O conto da aniquilação

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  • Gabriel Galo

Publicado em 4 de maio de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Quando jovem, era impetuoso. Tinha convivência conflituosa. Não era conhecido exatamente pela sua capacidade cognitiva, tanto pelo contrário. Ao mesmo tempo, não suportava ambientes pacíficos e procurava sempre o tumulto para sair sorrindo com a bagunça que invariavelmente criava. Quando confrontado, culpava perseguições tantas e tais que quem ouvisse o discurso apaixonado do garoto cairia na mentira.

Formou um pequeno grupo de pensadores similares. Andavam ao lado do agora não tão mais jovem menino. Apesar de quase trintão, vivia na casa da mãe, sem nunca ter trabalhado. Tramava altos golpes mirabolantes, mas se irritava mesmo quando sua mãe errava o jeito de preparar o Toddynho.

As frustrações de uma vida de incompetência e rejeição foram amargurando ainda mais a alma do senhor. Rechaçado por todos, fechava-se em uma bolha cada vez mais obscura, cheio de certezas que tirava do achismo sobre o que observava e das consultas constantes ao cartomante da cidade, um charlatão que crescia no submundo por causa de uma roupagem pop que decidiram dar ao tal para juntar um dinheirinho a mais.

Certo dia, cansado de gritar ao mundo suas obliterações e ser encarado mais como chacota que como ameaça, sentenciou: vou construir uma bomba e aniquilar a todos que se virarem contra mim!

Os risos foram combustível para o ódio do agora senhor, que não largava o quarto de adolescente na casa suburbana dos pais, sem nunca ter produzido nada a não ser vergonha.

A notícia da bomba correu a cidade como rastilho de pólvora. E gerou muitos protestos. Diversas foram as denúncias à delegacia de polícia local. Os que conseguiam somar um mais um se esgoalavam, “gente, estamos avisando!”. Mas o delegado era conhecido da família, sabe como é... E tratava de botar panos quentes. “Fiquem tranquilos. O garoto é meio atrapalhado. E ele nunca vai conseguir mesmo construir a tal bomba. Deixa ele pra lá.”

Mas as denúncias seguiam se amontoando, para muito além da delegacia local. No que as autoridades, inertes, quem quer fazer alguma coisa tendo tanta louça pra lavar?, depois de um tempo, limitavam-se a soltar vazias notas de repúdio e falsos “vamos apurar”.

Enquanto isso, embebido na maldade e na raiva que não tem possibilidade de controlar, o senhor de pele estourada e veias saltadas, gravava vídeos dentro do seu galpão, bandeira nacional pendurada com fita e cruz com um latim indecifrável. Aos que ousassem chegar perto dos fundos da residência, os fiéis seguidores, parceiros de frustrações pela vida tão mais ou menos, os afastavam com violência e entoavam loas ao direito de propriedade e diziam que o limítrofe era, pois, bem intencionado, que não proferia ameaças, apenas exercia enfaticamente a sua liberdade de expressão.

Mas nos vídeos estavam lá plugues elétricos, materiais explosivos, diagramas para construção de sua bomba. Ao seu lado, um instrutor, seria o filho do delegado?, explicava como montar a arma definitiva da destruição. Sua mãe, preocupada, os interrompe. “Filho, você não acha que está indo longe demais?”. 

Ele, então, desvia o olhar por um brevíssimo segundo, e num diabólico olhar, testa franzida, e espuma no canto da boca, retruca, a quem o pariu. “E daí? Você vai se virar contra mim também? Sabia.”

Gabriel Galo é escritor