O amor existe

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  • Nelson Cadena

Publicado em 7 de abril de 2022 às 06:00

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O vi nascer num radinho de pilha, na voz de Armando Manzanero: “Contigo aprendí/Que existen nuevas y mejores emociones/Contigo aprendí/A conocer un mundo nuevo de ilusiones”; o vi migrar na voz de Javier Solis: “Cuando las hojas caigan/Tendrá tu vida/Una nueva ilusión/En el invierno/Tendrá el fuego/De mi corazón”; o ouvi na perfidia de Altemar Dutra: Mujer Si puedes tú con Dios hablar/Pregúntale si yo alguna vez/Te he dejado de adorar”.

Amor tímido, contido, aguardando Cupido cumprir o seu papel, recado flechando o alvo, é para isso que Cupido existe. O vi, ao fim, com rosto: morena jambo, cabelos pretos cumpridos, olhos verdes; pé de valsa na Cumbia e pé de rumba no bolero, se é que dá para entender. Olhar demarcando os limites dos 14 anos.

O vi migrar do radinho de pilha para a rua, nos madrigais das serenatas, improvisadas e as contratadas. Na janela um rosto atrás da cortina, meia luz, a vizinhança assuntando. O “amor” de rua era aspas, a vaga lembrança confirma a assertiva. Rica em imagens do ritual da serenata, boleros ensaiados, aguardente enganando a timidez, flores deixadas no umbral. Pobre no essencial: quem estava na janela à meia luz? Vai lembrar!

O vi migrar de novo na voz de Júlio Iglesias: “Tire tu pañuelo al rio/para mirarlo como se hundia/Era el último recuerdo/De tu cariño que yo tenia/se fue yendo despacito/como tu amor/pero el rio un dia/A la playa/Al fin me Lo volverá”. O rio de novo, das espumas flutuantes, na interpretação de Solis: “Espumas que se van, bellas rosas viajeras/Se elevan en danzantes y pequeños copos formando el paisaje/Ya nunca volverán las espumas viajeras/Como las ilusiones que te depararon dichas pasajeras/Espumas tembladoras de águas fugitivas/Van retratando amores y bellos recuerdos que deja la vida”.

Não mais migrou e ecoou mais forte o sentimento do sonho aventureiro, na voz de Joan Manuel Serrat: “Al andar se hace caminho/Y al volver la vista atrás/Se ve la senda que nunca/Se ha de volver a pisar/Caminante no hay camino sino estrelas en la mar”. O amor existe e persiste. O vi também nas viagens psicodélicas, sem música e poesia, gestos e palavras reencontrados na memória, desarrumados no caleidoscópio de rostos me cobrando o não dito e no rearrumar dos vidros coloridos, a catarse reflexiva do não visto e do não ouvido.

O vi por anos, na voz de Alceu Valença: “Linda morena/ Fruta de vez temporana/ Caldo de cana caiana/Vem me desfrutar/Morena tropicana eu quero teu sabor/Ai, ai, ai, ai”. O vejo ainda nas minhas inflexões oníricas. O vi também no outono das folhas caídas dos Ipês amarelos e roxos, tapetes de folhas nas calçadas, não sabia do amanhã dos galos secos das árvores, essa sina tarde demais a vi. Ipês e seus insondáveis mistérios. O vi nas valsas de Straus, imaginando o rodopiar dos corpos, a respiração cadenciada, o braço flexionado, o outro envolvendo as costas que se rendem.

O vi ainda no bom dia, no boa noite e nos emojis do WattsAp, sem trilha sonora ou poesia, apenas palavras que como na florada dos ipês, quem sabe, amanhã serão galos secos; persiste a esperança de outra florada que venha colorir a calçada do andante, caminhante, que como na canção de Joan Manuel Serrat sabe que não há caminho, senão estrelas no mar. O amor existe e persiste. Ainda bem.