O caruru de Iansã

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  • Nelson Cadena

Publicado em 29 de novembro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Hoje parece impossível reviver - não digo a tradição, por que em parte se mantêm - a oferta do caruru de Santa Bárbara para milhares de baianos como ocorria nas décadas de 1980/90. Os jornais noticiavam, se não havia exagero, carurus de até 60 mil quiabos que serviam mais de 10 mil pessoas. Tinha recursos naquela época para bancar essa festa, provenientes do poder público, de comerciantes da Baixa dos Sapateiros e dos feirantes. Atualmente, o caruru de Iansã é de pequena monta e o espaço acanhado e sucateado do mercado não permitiria preparar e servir fartura de pratos. Seria necessário criar uma infraestrutura cara e de difícil operação na rua.

O fato é que o caruru de Santa Bárbara passou a ser na prática um elemento complementar da festa, restrito a algumas centenas de pessoas, apenas. No imaginário dos baianos, o caruru de Santa Bárbara tem a mesma simbologia do Caruru das festas de Cosme e Damião. No factual ,é como se não existisse.

Não sei em que momento o caruru passou a ser a comida de santo da festa de Santa Bárbara. Nos jornais do século XIX e primeiras décadas do século XX não há qualquer menção sobre o assunto. O caruru era servido, pago, nas festas do Bonfim, Conceição da Praia, Santo Antônio da Barra e até nas festas juninas. Nestas, o prato era tão popular quanto a canjica. Caruru era o prato mais apreciado da culinária baiana. Manoel Querino no seu clássico “A arte culinária na Bahia” lhe atribuiu a mesma importância, como “manjar nacional”,  do cocido espanhol, polenta italiana, tofu japonês, cuscuz árabe, tortilla mexicana, churrasco platino, puchero argentino.

Querino destaca o preparo, semelhante ao do efó, e não necessariamente com quiabos, que poderiam ser substituídos por “gramíneas que a isso se prestem, como sejam as folhas dos arbustos conhecidos nesta capital, por unha de gato, bertália, bredo de Santo Antônio, Capéba, etc. às quais se adicionam a garoupa, o peixe assado ou a carne de charque e um pouco d'água que se não deixa secar ao fogo. O caruru é ingerido com acaçá ou farinha de mandioca”.

Caruru e vatapá eram pratos apreciadíssimos pelos baianos, tanto que  restaurantes se especializaram na matéria. O mais badalado era o restaurante do Ferreira, na rua Direita do Palácio, 5 (hoje Rua Chile) e alguns hotéis serviam a iguaria nas sextas-feiras, caso do Hotel do Comércio. 

O caruru era o prato principal da Petiscaria Baiana, na Ladeira de São Bento, 6, que também servia mariscadas, pombo, porco e carneiro.  Evidente que não era o caruru de Santo de Cosme e Damião e, em algum momento, o  de Santa Bárbara.

Como a comida se tornou símbolo da Festa de Iansã? A escolha do caruru para homenagear Santa Bárbara tem a ver com a sua identificação com o orixá Xangô, que come quiabo, um alimento ligado à dinastia. Segundo Raul Lody “o quiabo é um alimento que unifica uma das cortes dos candomblés, formada por Xangô, Iansã, Obá, Ibejis e Ia Massê Malê ou Baiane”.  O preparo dele é diferente do caruru de Cosme e Damião. O dos santos gêmeos é cortado em pedaços pequenos, o de Santa Bárbara em rodelas, o quiabo lascado em tiras com corte na diagonal.

O composto do prato servido inclui outros elementos: vatapá, feijão fradinho, arroz, xinxim de galinha, farofa de dendê, banana da terra frita, feijão preto, abará, acarajé, tudo regado à azeite de dendê.