O capacitismo e a violência doméstica e familiar contra a mulher

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  • Da Redação

Publicado em 27 de novembro de 2020 às 15:29

- Atualizado há um ano

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O clamor por justiça aumenta durante os 16 Dias de Ativismo pela Eliminação da Violência contra a Mulher, mas, no entanto, as discussões e ações de prevenção terminam por causar outra violência, pois excluem a mulher com deficiência.

A violência doméstica e familiar contra a mulher é a pauta mais defendida pelos movimentos feministas, que colaboram para diversas modificações legislativas de proteção a vítima. No ano passado, foi sancionada uma nova legislação que obriga a autoridade identificar, no ato de registro do Boletim de Ocorrência na Delegacia Especializada, se a vítima já tinha deficiência ou se ela é proveniente da violência sofrida no âmbito doméstico e familiar ou da sua relação íntima de afeto.

Esta nova legislação, além de ampliar a possibilidade de se obter números reais sobre estas vítimas, agravou a pena para o agressor. Recentemente, em julho, outra lei tornou prioritário e urgente os procedimentos nos casos de violência doméstica e familiar e incluiu as pessoas com deficiência no rol dos beneficiários.

Contudo, cabe uma reflexão sobre a invisibilidade desta violência contra as mulheres com deficiência nos programas de governos, que preferem tratar de forma distinta gênero, deficiência, capacitismo e violência.

Os chamados corpos “normais, aqueles que não apresentam deficiências, não contêm falhas e estão dentro de um padrão”, também são aqueles que os órgãos de políticas públicas se debruçam para realizar campanhas educativas, como foi o caso do “X vermelho na mão”, que, apesar de passar uma mensagem positiva, cometeu violência institucional, por excluir outra vez as mulheres com deficiências.

A sociedade contemporânea ainda não superou as barreiras atitudinais para admitirem que as mulheres com deficiência têm o pleno gozo de direitos, como qualquer mulher, e que não devem serem vistas como exceções, exemplos de superação ou que precisam de intervenção médica para consertarem algo errado.

Diversas pessoas utilizam expressões infatilizadoras, preconceituosas ou simplesmente praticam atos negacionistas ao colocarem para debaixo do tapete a capacidade de amar e se relacionar. Pelo contrário, as mulheres com deficiências mantêm vida afetiva e se envolvem em relacionamentos abusivos como qualquer mulher: a diferença se dá pela falta de acesso à rede de proteção, que não está preparada para atendê-las.

As mulheres surdas são grandes vítimas institucionais por conta das barreiras comunicacionais, pela falta de profissionais especializados na língua de sinais. Já no canal de denúncia “ligue 180”, por não possuírem a audição, estas vítimas dependem da ajuda de terceiros ouvintes, que quase nunca ocorre.

O site da Delegacia Digital da Bahia não está adaptado para atender a realidade de quem é surda ou cega, o que nos leva a crer que o preconceito do capacitismo faz aumentar ainda mais a dor de quem precisa acessar os serviços públicos de urgência nos casos de violência doméstica e familiar.

Enquanto olharmos para as pessoas com deficiência como o mesmo olhar dirigido ao personagem “Quasimodo”  do filme o Corcunda de Norte Dame, como coitado, deformado, digno de pena, que era humilhado por todos e  que não tinha o direito de amar, continuaremos retroalimentando a violência doméstica e familiar, seja pela farsa do cuidado, seja pelo negacionismo de que violência  no âmbito afetivo não atinge as mulheres com deficiência, desde que elas não têm capacidade para o relacionamento íntimo de afeto.

Por outro, os meios de comunicação ainda não perceberam que temos mais 24% das pessoas com algum tipo de deficiência, a maioria mulheres. A criação de políticas públicas inclusivas deveria ser considerada urgente principalmente em virtude da pandemia, em que as vítimas estão em isolamento social, agravando as tensões com seus agressores dentro de casa.

Finalmente, fruto da minha experiência na luta pelos direitos das mulheres, recomendamos como medida importante de combate à violência doméstica e familiar contra as mulheres com deficiência a implantação de políticas públicas com educação inclusiva, para promover o conhecimento dos direitos, o empoderamento e a eliminação da discriminação do padrão de corpo perfeito e da subestimação da capacidade e aptidão das pessoas em virtude de suas deficiências.

*Mônica Kalile, advogada criminalista, é ex-superintendente de Políticas para as Mulheres da Prefeitura de Salvador.