Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

O coro de sapos no teatro

  • Foto do(a) author(a) Nelson Cadena
  • Nelson Cadena

Publicado em 25 de agosto de 2022 às 05:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Existiu em Salvador um teatro de madeira, “Um miserável galpão de madeira” na indelicada avaliação do tenente holandês Quirinj Maurits Rudolph Ver Huell, o terceiro construído na cidade, segundo Silio Bocannera, que diz desconhecer a data de sua fundação. Afonso Ruy, porém, citando Bocannera, esclarece que o teatro de madeira aqui referido é de 1800. A data não importa. Interessa a sua imprópria localização, praticamente no brejo das matas de Guadalupe, entorno da Praça dos Veteranos, defronte ao atual quartel do Corpo de Bombeiros, de onde se extraía madeira de lei para algumas das mais luxuosas edificações da Bahia.

Bocannera nos informa que “era todo de madeira, forrado de pano, e muito pequeno” e detalha o ambiente: “As águas que corriam, ou se represavam ao longo da antiga Rua da Vala, formando brejos, serviam de refúgio aos sapos, que, em noites de espetáculo, confundiam seu coaxar com as melodias da orquestra, e, por vezes, os sórdidos anfíbios saltavam sobre as estantes, interrompendo os compassos da música”. Maravilha de sonoplastia! Gostaria de ter assistido.

Um dos frequentadores desse primitivo teatro foi o oficial da marinha Ver Huell durante sua compulsória estadia em Salvador (1807-1810). O seu barco sequestrado pelo governo sob o pretexto de não incomodar a chegada da armada real - à bordo, Dom João VI - na sua parada estratégica, antes de seguir rumo ao Rio de Janeiro. Ver Huell reservava parte de seu soldo para os “menus plaisirs”, dentre os quais, frequentar o teatro erguido nos brejos da Baixa dos Sapateiros.

A palavra é dele: “Embora esse prédio não passasse de um miserável galpão de madeira, dificilmente poderia ser de outro jeito, visto que aqui toda a suntuosidade e esplendor eram somente destinados aos conventos e igrejas. Além disso, ele estava situado no vale, de modo que, a cada forte aguaceiro, inundava-se o andar térreo. Os atores, por sua vez, eram proporcionais ao lugar. Continuávamos a frequentá-lo somente para nos divertir com as cômicas apresentações das tragédias”. O teatro tinha pé direito baixo, “com uma galeria de camarotes, pelo menos assim denominado”. Creditou ao ciúme dos maridos o hábito de as mulheres que o frequentavam cobrirem o rosto com um “véu branco sobre a face”.

O melhor do relato do holandês é o trecho em que conta que certa encenação no palco se tornou genuína, acabou em briga, e seus protagonistas foram parar na cadeia: refere-se a “uma determinada peça, cujo tema fora tomado da luta dos mouros contra os espanhóis”. Os principais atores eram mulatos empavoados de pó branco, com rouge nas bochechas para passarem por brancos. “Os olhos pretos e as pálpebras marrons, de fato, contrastavam horrivelmente com esta maquiagem”. O Grand-Finale da peça era o combate entre os mouros, representados por negros livres mal trajados contra os espanhóis, representados por soldados da guarnição.

“Um dos mouros desempenhou o seu papel com tanto entusiasmo que acabou desferindo um golpe considerável em um dos soldados. Furioso por um negro ter ousado atingir um branco, ele quebrou a sua lâmina de madeira, na cabeça do sujeito. Ouviu-se logo uma estrondosa salva de palmas. Bravo! Os negros, sentindo-se humilhados por aquilo, iam gradualmente intensificando aquela luta... Pedaços de madeira voavam sobre o palco e a plateia... A cortina precisou ser baixada, mas o público estava divertindo-se demais com aquela cena... Gritavam... A batalha precisa ser decidida”. E foi. Na cadeia. Dá para imaginar quem levou a pior.

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras