Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Paulo Leandro
Publicado em 28 de abril de 2022 às 08:35
Todo futebolista é, necessariamente, e antes de tudo, uma criança. É preciso ser inocente demais para acreditar naqueles soldadinhos vestidos em uniforme igual, formando um só batalhão ao qual chamamos time. Nossa mentalidade média, vamos combinar, não chega a 8 anos, tempo de vida de meu filho caçula, cuja infância rubro-negra vai passando distanciada das alegrias da bola.>
Agora, toda a torcida lá de casa, do neto de 2 anos ao patriarca de 89 (idade cronológica), entrou naquele túnel de horrores dos parques de “diversões” antigos, com as derrotas seguidas para times cujos perfis parecem apropriados a um desfile de fantasias: é o Floresta Amazônica devolvendo a dor e o sofrimento das queimadas, agora até o Ypiranga fomos ressuscitar em Erechim, no Rio Grande do Sul, para aparar nossa juba.>
Os mais crescidinhos, fãs do gênero western (eu), podem escolher entre um título mais pessimista, como “O longo passeio desde o inferno” (no youtube, “A long ride from the hell”), ou entrar no clima de acreditar na reabilitação, a exemplo de “O céu mandou alguém”, clássico com John Wayne.>
Precisamos mesmo da chegada ao Barradão de algum emissário celestial, a ponto de começar por afastar os fantasmas de condomínios onde Benito Mussolini teria des-pendurado seu cadáver para orientar os novos camisas negras, fardamento explicitamente fascista, mas este seria só um pesadelo e toda criança, às vezes, acorda assustada. Antes, fossem uniformes rubro-negros, talvez funcionassem melhor como presságio.>
O Vitória infantil amplia este momento brasileiro, no qual uma sequência de derrotas das instituições da república e da democracia poderia anunciar um novo golpe de Estado, tradição ridícula de um país bambo. Entre as táticas dos campeões do terror estaria a de atirar pessoas vivas do alto de aviões para ocultar crimes contra a humanidade.>
Seria dever deste colunista saber ao menos o nosso próximo adversário, mas infelizmente a melancolia tomou conta do ânimo (a alma) e sofre esta criança “cinquenteen” o amargor do zero ponto, prenúncio de queda para a quarta divisão como efeito de uma campanha desastrada de inclinação suicida por quem começa a entregar-se logo nas primeiras rodadas.>
Não faria mal pensar em fazer companhia ao Galícia de meu amigo-irmão Renato Santarém, já livre desta coisa esquisita chamada existência. Vamos voltar a enfrentar o verdadeiro Ypiranga, não este dos gaúchos, mas o nosso, o antirracista nascido no dia da Independência. É o jeito, crianças, reativar o Torneio Bernardo Spector ou jogar o Intermunicipal!>
Não é só o Vitória em rota de autodestruição, o futebol como era bom de ver e jogar já foi morto e sepultado há muitos anos, restam apenas as cópias imperfeitas, um monte de grosso em campo, os riquinhos adultos fazendo dinheiro a rodo e nós, chorando, de castigo, levando palmadas na Série C.>
Um funeral digno expressaria melhor o amor pela agremiação, mas nós, crianças (e as crianças habitantes dentro de nós), gostamos mais de uma festinha com bolas de soprar (sudestino fala bexiga), bolo confeitado e toda aquela alegria, hoje tão distante do Brasil da Fome e do Vitória em estado terminal, já encomendado ao Orum.>
Vamos ver se o céu manda alguém! >
Paulo Leandro é jornalista e professor doutor em Cultura e Sociedade.>