O amor datado de Chico Buarque

Flavia Azevedo é produtora e mãe de Leo

Publicado em 5 de agosto de 2017 às 01:02

- Atualizado há um ano

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Peguei uma taça de vinho, acendi um cigarro (eu sei, vou parar), fui ouvir Tua Cantiga e não gostar da nova música de Chico me pareceu um pouco demais. Mesmo pra mim que sou zero chegada a idolatrias. Chico é Chico, pô! Tudo tem limite. Escutei mais uma vez porque, na certa, eu não estava sabendo escutar. Não rolou. Não bateu. E desisti no meio da terceira audição com mini agulhadas de tristeza na alma. Eu queria gostar. Eu tentei. Não deu. Fui dormir.

Na manhã seguinte, "estou em êxtase", um amigo postou, junto com o link para a música nova. Eu calei, claro. As pessoas estavam escutando sem parar, gozando com todos os sentidos diante da mais nova criação do muso de todas nós. Calada estava, calada fiquei. Até que uma amiga me confessou, em particular:"achei datada". Depois, mais umas três também disseram que não rolou sentimento. "É bonitinha", comentou uma delas. E eu achei muito curioso que algumas mulheres, da minha geração, não estivessem emocionadas com a música nova de Chico Buarque. 

Tenho 43 anos e Chico esteve nas set lists de todos os meus amores, até aqui. Do encantamento, passando por Cotidiano até chegar ao "sem você eu passo bem demais". Já teve música que serviu pra mais de um romance, como se fosse feita, exclusivamente,para cada um deles. E não pense que minha vida é repetitiva. Longe disso. Ele é que sempre soube demais. Sempre disse de mim e para mim como se fosse pautado pelo meu analista. Chico entende de mulher. Pacaraio. Ele nunca foi moleza, não.

Mas, desta vez, no painel das emoções femininas, Chico apertou um botão controverso. Essa mulher que ele evoca, não sou, não é. Nem a que somos nem a que queremos ser. Essa que precisa ser salva, que sonha com o reino do lar, essa que goza ao ouvir  "largo mulher e filhos". Botão errado, pra mim. Botão errado para a amiga que disse: "achei datada". Botão errado para Andréia que escreveu "esse negócio de largar filho não desceu". Não funcionou. E Tua Cantiga não é unanimidade. 

Não se trata de patrulhamento nem militância tosca. Mas quem controla sentimento, maluco? Chico Buarque sempre se comunicou com a nossa subjetividade. E é a nossa subjetividade que está falando com ele agora. E a real é que esse mundo interno mudou. De repente, pra um monte de mulheres, "largo filhos" soou tão romântico quanto um arroto no meio do beijo. Uma deselegância, uma sacanagem, uma coisa feia e desnecessária. A gente broxou com a narrativa de um amor covarde, com o canalha fantasiado de super herói, com esse amante infantil e antigo, com esse tipo de amor... datado. Esse cara, esse personagem trazido por Chico (e tão conhecido entre nós) não faz mais sucesso. Porque a gente mudou e até o nosso romantismo está, sim, numa outra vibe. 

(Mas moço, não se afobe não. É que quem jamais o esquece não pôde reconhecer. Se acaso me quiseres, sou dessas mulheres que problematizam, sim. Não sou mais menina, viu? Eu te amo, no entanto. E te perdôo por te trair)