação, o fungo tem propensão a gerar surtos. 

Em pronunciamento nesta terça-feira (8), o infectologista Antônio Bandeira, da Diretoria de Vigilância Epidemiológica (Divep/Sesab), falou sobre a grande importância da identificação laboratorial de fungos complexos e resistentes como esse. Por se tratar da primeira circulação no país, a secretaria solicitou ajuda da USP e enviou uma cepa do fungo para a universidade realizar uma contraprova. O material do fungo está em investigação por meio de sequenciamento genético para caracterizá-lo sem que reste dúvidas, mas já é tratado como um caso positivo pelas autoridades em saúde. 

Não se sabe ainda se este é mesmo o paciente nº 1 com o fungo no país. Uma investigação foi instaurada para checar se existe contaminação entre pessoas do serviço de saúde. O infectologista destacou que um terço das cepas desta espécie são resistentes às três classes de medicamentos antifúngicos que costumam ser usados e não foi identificada ainda qual o tipo da cepa encontrada na Bahia. Em São Paulo, serão feitas análises para identificar a resistência e sensibilidade dela. 

O médico ressaltou que, de fato, é um momento de alerta, mas nada “ainda que mostre que [a situação] saiu do controle ou que exista um surto”, garantiu. No entanto, o especialista salienta que é necessário, a partir de agora, reforçar ainda mais a higiene dos ambientes e das mãos, com o isolamento imediato de pacientes que possam ter o fungo na pele.

Segundo ele, a prática de desinfecção de superfícies já tem sido feita por causa da covid-19 e é importante que seja intensificada para controlar também a transmissão do Candida auris. Antônio Bandeira informou que as vigilâncias epidemiológica e sanitária estaduais, o Lacen, USP, Ministério da Saúde e o próprio hospital privado estão em colaboração e vêm acompanhando a contenção.

“Está sendo estudado o grau de espalhamento ou possível disseminação, o que, até o momento, não foi mostrado. Tudo indica que é um processo localizado e que, a partir de agora, todo esse reforço será feito para conter cada vez mais esse fungo”, disse ele.

O Brasil estava livre deste patógeno até agora. A espécie foi identificada em 2009, no canal auditivo de uma paciente no Japão. Desde então, já houve casos em países como Índia, África do Sul, Venezuela, Colômbia, Estados Unidos, Israel, Paquistão, Quênia, Kuwait, Reino Unido e Espanha.

"KPC dos fungos"

O médico infectologista Matheus Todt, do S.O.S Vida, explica que é difícil mensurar a real dimensão deste fungo porque não é qualquer laboratório que consegue identificá-lo, é necessária muita tecnologia e gera-se muita confusão com a semelhança com outras espécies. Por causa da sua resistência aos medicamentos comuns, o Candida auris é tido como “o KPC dos fungos”, em referência à superbactéria que também é uma ameça no mundo pelo mesmo motivo.

Todt explica que, obviamente, isso representa um risco a mais à saúde no país, mas é mais grave para pessoas com imunidade baixa e que foram submetidas a procedimentos com cateter e sondas, como é o caso. O que lhe chama a atenção neste fungo é que ele pode colonizar ambientes e se fixar em materiais mal lavados, como estetoscópios. Ele acredita que as medidas de controle da transmissão devem ser as mesmas, mas melhor realizadas. 

Foi no fim de 2016 que a OMS publicou o primeiro alerta de alerta de surto deste fungo na América Latina. A primeira ocorrência na região foi na Venezuela, entre 2012 e 2013, com um surto que afetou 18 pacientes, dos quais 13 eram crianças e adolescentes. 

A médica infectologista Clarissa Cerqueira conta que há cerca de dois anos os especialistas passaram a discutir mais fortemente a possibilidade de chegada do Candida auris ao Brasil. E já se imaginava que ele demoraria a ser descoberto aqui.  Ela explica que esse gênero de fungos existe há bastante tempo e geralmente aparecem em ambiente hospitalar, em casos em que são necessários uso de antibióticos ou procedimentos invasivos, como acessos profundos.

“É complicado saber o perfil de resistência do fungo, o que é uma informação fundamental porque o tratamento é guiado com base na sensibilidade [do organismo]”, afirma Cerqueira.

A transmissão do fungo ocorre pelo contato corpo a corpo ou com superfícies contaminadas, mas nem todas as pessoas desenvolvem doenças ao serem colonizadas pelo Candida auris. “Uma pessoa pode ser colonizada pelo fungo e não ter nada, mas pode passar para uma pessoa mais suscetível, como alguém imunodeprimido, que pode desenvolver uma doença", explica. 

Recomendações da Anvisa

Foi solicitado que os laboratórios de microbiologia reforcem a vigilância para identificação do Candida auris. Se houver qualquer suspeita, deve-se informar imediatamente à Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) da unidade de saúde. Este, por sua vez, deve adotar medidas de prevenção e controle de infecção, independente de confirmação ou não, e notificar à Anvisa e à Coordenação Estadual de Controle de Infecção Hospitalar (CECIH).

Colaborou Marina Hortélio, sob orientação da editora Monique Lobo