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Paulo Sales
Publicado em 12 de abril de 2021 às 05:02
- Atualizado há 2 anos
Esta semana assisti, pelo YouTube, a um belíssimo encontro entre dois homens de enorme estatura intelectual: o crítico literário franco-americano George Steiner (morto no ano passado) e o romancista português António Lobo Antunes. A conversa – que aconteceu em 2011, na residência de Steiner em Cambridge – é puro deslumbramento para os que amam a grande literatura. Nacos abundantes de erudição compartilhados com simplicidade, bom-humor e alguma mordacidade. Como primeira lição recebida dos mestres, já comecei a ler A Cartuxa de Palma, de Stendhal, mais uma de tantas lacunas. Virão outros.>
Descobri a existência desse vídeo por acaso, via Twitter, publicado por uma pessoa que desconhecia. E me dei conta do quanto há por aí de maravilhoso que nós, perdidos na falta de tempo e no emaranhado da informação digital, acabamos por ignorar. Por outro lado, ao compartilhar o vídeo com um amigo jornalista pelo Facebook, ele já me trouxe novas referências, recomendando fortemente Oblómov, do russo Ivan Gontcharov, que está no meu radar para uma próxima compra.>
Às vezes me pego pensando como é importante estar cercado de pessoas com boa formação intelectual, mesmo que à distância, mesmo que virtualmente. Elas fazem com que o nosso conhecimento se assemelhe a uma árvore frondosa, cheia de ramos e galhos, e não a um tronco solitário e sem ramificações. Cada novo galho é um caminho a ser explorado, um universo a ser desbravado. Ou, para usar um trocadilho infame, as obras que nos são apresentadas acrescentam novos patamares a essa torre de papel que é o conhecimento acumulado.>
Ao longo das décadas, tive a sorte e o bom gosto de cultivar a companhia de amigos e amigas cultos ou, ao menos, curiosos. Isso desde a adolescência, quando um velho amigo me falou pela primeira vez do On the Road de Kerouac, que acabou virando a minha Bíblia de juventude. Mais tarde, por diferentes indicações, cheguei a Philip Roth, Michel Houellebecq, John Banville, Julian Barnes, Antonio Tabucchi e tantos outros. Lembro de um velho e bom amigo dos tempos de São Paulo me dizer há um par de anos: “Mas você ainda não leu Os Irmãos Karamázov? Arranje um tempo, é imprescindível”. Até hoje o agradeço fervorosamente.>
Outra epifania ocorreu com Zorba, o Grego, de Nikos Kazantzakis. Um romance lindo, que li com um sorriso no canto da boca ou o peito apertado (dependendo do trecho), e ao qual dificilmente chegaria se não fosse a generosidade de outro amigo, que me emprestou o seu velho exemplar e com ele doses fartas de fascínio. Fico imaginando o que seria do meu parco conhecimento sem pessoas como essas a que me referi acima. E também muitas outras que me ajudaram a construir uma biblioteca de respeito, que ostento como um dos meus bens mais valiosos.>
Que venham mais e mais dicas, mesmo o tempo sendo curto e o número de páginas, infinito. Até porque é o conhecimento que nos salva da obtusidade, do torpor e da presença cada vez mais maciça da brutalidade no nosso cotidiano. Imersos em um grande livro – como eu estava até instantes atrás – construímos uma barreira refratária às notícias desagradáveis e aos tipos abjetos que povoam este Brasil em decomposição.>